20 Março 2025
"Depois de um breve período inicial, a trégua logo se transformou no habitual jogo de empurra-empurra, com o qual os dois lados queriam atribuir ao outro a responsabilidade pela mais que anunciada retomada das hostilidades. Ora, o roteiro de praxe alimentado pela era das redes sociais já foi ativado, de forma que cada lado das torcidas culpa o outro pelo que aconteceu", escreve Davide Assael, judeu italiano, fundador e presidente da associação lech lechà, professor de filosofia e escritor, em artigo publicado por Domani, 19-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O fim da trégua entre Israel e o Hamas era anunciado desde o início, já que nenhum dos pontos que separavam os dois lados havia sido minimamente resolvido. Uma conclusão que também revela a capacidade de dissuasão do trumpismo. Falando francamente, não surpreende ninguém o fim da trégua entre Israel e o Hamas que, bem ou mal, estava em vigor desde 16 de janeiro. Os termos do acordo, que afinal nem acordo era, não abordavam nem uma metade dos pontos que dividiam os dois lados.
A trégua sempre pareceu mais uma manobra tática em vista da troca de presidência na Casa Branca, mas estava claro que, por um lado, o Hamas só poderia continuar com a entrega de reféns até certo ponto, já que eles são o único instrumento que resta em suas mãos para negociar alguma forma de sobrevivência política e, vamos ser sinceros, não apenas isso. Tendo a inteligência israelense já dado provas nos últimos meses que pode alcançar seus inimigos onde quer que eles estejam e a qualquer momento.
Por outro lado, o primeiro-ministro israelense Netanyahu, empenhado em manter unida a única coalizão que o sustenta em sua árdua luta contra todos, exatamente, todos os outros poderes do Estado. Um confronto que se agravou com os dois últimos episódios da eleição do novo presidente da Suprema Corte, Izhak Amit, nunca reconhecido pelo ministro da Justiça, bem como apoiador de Bibi da primeira hora, Yariv Levin (algo digno de guerra civil) e, notícia recentíssima, com a demissão do chefe do Shin Bet, Ronen Bar, que parecia prestes a tornar público um documento destacando as tentativas dos serviços internos na noite de 6 para 7 de outubro de 2023 de avisar, certo que tardiamente como admitiu pelo próprio Bar inúmeras vezes, o que estava sendo preparado naquele dia fatídico em que em Israel se celebrava o feriado de Simchàt Torah, que encerra o longo ciclo festivo no início do ano.
Se a defecção que se seguiu à aceitação da trégua pelo partido Otzmà Yehudìt (Poder Judaico), liderado por Itamar Ben Gvir, respondia mais à lógicas de distinção e posicionamento político do que o HaTzionut HaDatìt (Sionismo Religioso) do amigo-rival Bezalel Smotrich, a saída deste último, que jamais teria aceitado alguma forma de acordo que previsse algo diferente de uma Gaza ocupada, teria decretado a queda do governo e o fim de qualquer escudo político para o premiê, que, como sabemos, está cercado de processos, que não pararam nem mesmo neste ano e meio de guerra.
Depois de um breve período inicial, a trégua logo se transformou no habitual jogo de empurra-empurra, com o qual os dois lados queriam atribuir ao outro a responsabilidade pela mais que anunciada retomada das hostilidades. Ora, o roteiro de praxe alimentado pela era das redes sociais já foi ativado, de forma que cada lado das torcidas culpa o outro pelo que aconteceu.
Tudo sempre igual, com os tons habituais: de um lado, a contagem de mortos muito precisa do Hamas, que, dependendo das exigências políticas do momento, se apresenta como incapaz de atender às necessidades básicas de seus cidadãos ou como uma organização forte com Kalashnikovs à mostra; do outro lado, o costumeiro argumento dos civis usados como escudo, dos árabes dispostos a sacrificar seus filhos em oposição à cultura ocidental que, em vez disso, colocaria a sacralidade da vida no centro, e assim por diante.
Não se contam o número de entrevistas nos últimos meses em que Netanyahu, o homem que renegou a doutrina de guerra israelense que sempre foi orientada para o resgate dos reféns a qualquer custo, saiu-se com a frase feita: para nós, cada morte de civil é uma tragédia, para o Hamas é uma estratégia.
Falsificações, estereótipos, simplificações. Em uma palavra, propaganda de guerra.
Por trás da propaganda, o nada. Nenhum plano, como os próprios russos perceberam em outros cenários, nem mesmo qualquer capacidade de pressionar os aliados, já que essa fantasmagórica proposta árabe sobre o futuro da Faixa nunca chegou.
Tanto faz, amanhã Trump separará outra, depois outra ainda, acrescentando caos ao caos já existente. Com quem contar? Com o único lado que tem alguma margem de manobra, já que o outro é realmente abandonado e governado por um clã mafioso envolto em insígnias medievais.
Gostaria de encerrar com as palavras do federador da esquerda israelense, Yair Golan: “Não se deve permitir que a loucura vença. O protesto deve explodir com raiva para salvar os reféns, os soldados e o Estado de Israel das mãos desse homem corrupto e perigoso”.
E, eu acrescentaria, para salvar as vítimas palestinas das bombas israelenses e da loucura espelhada do Hamas.