03 Dezembro 2024
"Talvez tenha chegado a hora de Assad. Talvez não se possa esquecer que, dias atrás, o primeiro-ministro israelense o advertiu de que estava brincando com fogo, e ele tentou uma reviravolta, proibindo, com um surpreendente decreto presidencial, a venda de imóveis aos iranianos", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 01-12-2024.
Talvez Assad esteja prestes a cair; para alguns, ele teria fugido para Moscou. Seus meios de comunicação não transmitem há horas, mas ele, com um lacônico comunicado noturno, declarou que derrotará os insurgentes. Nesta noite entre sábado, 30 de novembro, e o primeiro de dezembro, decide-se se a segunda república hereditária do mundo — mais longeva apenas que a da Coreia do Norte — está prestes a chegar ao fim.
Mas tudo ainda pode mudar, em parte devido às proverbiais divisões entre os adversários de Assad e porque não se sabe quem realmente poderia assumir o poder (embora, nesse caso, alguém certamente surgiria).
Certamente, não foram poucos os que, diante do mapa mutável do Oriente Médio, se iludiram ao pensar que o único canto imutável seria a Síria. Assim, líderes árabes à frente, apressaram-se a correr para reabraçar Bashar al-Assad como estadista — ele, o mandante de massacres cruéis, deportações em massa e usos criminosos de armas químicas contra seu próprio povo, conforme já atestado por diversas sentenças de tribunais europeus.
Agora, de repente, algo parece ter mudado. Não que tenha sido traído por seus antigos aliados — certamente não pelos iranianos —, mas pelos fatos, sim. E os fatos são muitos: o primeiro chama-se Erdogan. Uma coalizão de forças paramilitares e jihadistas, composta por terroristas leais ou aliados a ele, tomou o controle, primeiro, de 50 cidades e vilarejos no governadorado do norte da Síria; depois, de toda Alepo, a segunda maior cidade síria, de onde o exército de Assad fugiu precipitadamente sem disparar um único tiro.
Depois, tomaram também o aeroporto, ocupado anteriormente pelos curdos para se protegerem — um processo de negociação nada fácil. Em seguida, os insurgentes prosseguiram sua marcha até Homs, a terceira maior cidade da Síria, muito mais próxima de Damasco, usando armamentos sofisticados. Então, o sul também se insurgiu, sem conexão com Erdogan, mas lembrando da ferocidade de Assad contra seus filhos, muitos deles crianças. Os últimos rumores, até agora negados, falam da queda do regime. Quem sabe? Mas voltemos aos acontecimentos das horas anteriores.
Os grandes aliados de Assad, Rússia e Irã, confirmaram seu apoio com homens e recursos. Já se anunciava hoje em Damasco a visita do ministro das Relações Exteriores iraniano. No entanto, Assad já havia perdido um general da Guarda Revolucionária e uma base militar de certa importância, provando que terceirizar o país a potências estrangeiras não foi a melhor maneira de defendê-lo e conservá-lo.
A força que mantinha o norte da Síria fiel a Assad era o Hezbollah, que agora está ocupado com outros assuntos. Os bombardeios israelenses podem não ser algo positivo, mas foi Assad quem expôs seu país a essa devastação adicional pela ânsia de permanecer no poder contra seu próprio povo.
Mas vamos aos fatos: por que a ofensiva de Erdogan?
Há tempos, o líder turco vinha pedindo a Putin, e de forma aberta, uma "reaproximação" com o líder sírio, e Putin propôs a Assad uma cúpula a três. Estranhamente, Assad se recusou, chegando a dizer "não" ao seu maior apoiador.
Também é importante entender o que Erdogan pedia a Assad, primeiro por meio da mediação de Putin e agora através da intervenção militar de seus aliados. Erdogan controla um pedaço da Síria, por meio das milícias mencionadas, já superlotado com deslocados de Assad e insuficiente para abrigar os milhões de sírios que fugiram para a Turquia. Esses refugiados, verdadeiros perseguidos políticos, estão retidos na Turquia há anos, graças a financiamentos europeus.
Mas a Turquia enfrenta dificuldades, a economia não vai bem, e Erdogan, para não perder mais apoio popular, precisa se livrar dessa massa indesejada de homens e mulheres que ninguém quer, começando por Assad, que reservou aos sírios o pior de si, torturando e deportando mais da metade da população pré-guerra (2011) do país.
Assim, Assad não pôde aceitar esse encontro com Erdogan e resistiu a Putin, confiando no apoio militar iraniano. Ontem, Erdogan parecia ter se apresentado, por meio de seus aliados paramilitares e milicianos, para exigir que o líder sírio adotasse uma postura mais conciliadora. Na verdade, ontem de manhã, Erdogan pediu a suspensão dos combates; presumivelmente, teria solicitado negociações se fosse atendido.
Mas russos e sírios responderam com bombardeios. Erdogan queria que a faixa síria, fora do controle de Assad e sob sua influência, fosse ampliada, resolvendo assim seu problema: pretendia, em última análise, acomodar ali milhões de sírios que enviaria rapidamente. Era uma ideia que cresceu, pois passou a responder a outras necessidades surgidas nos últimos dias.
Erdogan sabe bem que, naquela região, passam interesses cruciais de outros atores: os iranianos, que controlam com Assad o corredor estratégico para enviar armas ao Líbano, especialmente após a perda, pelo Hezbollah, do controle do aeroporto de Beirute, há poucos dias; e os americanos e israelenses, que agora consideram vital que essas armas não passem pelo norte da Síria.
Assim, a disputa tornou-se muito importante, envolvendo o controle de um trecho da Síria decisivo para determinar quem chega aonde. Certamente, muitos agora questionam se confiar o futuro daquele território a Assad seria prudente. Para quase todos, exceto os iranianos, entender-se com o inquieto Erdogan poderia ser preferível, embora as milícias que ele utiliza sejam inaceitáveis. Mas Assad também o é.
Portanto, Erdogan pode ter imaginado que Putin e os americanos o ouviriam com atenção, pois Assad demonstrou que, sem as milícias do Hezbollah, parece incapaz de controlar tanto as cidades quanto os pequenos centros. E então, o que acontecerá?
Talvez tenha chegado a hora de Assad. Talvez não se possa esquecer que, dias atrás, o primeiro-ministro israelense o advertiu de que estava brincando com fogo, e ele tentou uma reviravolta, proibindo, com um surpreendente decreto presidencial, a venda de imóveis aos iranianos.
Mas talvez o mais importante, para Assad e os outros líderes árabes que correram para apoiá-lo após combatê-lo, seja lembrar-se de uma resolução da ONU — de muitas mortes atrás e ignorada por todos quando teria sido muito relevante em termos de perspectiva inovadora e de esperança. Ela exigia, anos atrás, uma fase de transição na Síria, com um verdadeiro governo de transição rumo a uma era de mudança.
Assad, os russos e os iranianos não deram atenção, certos de que tinham a vitória garantida. Muitos outros não acreditaram. Realistas, às vezes, parecem sonhadores ingênuos.
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O fim de Assad? Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU