26 Março 2025
"Os EUA podem mudar o mundo para torná-lo igual a eles mesmos? A resposta ainda é: não. Os restrainers não são isolacionistas. O isolacionismo oitocentista e do início do século XX significava não seguir a Europa em suas guerras, mas quando se tratava de conflitos dentro de seu próprio horizonte (México, América Latina etc.), se intervinha, e como! Veja-se a Doutrina Monroe. No entanto, a epopeia do 'fim da história' trouxe consigo uma ilusão: a de que os EUA pudessem permanecer sozinhos no comando e moldar o globo".
O comentário é de Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 24-03-2025. A tradução de Luisa Rabolini.
A impressão de fora é que Trump está mudando tudo. Mas as coisas já mudaram há tempo, algumas de forma insensível, outras de forma mais evidente. Na realidade, os trumpianos estão decidindo qual linha seguir, mas são influenciados pelo debate estratégico que vem ocorrendo há pelo menos 15 anos. Além dos realistas, dos idealistas e dos isolacionistas tradicionais (de esquerda ou de direita), vemos surgir uma nova corrente: os restrainers, ou seja, os restritores (ou moderados). São aqueles que optam por um intervencionismo limitado: não isolacionistas, mas também não favoráveis à mudança de regime.
De acordo com eles, os EUA devem dar um passo atrás porque não podem ser o xerife global, mas devem encontrar substitutos a quem possam delegar certas tarefas. Sua pergunta é: desde que os Estados Unidos estão no comando do Ocidente (1945) e, especialmente, desde que se tornaram a única potência global (1991), os EUA avançaram em direção a uma “união cada vez mais perfeita”, como afirma a Constituição dos EUA de 1787? Em outras palavras: os EUA melhoraram o mundo? Sua resposta é: não. Diante de tal evidência, o excepcionalismo estadunidense (ou seja, ser o farol da civilização) não vale mais.
Os EUA podem mudar o mundo para torná-lo igual a eles mesmos? A resposta ainda é: não. Os restrainers não são isolacionistas. O isolacionismo oitocentista e do início do século XX significava não seguir a Europa em suas guerras, mas quando se tratava de conflitos dentro de seu próprio horizonte (México, América Latina etc.), se intervinha, e como! Veja-se a Doutrina Monroe. No entanto, a epopeia do “fim da história” trouxe consigo uma ilusão: a de que os EUA pudessem permanecer sozinhos no comando e moldar o globo.
As crises decepcionaram, e hoje Trump afirma que os Estados Unidos não são mais “a cidade sobre uma colina” ou a nação indispensável. Pelo contrário, o magnata acusa as outras nações de tirar vantagem, enganando os ingênuos estadunidenses e acumular riquezas às suas custas. “Somos um país de terceiro mundo, nos exploraram', costuma gritar, inaugurando uma narrativa vitimista que não era estadunidense. Aqui se criou o espaço político para o restraint: é preciso se conter para não correr o risco de perder tudo. Isso significa que, de agora em diante, os EUA se limitarão a conflitos que realmente afetam seus interesses vitais.
Somente quando eles estiverem em perigo, devem intervir. A atual guerra na Ucrânia não é do interesse imediato dos Estados Unidos e, portanto, para os restrainers, deve ser interrompida mesmo “dando de presente” a Crimeia a Putin. Os restrainers convidam à prudência: uma mudança em relação ao passado recente, quando os EUA entraram em guerra para exportar a democracia e a mudança de regime (Iraque) ou pelos direitos humanos (antiga Iugoslávia). De acordo com eles, os ocidentais entraram em guerra sem muitos cálculos e confiantes na vitória.
Agora o Pentágono faz cálculos muito precisos e tenta economizar forças e dinheiro: travar guerras continuamente custa muito caro, e não apenas em termos financeiros. Essa é uma nova doutrina de política externa de segurança e defesa, e Trump está mais ou menos seguindo essa direção por enquanto. O clima em que a corrente dos restrainers nasceu é aquele dos fracassos: guerras ineficazes ou perdidas (Iraque, Afeganistão); 11 de setembro e a guerra declarada contra o terrorismo sem resultados tangíveis; a crise financeira de 2008 etc. Todos esses são insucessos que fizeram com que o Estado profundo dos EUA percebesse que não é possível estar em guerra em todos os quadrantes ou ser o xerife global. Tudo isso, é claro, destaca uma crise da identidade estadunidense. Isso foi discutido no festival Limes em Gênova: de cidade sobre uma colina para algo diferente ainda não definido. Isso terá repercussões culturais e psicológicas no público estadunidense, cujos efeitos ainda não podem ser vistos.
O medo da China é diferente do medo da URSS: trata-se de um adversário muito mais perigoso porque é um modelo atraente, tem recursos que os russos não tinham (ou não sabiam como explorar), tem muitos habitantes e é economicamente forte. A URSS não possuía tudo isso: era apenas um desafio militar. Para a Europa tudo muda: a OTAN nasceu com o conceito: estadunidenses dentro, russos fora e alemães abaixo. Foi principalmente uma escolha europeia. E hoje? Será que se tornará: alemães dentro, russos fora e franceses em cima (com um pequeno guarda-chuva nuclear)?