04 Abril 2025
À medida que crescem as especulações sobre o próximo papa, de forma discreta ou nem tão discreta, após o mais recente problema de saúde do Papa Francisco, torna-se evidente que as portas que ele abriu serão difíceis de fechar e que seu pontificado deixará uma marca profunda na história da Igreja Católica, comparável ao legado de Leão XIII, João XXIII ou João Paulo II.
A reportagem é de Diego Mauro, publicado por National Catholic Reporter, 03-04-2025.
Mesmo seus apoiadores reconhecem que sua saúde pode limitá-lo, mas as mudanças que ele já implementou irão se consolidar?
A palavra-chave que resume a visão de Francisco sobre a Igreja é misericórdia, expressando a Igreja de portas abertas que ele propôs, próxima das periferias sociais e existenciais. Seu argumento de que ninguém pode fechar a porta para outra pessoa talvez seja a definição mais radical de seu papado e a que gerou mais resistência dos conservadores. Isso irritou aqueles que prefeririam transformar a Igreja em um clube exclusivo, com muitas credenciais e condições morais.
E embora tenha questionado os setores tradicionalistas que alimentam o que ele chama de indietrismo (retrocesso), Francisco não apoia todas as mudanças promovidas pelos setores mais progressistas, como o Caminho Sinodal alemão. Para ele, esses setores se esqueceram de que a Igreja é diversa e que qualquer mudança deve ser construída ouvindo todas as vozes, das mais conservadoras às mais progressistas. O equilíbrio é difícil e instável, mas Francisco conseguiu conter as forças em movimento na Igreja universal para ir além das tensões.
Seu impacto foi global e se estendeu para além da Igreja. Durante sua internação hospitalar, monges budistas rezaram por ele, e não crentes enviaram votos de recuperação. Sua austeridade e forma direta de comunicação, apoiadas pelo uso das redes sociais, permitiram-lhe construir um vínculo próximo não apenas dentro da esfera católica, mas também com o mundo em geral. Seu capital político e espiritual foi sustentado pela instituição papal, mas vai além dela.
Sim, ele foi influente porque é o papa, mas ainda mais porque é Francisco, por seu carisma e personalidade singulares. Seu prestígio social e autoridade moral, reconhecidos por líderes globais de diferentes ideologias, ajudaram-no a construir o apoio necessário, como líder mundial dos católicos, para implementar reformas importantes, cujos efeitos já podem ser vistos em alguns aspectos.
O magistério de Francisco trouxe inovações na doutrina social da Igreja. Em suas principais encíclicas, Laudato si’ (2015) e Fratelli tutti (2020), assim como em sua mais recente exortação apostólica, Laudate Deum (2023), ele atualizou o ensinamento social católico desenvolvido no século XIX.
Nesses documentos, Francisco enfatizou que novas formas comunitárias de produzir, trabalhar e viver devem ser incentivadas. Ele não apenas defendeu a justiça social e pediu moderação aos capitalistas, mas instou a todos a buscar novas formas de habitar o mundo.
Ele lembrou que a propriedade privada não é um valor absoluto e pediu que se buscassem novas ideias na economia social e popular para pensar o futuro. Não pretendeu oferecer soluções técnicas ou medidas concretas de política econômica, mas traçou horizontes desejáveis. Francisco também propôs mudanças na maneira de pensar o poder e a autoridade dentro da Igreja.
O objetivo do Sínodo sobre a Sinodalidade ajudou os católicos a refletirem sobre reformas necessárias e, mais importante, sobre formas mais colegiais de tomada de decisão dentro da Igreja institucional. Isso dá continuidade ao debate que esteve no centro do Concílio Vaticano II. A composição do sínodo, que não deve ser confundido com um congresso, pois é uma instituição não resolutiva, indica a direção das mudanças que Francisco deseja.
Pela primeira vez, 54 mulheres, entre leigas e religiosas, participaram, de um total de 364 membros, e tiveram direito a voto. No sínodo, todas as posições foram refletidas: tanto as mais próximas ao seu pontificado quanto as mais críticas. O objetivo não é necessariamente sintetizá-las, mas identificar possíveis direções, preservando a diversidade.
Ele também incentivou uma nova relação entre a verdade religiosa e a história. No documento Dignitas infinita, promulgado em 2024 pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, a Igreja reconhece que sua compreensão sobre a dignidade humana mudou ao longo do tempo. Na apresentação do documento, o chefe do Dicastério, Cardeal Víctor M. Fernández, destacou que, ao falar sobre dignidade humana, é evidente que “não é algo que a Igreja sempre reconheceu com a mesma clareza: houve um crescimento na compreensão. Ela se desenvolve, aprofunda-se”.
Em 1452, o Papa Nicolau V endossou a escravidão em uma carta ao rei de Portugal, mas em 1537 o Papa Paulo III excomungou aqueles que a defendiam, pois considerava que os escravizados eram seres humanos. “Mesmo em um tempo de mudanças lentas”, disse Fernández, “um papa disse praticamente o oposto do que [seu predecessor] havia dito, com apenas 80 anos de diferença”.
A nomeação de Fernández para o Dicastério para a Doutrina da Fé foi uma decisão crucial e um forte sinal para o futuro. Fernández se identifica com as ideias de Francisco e, com 62 anos, é relativamente jovem. Provavelmente permanecerá no cargo por mais alguns anos após a saída de Francisco. Um novo papa poderia destituí-lo, mas isso não será fácil sem gerar conflitos. Como demonstra a recente publicação do documento Dignitas infinita, Fernández está determinado a seguir com firmeza.
A maioria dos membros do Colégio Cardinalício responsável pelo próximo conclave foi nomeada por Francisco, o que aumenta as chances de que seu sucessor seja alguém alinhado com suas ideias. No entanto, não há garantia de que isso ocorrerá. O papado é uma espécie de monarquia com prerrogativas limitadas, e a sucessão permanece um mistério. Mas, pelo menos por enquanto, pode-se dizer com segurança que o cenário parece inclinado a favor de Francisco.