03 Dezembro 2024
"A esperança é o 'não-que-pode-ser-sim', em vez do 'não-apenas-não'. Portanto, é uma antecipação-não-possuída, um ter-sem-ter; não é o simples não ter. A noção de 'ter-sem-ter', estranha ao capitalismo proprietário, é realmente estranha à humanidade? Talvez seja o trunfo para superar a antropologia capitalista", escreve Enrico Peyretti, teólogo, ativista italiano, padre casado e ex-presidente da Federação Universitária Católica Italiana (Fuci), em artigo publicado por Rocca 01-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vários livros sobre esperança estão sendo lançados. Uma grande necessidade de hoje é a esperança. O dicionário Treccani a define como desejo, confiança, expectativa. Comecemos pelo desejo, depois veremos a esperança pela fé. A antropologia da pessoa humana como desejante enfatiza a necessidade, a superação de si, a incompletude. Nós nascemos e nasceremos. A palavra “desejo” (desidera) evoca literalmente o chamado das estrelas, imagem admirada de tudo o que é presente-distante-atraente, além dos limites e das fronteiras.
São luzes inalcançáveis, mas atraentes e sedutoras. São distantes, mas - se o céu estiver limpo - são presença-próxima-distante, luzes de mistério.
O desejo fala de dilatação, não apenas de avidez. Mas a cultura atual não ajuda a entender o desejo como aspirações humanas elevadas: em vez disso, reduz o desejo a vontades/necessidades a serem satisfeitas por meio do acúmulo de coisas e do consumo de emoções: a publicidade sedutora cria a necessidade curta, leva ao consumo rápido, útil para o vendedor. Assim, o ciclo de necessidade-satisfação se fecharia, mas na realidade ele não se fecha. O consumismo nos reduz, mas o espaço do desejo se reabre, se permanecermos humanos, esse estranho animal que somos, evoluído e inacabado.
A medida do homem é seu desejo: pequenos desejos, pequenos homens; grandes desejos, grandes homens. O homem tem diante de si o vazio da morte, a escuridão do incerto e, igualmente, a necessidade de realização-felicidade: o homem não é suficiente. Mas é difícil “não ser suficiente”. Nós nos perguntamos, mesmo no silêncio inconsciente: sou ou não sou? Vivo ou não vivo? Assumir a nossa incompletude é a condição para buscar nos realizar, para sermos realizados.
Desejar é doloroso: vejo as estrelas e não as alcanço. Muitas vezes renuncia-se à tensão, para sofrer menos. Mas a tensão humana volta a pressionar: as estrelas atraem.
São valores, ideais, projetos, sonhos, libertação, beleza, justiça, paz... Os seres humanos podem dormir por muito tempo, fazer civilizações achatadas, sem grandes pensamentos, mas de vez em quando alguém que acorda pode despertar os outros: um poeta, um profeta, um movimento social que reivindica justiça, um ímpeto de dignidade ofendido por uma potência... “A cada cem anos o povo acorda”, canta Pablo Neruda.
E nós, agora? Como vivemos o presente diante dos dois caminhos: a tensão e a renúncia resignada? A paz e a justiça são impossíveis? A esperança-desejo não é apenas a dor do vazio: é também o lado positivo da incerteza que impulsiona à busca.
A esperança é o “não-que-pode-ser-sim”, em vez do “não-apenas-não”. Portanto, é uma antecipação-não-possuída, um ter-sem-ter; não é o simples não ter. A noção de “ter-sem-ter”, estranha ao capitalismo proprietário, é realmente estranha à humanidade? Talvez seja o trunfo para superar a antropologia capitalista.
A esperança de felicidade é uma antecipação de felicidade-sem-ter-a-felicidade. A felicidade anunciada, esperada, é um começo, não é o nada.
Vislumbrar uma meta, um objetivo, um valor, não é alcançá-lo, mas também não é ignorá-lo, não é ser-lhe estranho.
Saber que não se sabe já é sabedoria. A “felicidade-não-ainda” é um terceiro tempo entre o nada e o tudo, um presente estendido, não estático. A esperança é movimento, é caminho-em-caminho, é tensão. É desejo, e poderá se tornar confiança.
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Esperança como desejo. Artigo de Enrico Peyretti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU