17 Janeiro 2025
A derrota militar do Irã e do Hezbollah no Líbano e na Síria alterou radicalmente as coordenadas geopolíticas do Oriente Médio. A República Islâmica se vê agora obrigada a recuar para seu próprio território, concentrar-se em seus problemas nacionais e em suas ambições como potência regional.
O artigo é de Bernard Hourcade, geógrafo especializado no Irã e pesquisador emérito do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França, em artigo publicado por Nueva Sociedad, 15-01-2024.
Os fracassos militares do Irã no Líbano e na Síria afetaram especialmente a Guarda Revolucionária e as facções ideológicas mais radicais que dominam a vida política, econômica, social e cultural do país. Mas, enquanto alguns consideram iminente o "derrubamento do regime", outros temem um governo militar ainda mais radical. Por sua vez, o líder supremo, Ali Khamenei, tenta alcançar compromissos na tentativa de salvar um sistema em perigo sob a pressão das sanções econômicas dos EUA, da oposição internacional ao seu programa nuclear e, sobretudo, da sociedade iraniana.
Assim que assumiram o poder em 2021, com a eleição de Ebrahim Raisi como presidente, as forças conservadoras perceberam a urgência da situação. Iniciaram, então, uma mudança de estratégia regional para viabilizar negociações com os Estados Unidos e obter o levantamento das sanções econômicas. Sem bloqueá-la, as divisões no campo conservador dificultaram essa estratégia, que visava reforçar as relações com todos os países vizinhos, começando pela Arábia Saudita, e distanciar-se da rede de proxies criada no contexto da guerra Irã-Iraque. Essa política foi confirmada em junho de 2024 com a eleição do reformista Masud Pezeshkian como presidente. O líder supremo Khamenei, sem outras alternativas, deu sua anuência.
No entanto, em poucos meses, Israel reverteu completamente esse plano de retirada ordenada para o próprio território e os interesses nacionais. A derrubada do regime de Bashar al-Assad na Síria – o único aliado árabe sólido do Irã desde 1979 – e a derrota militar do Hezbollah obrigaram a República Islâmica a definir uma nova política interna e internacional que vai além do mero pragmatismo.
Os sucessos militares da Guarda Revolucionária foram numerosos. A guerra Irã-Iraque (1980-1988) permitiu a essa milícia política, fundada para combater os opositores da República Islâmica, tornar-se uma tropa de elite do Exército nacional. Enquanto o exército convencional se limitava a defender o território nacional, os corpos da Guarda Revolucionária tornaram-se os atores da estratégia de "defesa avançada" além das fronteiras, com o Hezbollah e a Síria como pilares fundamentais. O compromisso dos guardiões da revolução logo ultrapassou a frente iraquiana para tornar-se ideológico, globalizado, contra o "Grande Satã" americano e seus aliados europeus e israelenses.
Após apoiar os movimentos palestinos, desempenharam um papel destacado na criação do Hezbollah no contexto da invasão israelense do Líbano em 1982. Após o fim da guerra com o Iraque, os veteranos rapidamente ocuparam posições de responsabilidade na política, na gestão do Estado e, claro, nos negócios. A Guarda Revolucionária assumiu funções de controle político, inteligência e repressão dentro do país, enquanto forças especiais, como a Al-Quds, especializaram-se em ações externas.
A ação militar do Irã na Síria adquiriu uma nova dimensão quando apoiou ativamente o regime de Assad contra os levantes da Primavera Árabe em 2011, especialmente com o surgimento do Estado Islâmico no Iraque e depois na Síria. Teerã viu nesse exército de jihadistas sunitas ferozmente antixiitas uma arma utilizada pelos Estados Unidos e seus aliados sauditas e israelenses para derrubar a República Islâmica. A força Al-Quds, comandada pelo general Qasem Soleimani, desempenhou um papel proeminente, com a ajuda de mercenários xiitas do Afeganistão, milícias xiitas do Iraque e, sobretudo, do Hezbollah. O Irã foi o único Estado muçulmano que lutou contra o Estado Islâmico. A Guarda Revolucionária permaneceu em território sírio, assim como as forças especiais americanas e, claro, os russos.
Durante 20 anos, muitos integrantes da Guarda Revolucionária permaneceram no Líbano e na Síria, onde alguns fundaram uma pequena colônia irano-xiita, destinada oficialmente a proteger o túmulo de Zaynab, neta do Profeta. Esse assentamento demográfico, econômico e religioso, combinado com os planos políticos do Hezbollah no Líbano, viabilizou estratégias de conquista. O acesso ao Mediterrâneo alimentou a ideia de vingar a batalha de Maratona e construir uma estratégia imperialista mediterrânea para o Irã. A criação desse "arco xiita" foi denunciada pelos países árabes sunitas e considerada por muitos analistas como um elemento central da política externa iraniana. O dogma da "ameaça iraniana", compartilhado pela maioria dos analistas ocidentais, definia o Irã como um Estado imperialista islâmico cujo principal objetivo era desestabilizar o Oriente Médio e depois a Europa através do Mediterrâneo.
Em dezembro de 2024, isso se tornou uma armadilha que se fechou sobre a Guarda Revolucionária. Ela não percebeu até que ponto o Mossad, serviço de inteligência exterior de Israel, bem implantado na Síria, havia se infiltrado no Hezbollah e na Al-Quds, nem as consequências da incapacidade do regime de Assad de sair da guerra. Seus sonhos de acesso ao Mediterrâneo fizeram esquecer que o moderno Estado iraniano construído pelos safávidas no século XVI não era imperialista, mas antes de tudo nacionalista, comprometido com a proteção de suas fronteiras contra as forças hostis dos impérios otomano, russo e britânico. A luta contra um inimigo globalizado como os Estados Unidos podia justificar a estratégia de "defesa avançada", mas a força Al-Quds havia transformado esses bastiões distantes em apostas estratégicas.
O lançamento, na noite de 13 para 14 de abril de 2024, de 350 drones e mísseis contra Israel a partir do território iraniano, sem passar pelo arsenal do Hezbollah, constituiu uma mudança estratégica espetacular. Teerã afirmava assim sua decisão de defender sozinho seu território, seu regime político e seu programa nuclear, sem a ajuda da rede de proxies.
Após o atentado do Hamas de 7 de outubro de 2023, o Irã fez todo o possível para evitar envolver-se em uma guerra sem saída e retirou a maioria de suas milícias do Líbano e da Síria, planejando um recuo ordenado. A destruição sistemática de depósitos de armas iranianos para o Hezbollah na Síria também levou Assad a pedir aos iranianos que mantivessem um perfil discreto. Finalmente, as tropas da Guarda Revolucionária não combateram e fugiram quando, em dezembro de 2024, os rebeldes de Idlib tomaram Alepo e depois Damasco, o que tornou sua derrota ainda mais vergonhosa. O general Hossein Salami, comandante-chefe da Guarda, declarou com orgulho que o último iraniano a abandonar a Síria era um "guarda", uma patética admissão de derrota.
Já em 11 de dezembro, como para se convencer de que tudo era irreal, o guia supremo Ali Khamenei declarou que "quanto mais se pressiona o eixo da resistência, mais fortalecido ele sai" e que "o que aconteceu na Síria é o resultado de um plano conjunto estadunidense-sionista", antes de afirmar, em 22 de dezembro, em declarações reproduzidas pela agência oficial IRNA, que de qualquer forma o Irã "não tem forças auxiliares [proxies] na região nem precisa delas". No entanto, a ausência de comentários de fundo sobre os acontecimentos no Líbano e na Síria demonstra que se virou a página e que os interesses da República Islâmica já não passam pela resistência ou pela intervenção direta. Todos compreenderam que o "eixo da resistência" foi quebrado. Os mais radicais lamentam e declaram que querem relançar o islã revolucionário. Criticaram veementemente o presidente reformista Pezeshkian, que confirmou que a luta contra Israel era justificada, mas adiou qualquer ação "até que chegasse o momento oportuno" e se aproximou dos países árabes. A maioria dos iranianos, por sua vez, sente alívio pelo fim dessas operações militares e dos gastos no exterior. Lamentam que os 30 a 50 bilhões de dólares em empréstimos e gastos destinados à Síria durante os últimos 15 anos provavelmente nunca sejam recuperados.
Os discursos convencionais dos líderes iranianos e o silêncio inquietante da mídia e da população parecem refletir a profundidade do choque. O fato de a Guarda Revolucionária ter caído sem lutar marca uma etapa decisiva no enfraquecimento da República Islâmica. Um cadeado foi rompido, o que abre a porta para todas as possibilidades, as piores e as melhores.
A crise energética, que perturba todo o país, é apenas um aspecto de uma crise mais ampla. A necessidade de uma mudança profunda parece evidente, mas os iranianos também estão apegados à segurança e à estabilidade do Estado. Eles têm consciência do custo das revoluções e da ausência de um projeto político alternativo, enquanto as forças políticas da diáspora estão distantes demais de sua realidade. Observam como os conflitos internos, combinados com ações externas, devastaram o Afeganistão, o Iraque, a Síria, o Líbano e a Palestina. Também se preocupam com a possibilidade de que os sucessos militares e as conquistas territoriais de Israel gerem conflitos regionais intermináveis.
De onde pode vir uma mudança que não mergulhe o país no caos? O líder supremo, que tem longa experiência na gestão de conflitos entre facções radicais, conservadoras e reformistas, ainda possui os meios e a autoridade moral para impor suas escolhas e encontrar compromissos sustentáveis? Como reagirão os milhões de membros ativos ou aposentados da Guarda Revolucionária e todos aqueles que dela dependem política e financeiramente? O assassinato de Soleimani em janeiro de 2020 provocou grande comoção nacional, mas Soleimani era um general vitorioso. Hoje assistiremos a um vae victis [ai dos vencidos].
É um pouco cedo para concluir que a República Islâmica está prestes a cair. A derrota das facções conservadoras, representadas pela Guarda Revolucionária, não deve ocultar a vitalidade do nacionalismo iraniano nem o consenso existente no Irã em prol da estabilidade deste Estado multimilenar. Para salvar a República Islâmica, o aiatolá Ruhollah Khomeini foi obrigado a aceitar um cessar-fogo com o Iraque em 1988. Em 2015, Ali Khamenei assinou um acordo nuclear (Joint Comprehensive Plan of Action), referendado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. É relevante a decisão adotada em 15 de dezembro de 2024 de suspender a nova lei repressiva sobre o uso do véu e a castidade. O fato de que a decisão foi tomada pelo Conselho de Segurança Nacional, o principal órgão responsável pela segurança nacional e internacional, com o consentimento do líder supremo, diz muito sobre a fragilidade do regime e sua vontade de não provocar uma sociedade que poderia voltar a se rebelar em massa, como em 2022.
Essa abertura pode vir acompanhada de negociações sobre a questão nuclear, com o aval de Khamenei, lideradas pelo governo reformista de Pezeshkian e apoiadas por Mohammad Javad Zarif, artífice do acordo nuclear de 2015. Esse acordo resolveria a questão nuclear, que se tornou secundária, e poderia levar ao levantamento das sanções econômicas? Para Donald Trump e as empresas americanas, o Irã, com sua riqueza em hidrocarbonetos e seus 90 milhões de habitantes altamente qualificados, poderia se tornar um terreno econômico favorável e um meio para conter as ambições chinesas. Esse renascimento econômico é essencial para que o Irã se torne uma potência regional capaz de contribuir, junto com a Arábia Saudita, para a segurança da região e, talvez, para a solução da questão palestina. Trump declarou que não deseja uma mudança de regime nem um conflito armado.
Apesar das reticências das facções conservadoras iranianas e da hostilidade de muitos dos conselheiros do futuro presidente americano, que apoiam sem reservas as ambições de Israel, a República Islâmica, liberada de seus compromissos com seus proxies e retraída em seu próprio território, poderia aspirar a superar a crise atual. Por enquanto, em Teerã tudo parece imóvel. Khamenei mantém um frágil equilíbrio institucional entre opositores radicais exasperados por seus fracassos, conservadores oportunistas, reformistas pragmáticos e 90 milhões de iranianos que anseiam por uma mudança profunda, enquanto aguardam o novo mandato de Trump.