24 Abril 2025
Dentro da igreja em Gaza, devastada pela guerra, uma foto de Francisco repousa agora em frente ao altar, emoldurada por tulipas amarelas e brancas – as cores do Vaticano – e uma fita preta de luto. Quase todos os dias, o Papa Francisco ligava para a paróquia, mesmo com as bombas caindo e até mesmo de sua cama de hospital.
A reportagem é de Vinciane Joly, publicada por La Croix International, 23-04-2025.
"Como você está hoje? O que comeu?", ele perguntava. Em uma gravação em vídeo, um Francisco visivelmente enfraquecido acena gentilmente para os do outro lado da linha. "Nosso amado papa", eles responderam, assegurando-lhe suas orações. "Shukran. Até amanhã", ele respondeu.
“Estou profundamente triste”, disse Hazem Saba, um cristão da Cidade de Gaza. “Ele realmente se importava com o nosso sofrimento. Sempre senti que seu amor pela Palestina e seu anseio pela paz eram sinceros. Suas palavras nos fizeram sentir vistos, apoiados”.
“Sua lealdade tocou a todos nós – cristãos e não cristãos”, acrescentou Saher Kawas, ex-assessor de imprensa do Patriarcado Latino. “Ele era revolucionário, cheio de compaixão. Este papa se sentia próximo do povo. Um pouco como Jesus”.
Essa compaixão definiu o papado de Francisco. Durante uma viagem à Terra Santa em 2014, ele visitou Belém, na Cisjordânia ocupada, onde o muro de separação paira sobre a cidade. "Não estava no itinerário oficial", lembrou Kawas. "Mas ele parou e rezou diante do muro".
O momento se tornou icônico: uma imagem solene de Francisco, cabeça baixa, olhos fechados, testa apoiada no concreto cinza.
“O papa tocou mais do que apenas o muro”, escreveu o pastor luterano Munther Isaac em seu livro de 2020, O Outro Lado do Muro. “Ele tocou a feiura da ocupação e da guerra, as profundezas da nossa dor. Para nós, cristãos palestinos, essa imagem está gravada em nossa memória. E quando esse muro cair – não se, quando – nos lembraremos dessa oração como um ponto de virada”.
Um ano depois, o Vaticano reconheceu oficialmente o Estado da Palestina – poucos dias após canonizar dois santos palestinos.
A atenção de Francisco para Gaza só aumentou em meio à guerra em curso travada por Israel. "Sem justiça, não há paz", repetiu. Na véspera de Natal passado, ele chamou o conflito de "crueldade, não guerra".
Dias antes, ao inaugurar o presépio do Vaticano, ele colocou um menino Jesus envolto em um keffiyeh – o lenço tradicional que simboliza a identidade palestina. “Aos olhos de alguns especialistas, o que está acontecendo em Gaza traz consigo sinais de genocídio”, escreveu ele em um livro a ser lançado. “Isso merece uma análise mais atenta”.
No domingo de Páscoa, um dia antes de sua morte, Francisco fez um apelo final, denunciando a “desastrosa e vergonhosa situação humanitária” em Gaza e alertando sobre uma crescente onda de antissemitismo. “Peçam um cessar-fogo, libertem os reféns e ajudem um povo faminto que sonha com a paz”, disse ele – uma mensagem de despedida que reconheceu a complexidade e a urgência da crise.