27 Novembro 2024
"A segunda observação diz respeito à maneira pela qual somos informados. Antes da mudança de candidato, todas as informações e pesquisas diziam que Biden estava em uma desvantagem crescente em relação a Trump. Mas quando ele se retirou em favor de Harris, a vice-presidente, as coisas de repente pareceram mudar. Harris estava recebendo enormes subsídios, era recebida com grande calor e participação, estava em perfeita paridade ou até mesmo à frente de Trump. E essa história nos foi contada até o dia da eleição. Os resultados, no entanto, mostraram o contrário: Trump venceu por uma ampla margem em quase todo o território estadunidense, o vermelho dos republicanos lidera em toda parte", escreve Angelo Papuzza, professor e pastor que se dedica aos estudos sobre história da igreja, em artigo publicado por Ilfoglio.info, 25-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Da vitória de Trump e da direita republicana nas eleições estadunidenses, podemos tirar algumas reflexões. A primeira diz respeito ao fato de que, para vencer, Trump não precisou, como a maioria de seus antecessores, convergir para o centro; pelo contrário, foi justamente o viés extremo de suas propostas que foi seu trunfo. Abordarei daqui a pouco o motivo dessa anomalia, que para mim é central.
A segunda observação diz respeito à maneira pela qual somos informados. Antes da mudança de candidato, todas as informações e pesquisas diziam que Biden estava em uma desvantagem crescente em relação a Trump. Mas quando ele se retirou em favor de Harris, a vice-presidente, as coisas de repente pareceram mudar. Harris estava recebendo enormes subsídios, era recebida com grande calor e participação, estava em perfeita paridade ou até mesmo à frente de Trump. E essa história nos foi contada até o dia da eleição. Os resultados, no entanto, mostraram o contrário: Trump venceu por uma ampla margem em quase todo o território estadunidense, o vermelho dos republicanos lidera em toda parte. Concordo, as pesquisas não são uma ciência exata, apenas dão orientações, tendências. Mas aqui o erro é macroscópico: em muitos estados, a diferença entre Trump e Harris é considerável, até 10 pontos, enquanto nos estados azuis a diferença entre os dois é mínima, além disso, os republicanos têm maioria em ambas as casas do parlamento. Evidentemente, as informações e as pesquisas eram amplamente manipuladas para mascarar ao máximo a fraqueza da candidata Harris, uma figura secundária durante todo o mandato de Biden, catapultada no último momento para o centro das atenções sem ter passado pelas primárias, um evento fundamental na escolha de um candidato à presidência estadunidense.
Mas vamos ao cerne do problema. Já faz algum tempo que é evidente que a direita no Ocidente está avançando continuamente e vencendo com facilidade, mesmo em países com fortes tradições socialistas. Há muitas razões para isso e cada país tem suas especificidades, mas em todos há uma razão predominante que costuma ser determinante: a chegada constante de migrantes. Certamente, os imigrantes são uma fonte de perturbação e preocupação, principalmente para as classes mais pobres, mas em sociedades como a nossa, com uma taxa de natalidade decrescente, a chegada de jovens, prontos para tudo e ansiosos para se afirmar, não é um problema, mas um recurso importante, e vemos isso todos os dias. Não, o problema é mais complexo, na realidade os migrantes servem como bodes expiatórios. Aos olhos dos trabalhadores e da classe média ocidental empobrecida, eles são a vanguarda do inimigo.
Representam os países do antigos do terceiro mundo que, com seu desenvolvimento acelerado, com seu desejo de se afirmar e reequilibrar o poder e a riqueza mundial, com sua concorrência irresistível, são a primeira e direta causa de nosso empobrecimento. Não há necessidade de uma cultura econômica aprofundada ou de análises políticas complicadas, é algo que todos sabem e sentem na pele, basta ler os rótulos dos produtos que compramos nos supermercados: estamos sujeitos à concorrência implacável de trabalhadores que se contentam com salários 5 - 10 - 20 vezes menores do que os nossos. É esse sentimento que dá vantagem à direita, que, com seu conservadorismo, defesa da pátria e senso realista de ordem e disciplina, é a resposta natural e automática para um povo assustado e preocupado com o futuro de seus (poucos e preciosos) filhos. Nessas condições, a esquerda está em sérias dificuldades, sendo progressivamente abandonada pelas classes de referência, votada principalmente por pessoas instruídas, intelectuais, de mente aberta e com um forte senso de justiça (daí a acusação de “bom mocismo”). A situação é ainda mais complicada pelo fato que o tradicional internacionalismo da esquerda é suspeito de ter favorecido essa globalização sem regras realizada pelas finanças mundiais, que empobreceu as massas e enriqueceu pequenos grupos financeiros além da imaginação (daí a acusação de liberalismo). Em suma, após o desmanche político, cultural e moral dos regimes comunistas e a virada globalista das finanças, as esquerdas não conseguiram mais encontrar uma narrativa política que propusesse uma alternativa convincente à da direita, oscilando entre a busca vã de suas teses e um globalismo liberal inconcludente.
Pensar em uma política alternativa eficaz para as esquerdas no Ocidente nestes tempos complicados é muito, muito difícil. Essencialmente porque, como tentei argumentar, os interesses das classes de referência são opostos à sua ideologia internacionalista. Um dos primeiros a perceber isso foi Enrico Berlinguer. Na década de 1970, depois de uma das muitas guerras na Palestina, os países árabes, cansados de “dar de graça” o petróleo, a linfa vital da indústria ocidental, para adquirir seus produtos a preços altos, decidiram aumentar o preço do ouro negro multiplicando-o em etapas por 10. Berlinguer entendeu com bastante antecedência a virada que estava se preparando e, como resposta, propôs o compromisso histórico e uma política de sacrifícios. O mundo estava caminhando para um reequilíbrio das inaceitáveis desigualdades globais e isso exigia que os países avançados reduzissem suas expectativas de desenvolvimento. De acordo com sua visão, esses sacrifícios seriam compensados por maior justiça internacional e menor perigo de conflitos entre as nações ricas e as nações ansiosas por crescer. Suas ideias, no entanto, eram avançadas demais e não estavam totalmente desenvolvidas, por isso foram pouco compreendidas até mesmo dentro de seu próprio partido, o PCI. Hoje, no entanto, após 50 anos, suas intuições estão se tornando realidade. Bilhões de pessoas em países subdesenvolvidos se levantaram exigindo um lugar mais adequado para si na história, e outros bilhões estão prestes a fazer o mesmo. Isso desestrutura o equilíbrio que os ocidentais impuseram ao mundo nos últimos 300 anos da revolução industrial, e o caminho para um novo e mais justo parece muito difícil de ser encontrado.
A proposta defensiva e de contenção da direita agora parece a mais razoável e eficaz, e é cada vez mais bem-sucedida no Ocidente. Mas, na realidade, não tem a capacidade de enfrentar os problemas que estão na mesa.
Ela só pode ter duas saídas: ou um agravamento do que já estamos vendo: crise econômica no Ocidente, atritos, confrontos, guerras que explodem aqui e ali seguindo lógicas contorcidas e obscuras. Com um possível final catastrófico. Ou um acordo entre as duas maiores potências, os EUA e a China, para repartir o mundo às custas das outras potências médias e pequenas e dos povos da África e da América Latina. Nesse cenário, a potência mais penalizada certamente será a Europa, rica, mas com poucas defesas. Portanto, são precisamente as esquerdas europeias que, retomando a intuição de Berlinguer, devem se encarregar de uma proposta alternativa àquelas inconclusivas e perigosas propostas pelas direitas: um acordo entre o Ocidente e as forças políticas mais atentas e perspicazes que certamente existem no caldeirão fervilhante do antigo Terceiro Mundo para um reformismo global que tenha como objetivo um arranjo mais equilibrado e justo do planeta, sem o recurso obrigatório à guerra.
A base para esse acordo poderia ser a proposta de um novo sistema monetário global, talvez retomando e atualizando aquele sugerido inutilmente por Keynes durante as negociações de paz no final da Segunda Guerra Mundial, com base em uma unidade de moeda acordada e não no dólar, que só favorece os Estados Unidos (afinal, é isso que o grupo Brics está tentando fazer). É melhor um acordo global razoável do que o usual confronto que prejudicaria a todos. Além disso, a aceitação dos sacrifícios necessários para um desenvolvimento e uma distribuição mais equitativa da riqueza mundial, em troca, por parte dos países emergentes, de moderação e gradualidade no processo de crescimento e renúncia a ações violentas e punitivas em relação ao Ocidente (que é, e continuará sendo por um bom tempo, a superpotência mais forte do planeta). Essa é certamente uma proposta complexa e difícil de negociar, principalmente porque exigiria estadistas de alto nível cultural e moral, como Berlinguer ou aqueles que pensaram e fizeram a Europa, e não politiqueiros de pouco valor, capazes apenas de seguir as pesquisas de opinião.
Espero que as esquerdas europeias sejam capazes de seguir esse caminho, também porque não vejo nenhum outro eficaz. Nas escolhas difíceis que terão de fazer, também poderão ser ajudadas pelos fracassos das direitas no poder e pelo agravamento das crises que se sucederão devido às suas políticas equivocadas, porque certamente os emergentes não pararão e a alternativa entre um confronto contínuo sem saídas e cada vez mais perigoso e um acordo razoável se tornará mais clara para todos e, portanto, a escolha justa mais fácil.
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Por que a direita vence (não apenas nos EUA), mas está destinada a perder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU