20 Março 2025
"Nessa disputa de egos, tenhamos a coragem de acreditar no amanhecer de um novo tempo pascal. É tempo de conversão. A esperança cristã, começou justamente numa madrugada de domingo", escreve Dênis Cândido da Silva, padre da Diocese de Luz-MG, mestre em Teologia Sistemática pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE.
O tempo quaresmal é, sobretudo, um tempo de travessia, essa palavra tão cara a Guimarães Rosa. Um tempo litúrgico que visa outro tempo litúrgico, nesse caso, a celebração da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. O fundamento da fé cristã. Ao longo do tempo, a Quaresma foi se modificando e se adequando aos desafios de cada época. Uma Igreja que não se adapta aos novos contextos, dificilmente terá condições de dialogar com os mesmos. Os jovens de hoje, não vivem a Quaresma como os seus avós viviam. A Igreja é desafiada constantemente a se adaptar ao novo sem perder de fato, a sua essência.
Assim sendo, sentimos que ao longo dos últimos anos no Brasil, o tempo quaresmal tem deixado de ser um tempo oportuno para oração, jejum e caridade. O que vemos ultimamente é uma verdadeira briga de opiniões, marcadas por leituras muito rasas das diversas situações que nos afligem. Afloram os discursos moralistas e outras aberrações.
Estamos praticamente na metade da quaresma de 2025 e praticamente só falamos de Frei Gilson e Campanha da Fraternidade, seja contra ou a favor. Nossa Quaresma se resumirá a isso? A brigas ideológicas? Por mais que neguemos, tudo é ideologia. Parecemos crianças numa disputa de cabo de guerra. É possível conciliar Quaresma, Frei Gilson e Campanha da Fraternidade? A resposta não é tão simples como parece.
Falemos mais um pouco de Frei Gilson. Esse jovem Frei que até pouco tempo atrás era só mais um frei, consegue como ninguém reunir mais de um milhão de pessoas nas madrugadas para a reza de um rosário diante do santíssimo sacramento. Sendo o rosário uma devoção tão démodé para a sociedade moderna. Por que um rosário, oração da Igreja, às quatro horas da manhã incomoda tantas pessoas? Qual é a crise que está se desencadeando na Igreja no Brasil e que insistimos em não perceber? É impossível negar que Frei Gilson tem incomodado muitos padres e bispos.
Outro foco extremamente incômodo nessa cenário é o foco político. A relevante leitura politizada e precipitada da situação. Frei Gilson entra no cenário midiático, num contexto político adverso, polarizado. Tudo ultimamente tem um viés político, até mesmo nossas análises teológicas. Alguns apontam Frei Gilson como o novo garoto propaganda de uma direita desesperada por eleitores. Na outra margem igualmente desesperada, vemos uma esquerda que não consegue um “frei” tão influente como Gilson, já que o seus “freis” são da velha guarda. Não seria Frei Gilson somente um “bode expiatório”? A direita feliz por pensar que o tem e a esquerda triste por não o ter? Nesse luta por algoritmos, curtidas e engajamento, a vitória será sempre de Frei Gilson. Nesse ringue todos serão derrotados por ele.
Se na Igreja há lugar para “todos, todos, todos’, seja para o “trem das CEBs”, para a missa sertaneja, missa conga e tantas outras missas, não teria lugar na mesma Igreja, para aqueles e aquelas que se identificam com a proposta de Frei Gilson? Justifica-se toda disputa? Tem sentido criar tantas “facções” eclesiais? Nessa disputa toda, quem perde é a própria Igreja. Quem está na vivência cotidiana nas pastorais e movimentos, sabe do que estou falando. A vivência comunitária em nossas paróquias está se tornando insuportável. O problema é muito mais profundo do que simplesmente a perda de poder ou público.
Para José Saramago, “é preciso sair da ilha para enxergar a ilha”. Quando nos afastamos um pouco dessa situação o que percebemos seja de uma margem ou de outra, é uma Igreja à deriva, sem rota, bússola, em busca de terra firme.
Aos afastarmos um pouco, tomamos consciência de que na mesma Quaresma acompanhamos a enfermidade de nosso querido Papa Francisco. Ele como tantos outros vive uma Quaresma muito significativa. Num leito de hospital, dependendo de pessoas, lutando contra a morte. O Papa Francisco tem nos ensinado o verdadeiro significado desse tempo quaresmal. Frei Gilson dentre as muitas acusações que tem recebido, é acusado de não rezar pelo Papa Francisco em suas orações nas madrugadas. Se fosse somente ele que não reza, seria fácil de resolver o problema. O que vemos de padres e até bispos que também não rezam pelo Papa Francisco não está escrito. Nos fará bem nesses últimos dias que antecedem a Páscoa focarmos mais em Francisco do em Gilson.
O teólogo tcheco Tomáš Halík, em seu livro O entardecer do cristianismo, afirma que a crise enfrentada pela Igreja é um “kairós”, um tempo oportuno, no qual todos nós somos chamados a abandonar o egocentrismo e participar do Mistério de Cristo atuante na história.
Nessa disputa de egos, tenhamos a coragem de acreditar no amanhecer de um novo tempo pascal. É tempo de conversão. A esperança cristã, começou justamente numa madrugada de domingo.