09 Janeiro 2025
Ela teve que superar não poucos ressentimentos e objeções, mas no fim o Papa Francisco nomeou, pela primeira vez na história, uma mulher como prefeita de um dicastério vaticano. Trata-se da Irmã Simona Brambilla e dirigirá o departamento responsável pelos religiosos e religiosas em todo o mundo.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 07-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Até agora, sempre e somente homens dirigiam os dicastérios do Vaticano, os escritórios que até poucos anos atrás eram divididos em congregações e conselhos pontifícios. De acordo com as normas, o prefeito era um padre, cardeal ou arcebispo, apesar de a metade do “povo de Deus”, se não mais da metade, ser composta por mulheres. Desde o início, Francisco sinalizou a necessidade de incluir mais mulheres “nos lugares onde são tomadas decisões importantes” e, ao longo de seu pontificado, o percentual feminino aumentou tanto entre os funcionários quanto nos altos escalões do organograma da Cúria. No entanto, ainda não havia nenhuma mulher sentada na chefia de um dicastério. Não faltaram resistências, ainda mais quando, em 2022, Bergoglio aprovou, de forma um tanto inesperada, a nova constituição apostólica Praedicate Evangelium, que afirma que “qualquer fiel”, portanto também uma mulher e um leigo, “pode presidir um dicastério”. Para os conservadores, isso foi um choque muito grande e, desde então, têm se multiplicado as contestações nos sagrados salões.
Mas se já em 2018 o pontífice argentino nomeou o primeiro prefeito leigo, Paolo Ruffini, para liderar as comunicações do Vaticano, ontem, apesar dos ventos contrários, ele escolheu a irmã Brambilla. De certa forma, uma nomeação natural: o dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica é de fato responsável por uma população predominantemente feminina: de acordo com os últimos levantamentos oficiais, os religiosos do sexo masculino, sacerdotes e não, são 177.973 em todo o mundo, enquanto as freiras são mais que o triplo, 599.228.
Não faltou oposição, e isso é demonstrado pelo fato de que Francisco nomeou simultaneamente um pró-prefeito, o cardeal salesiano Angel Fernandez Artime. Embora existam outros pró-prefeitos na Cúria Romana, essa é uma função não comum, que parece responder ao problema canônico de que certos poderes de governo, ligados à administração dos sacramentos, são reservados, sem exceção, aos ministros ordenados. O cardeal espanhol não é um simples número dois, como seria um secretário, mas ainda assim estará subordinado ao prefeito - ou seria melhor dizer à prefeita.
Discreta, descontraída, sempre calçando sandálias durante a boa estação, a irmã Brambilla, nascida há quase 60 anos em Monza, é uma mulher tenaz que demonstrou ao longo dos anos uma capacidade de governança fora do comum. Sua primeira vocação foi diferente: ela se formou como enfermeira e trabalhou no hospital Mandic em Merate antes de responder à vocação para a vida religiosa e entrar no Instituto das Missionárias da Consolata em 1988. De 2011 a 2023, liderou sua ordem religiosa. Naquele ano, o Papa a nomeou secretária do Dicastério para os Religiosos do Vaticano: “Um chamado”, confidenciou ela naquela ocasião a Lucia Capuzzi, do Avvenire, “que revirou as perspectivas que eu havia imaginado”. Se o governo de seu instituto religioso, presente em todo o mundo, foi um campo de treinamento para o cargo que a espera - e para problemas como a queda nas vocações que afeta cada vez mais não apenas os padres, mas também as freiras -, há duas outras experiências que definem seu perfil.
A primeira é o período que passou em Moçambique como missionária entre o povo Macua e que, segundo ela, “me transformou profundamente, abrindo-me novos horizontes no plano humano, espiritual e missionário”. O segundo é a formação - licenciatura e doutorado - em psicologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, um centro acadêmico conhecido por seu empenho com a prevenção e o combate aos abusos, que não são raridade na vida religiosa. Quanto ao empoderamento feminino, “eu realmente acredito”, disse a irmã Brambilla, “que a paz, para germinar, crescer e amadurecer no coração de cada pessoa, entre nós, entre os povos, no mundo, na criação, precisa da fertilidade de um terreno primordial: o relacionamento saudável, bom, confiante, respeitoso, reverente, terno e vital entre homem e mulher”.
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A revolução de Francisco: a primeira mulher ministra no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU