15 Março 2025
"Quando Enrico Berlinguer pensava em um 'compromisso histórico' entre católicos e comunistas sonhava com um confronto civil, mais seguro e avançado do que as duas propostas divididas. Se uma sociedade é como a multidão em uma estação de trem, um amontoado de indivíduos, indo em muitas direções, é apenas um coágulo temporário. No entanto, se acontecer um acidente naquela estação, e muitos correrem para salvar os atingidos, uma sociedade temporária se forma, porque a adversidade faz com que se reconheça o que se têm em comum: a vida humana", escreve Enrico Peyretti, teólogo, ativista italiano, padre casado e ex-presidente da Federação Universitária Católica Italiana (Fuci), em artigo publicado por Rocca, n° 05, 01-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
A política deve “organizar a esperança”, dizia Ossicini. Mas metade dos italianos não tem esperança na política e não vota. Nos EUA, muitos contaram com o Imperador do Ouro, que promete tudo e tem o primado sobre tudo. Mas esperança política é tomar o poder ou promover relações justas na “polis” de todos? Se uma sociedade é apenas uma arena de rivais, não é um lugar para se viver. Os partidos não devem ser facções rivais, mas propostas diferentes, até mesmo dialéticas, para convergir mais adiante sobre o que cada um vê e quer sozinho. Quando Enrico Berlinguer pensava em um “compromisso histórico” entre católicos e comunistas sonhava com um confronto civil, mais seguro e avançado do que as duas propostas divididas. Se uma sociedade é como a multidão em uma estação de trem, um amontoado de indivíduos, indo em muitas direções, é apenas um coágulo temporário.
No entanto, se acontecer um acidente naquela estação, e muitos correrem para salvar os atingidos, uma sociedade temporária se forma, porque a adversidade faz com que se reconheça o que se têm em comum: a vida humana. A multidão se torna uma sociedade, a socialidade aparece, como no samaritano da parábola: a dor do outro “revira as entranhas” (diz o texto grego), porque ele é como você, e você se torna próximo dele, e então somos “polis”. Os perigos de hoje podem nos tornar cidadãos do mundo? A diversidade de esperanças e orientações é válida e útil em uma grande sociedade. Mas ela não é sociedade se não houver o que une. A retórica estreita falará de pátria, de nação, de história, até mesmo de sangue, de raça e de império, mas uma sociedade é realmente humana quando reconhece os valores humanos universais, na abertura e no acolhimento, no destino agora comum de todos os povos humanos.
Na Itália, após as vergonhas e as dores do fascismo e da guerra, esse valor foi felizmente formulado na Constituição de 1948. Hoje, a nossa esperança comum só pode ser o cumprimento político do dever atribuído pela Constituição ao governo eleito pelo voto popular: “É dever da República” (...), promover o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a participação efetiva de todos na vida do país (...) e a paz e a justiça entre as nações” (Art. 3 e Art. 11).
Esse objetivo deve ser implementado historicamente, mesmo que de variadas maneiras, mas não traído. Você não é encarregado de dirigir um ônibus para ir para sua casa, mas de conduzir os passageiros para uma meta comum estabelecida. Só haverá política justa se a ética social e comunitária estiver viva, nas circunstâncias históricas. Na gestão da “polis” pluralista também se encontram escolhas alternativas: é preciso ser capaz de decidir, mesmo nesses casos, com método democrático: contar cabeças, não cortar cabeças. Mas o método não é tudo: o assassinato de guerra votado democraticamente continua sendo um crime. Bobbio definia a democracia como “regras do jogo”, procedimento, no entanto, afirmava que essa concepção é mínima, mas “não é de modo algum sem critérios de valor ” (Autobiografia, Laterza 1997, pp. 142-143) pois, de fato, implica em fortes valores sociais.
A democracia “pode cometer suicídio” quando renega os valores humanos. Hitler foi nomeado na democracia mas, em seguida, adotou uma autocracia violenta. Podemos ter esperança de nos educar na sabedoria popular? Um sistema político que nos permita ter esperança juntos, também dialeticamente, uma melhor realização do que é humano, antes de tudo reconhece o valor universal da pessoa humana. Se a política descarta pessoas ou categorias, não é lugar de esperança. As principais políticas atuais não dão esperança diante dos gravíssimos riscos planetários! O fracasso da política atual é grave. E as promessas mágicas de Trump são vulgar manifestação de poder. Portanto, a esperança hoje é que o dever civil seja novamente capaz de elaborar empenhos comuns, morais e inteligentes, adequados aos perigos planetários e às possibilidades humanas. Resistir, trabalhar juntos, é esperança ativa.