12 Setembro 2024
"Toda mulher tem sua lista pessoal de frustrações vivenciadas no âmbito eclesial. A falta de reconhecimento da emancipação alcançada, embora com todas as suas limitações, no âmbito civil, a crescente divergência entre a moral sexual e os comportamentos individuais, a exclusão, de fato, das posições de responsabilidade e, de direito, dos ministérios ordenados", escreve Lucia Capuzzi, jornalista italiana, em artigo publicado por Donne Chiesa Mondo, 09-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Não fui eu que deixei a Igreja. Foi ela que me deixou. Aliás, ela nunca me acolheu de verdade. Mas levei algum tempo para entender isso. Então, de repente, tudo ficou claro. Lembro-me do momento exato: eu estava assistindo ao funeral de João Paulo II na TV. Eram imagens comoventes. Algo, porém, me perturbava. Então, de repente, a revelação: eram todos homens. Onde estão as mulheres?”, perguntei a mim mesma. E continuo me perguntando. Não foi fácil deixar de me considerar católica. No início me senti culpada, era como se estivesse traindo minha família. Às vezes, ainda sinto falta da comunidade. Mas não posso voltar atrás. Minhas filhas, que têm uma visão mais distanciada, me ajudaram a ver as coisas com mais clareza. Por que eu deveria fazer parte de uma instituição que mantém as mulheres à margem e, além disso, justifica essa exclusão com razões doutrinárias e teológicas?”
Nas palavras de Marta, uma professora de quase 60 anos, ecoa a dor de muitas. A de Sabina, 46 anos, profissional autônoma: “Outro dia não aguentei mais e fui embora. As palavras da homilia eram tão pedantes, vazias, irritantes... O padre estava falando sobre Adão e Eva, mas ele realmente não sabia nada de Eva”. E de Lina, assistente social de 38 anos: “Eu queria batizar meu filho mais velho. Não sei bem por que, foi um impulso. Quando contei para o pároco, ele começou a me questionar. Na verdade, era eu quem queria lhe fazer perguntas sobre o Evangelho, Jesus e a fé. Eu havia assistido ao catecismo quando criança, e nada mais. Agora eu queria entender um pouco para me aproximar novamente... Ele não me deu tempo. Como eu era casada apenas pelo rito civil - ele esclareceu imediatamente - não poderia me dar a absolvição nem a Eucaristia. Eu não havia lhe pedido nada. Ele me listou uma série de regras que eu não entendia. Nunca mais voltei”. “Dirijo um grupo de pesquisa de medicina molecular - conta Alice, 50 anos -Toda vez que entrava na paróquia, sentia-me catapultada para 30 anos atrás. Lá eu era uma mãe, uma esposa, nada mais. Só me levavam em consideração para funções de cuidado. Parei de ir lá”.
Não são episódios isolados. As mulheres do século XXI têm pilhas de “cadernos de queixas” contra a Igreja.
Na maioria dos casos, porém, não se trata apenas de reivindicações hostis. Como sempre acontece, a voz do Espírito pode ser ouvida nas reclamações, argumenta o teólogo estadunidense Bradford Hinze, que leciona na Fordham University de Nova York. O crescente descontentamento das fiéis poderia, então, ser um sinal dos tempos. O fenômeno é generalizado, como apontam as ciências sociais. Na Itália, o último “Relatório jovens” do Instituto Toniolo revela um verdadeiro êxodo das mulheres da Igreja. Um fenômeno que começou quase na ponta dos pés a partir dos anos 1960 e emergiu com toda a força nas últimas décadas com a chamada geração Z (as nascidas entre 1996 e 2010). Já em 2014, o teólogo Armando Matteo, agora secretário do Dicastério para a Doutrina da Fé, chamava a atenção para a “fuga das mulheres de 40 anos”. O alerta, no entanto, não foi ouvido.
Atualmente, as jovens italianas com menos de 30 anos que se declaram católicas são 33%; há dez anos, elas eram quase o dobro (62%). Aquelas que se dizem ateias aumentaram de 12% para 29,8%. Valores semelhantes aos de seus pares masculinos. Até agora, no entanto, as fiéis haviam sido a “exceção” à crescente desconfiança em relação à pertenças e práticas religiosas. A situação mudou. Tanto na Itália quanto no resto da Europa.
Nos EUA, houve até mesmo uma ultrapassagem em termos ecumênicos: de acordo com a recente pesquisa do Centro de pesquisa sobre a vida americana, 54% das jovens deixaram as várias denominações cristãs, em comparação com 46% dos jovens. “Um acúmulo de experiências negativas” é o motivo da saída, para o diretor Daniel Cox e para a coordenadora do programa e pesquisadora Kelsey Eyre. Silencioso, em geral. “O som de uma mulher que abandona a Igreja é o som de uma só mão batendo palmas”, escrevia Geraldine Gorman, professora de enfermagem e ativista da não violência, que vivenciou isso pessoalmente, em uma carta aberta publicada no National Catholic Reporter há um ano.
Toda mulher tem sua lista pessoal de frustrações vivenciadas no âmbito eclesial. A falta de reconhecimento da emancipação alcançada, embora com todas as suas limitações, no âmbito civil, a crescente divergência entre a moral sexual e os comportamentos individuais, a exclusão, de fato, das posições de responsabilidade e, de direito, dos ministérios ordenados. “O simbolismo feminino construído pela Igreja é algo em que as mulheres concretas desta época não podem mais se reconhecer”, afirma a teóloga italiana Selene Zorzi. “Não apenas todas as posições centrais são confiadas aos homens: a celebração da Eucaristia, a oração, a liderança comunitária, como as católicas experimentam diariamente. Até mesmo a linguagem é masculina. Além disso, aos olhos da Igreja, a mulher é essencialmente mãe e esposa e apenas secundariamente trabalhadora. Aquelas que não têm uma família heterossexual ou filhos ou que são solteiras não se sentem reconhecidas”, enfatiza Gunda Werner, professora de Dogmática na Universidade de Bochum, Alemanha, e porta-voz do Fórum das mulheres teólogas católicas.
O tema perpassa com força todo o Norte Global. Mas também está começando a se tornar evidente em outros lugares. Um indício é, na América Latina, o declínio de catequistas nos últimos anos. Se os bispos do continente, durante a Conferência de Aparecida em 2007, falavam de ausência dos homens nas comunidades eclesiais, a diminuição revela um afastamento das mulheres, especialmente das jovens. Sua decepção se expressa, mais que por uma “fuga”, por uma limitação de tempo e espaços de vida dedicados à Igreja.
Algo semelhante acontece na África e na Ásia.
O descontentamento feminino, em suma, é um fenômeno global, a julgar pela transversalidade geográfica com que o grito das mulheres emergiu dos relatórios continentais apresentados ao sínodo universal. O processo de escuta e discernimento iniciado por este último finalmente trouxe a questão para o primeiro plano. Um dos frutos foi a presença inédita de 54 “madres sinodais” com direito a voto na primeira sessão de outubro de 2023. “O Sínodo fez com que o mal-estar feminino fosse claramente percebido. No entanto, ainda não está sendo compreendido em suas causas profundas. As palavras das mulheres são ouvidas, mas pouco as verdades que essas palavras contêm. Pelo menos quando elas implicam uma transformação no interlocutor”, enfatiza a teóloga argentina Carolina Bacher, pesquisadora da Universidade Católica Silva Henriquez de Santiago do Chile e especialista em sinodalidade.
“A primeira Assembleia, em todo caso, expressou com grande lucidez e senso de responsabilidade, também graças às mulheres presentes, o desejo de uma mudança. Nesse sentido, o Sínodo colocou em movimento novamente o processo de mudança de paradigma iniciado pelo Vaticano II, aquela ‘revolução evangélica’ da qual é o coração pulsante uma nova relação entre homens e mulheres, em Jesus, distante dos padrões patriarcais de então e de agora”, afirma Dom Piero Coda, Secretário Geral da Comissão Teológica Internacional. O Relatório de Síntese pede “um reconhecimento real e uma valorização específica da presença e da contribuição das mulheres e uma promoção das suas responsabilidades pastorais na vida e na missão da Igreja”.
Os documentos que chegaram para a segunda sessão enfatizam essas urgências. “Em particular, pedem uma maior participação das mulheres nos processos de tomada de decisão e a valorização de seu papel a partir do que já é possível, tanto no ensino quanto na atribuição de cargos dentro das dioceses e nos processos canônicos”, explica o padre Giacomo Costa, secretário especial do Sínodo sobre a sinodalidade.
A indicação é clara e, portanto, não é necessário nenhum outro trabalho de assembleia. Em vez disso, trata-se de uma questão de entender como lhe dar continuidade. Por isso, sem esperar as conclusões da próxima assembleia sinodal, o Papa Francisco a confiou a um dos dez grupos de trabalho criados ad hoc - e compostos de forma sinodal por especialistas - para aprofundá-la. A participação das mulheres batizadas na vida eclesial, em particular, será tratada pela quinta comissão, chamada a examinar “algumas questões teológicas e canônicas em torno de formas específicas de ministerialidade”. As conclusões chegarão “preferencialmente até junho de 2025”, mas já no Sínodo será apresentado um relatório de progresso da análise. “Na verdade, a questão feminina é transversal, atinge todos os grupos, desde a formação até o debate sobre questões éticas controversas. A escolha de confiá-la a estes últimos não deve ser lida como uma forma de subtrai-la do debate da Assembleia que se concentrará na sinodalidade da Igreja, longe disso. Significa, pelo contrário, que o tema emergiu claramente. Não há necessidade de mais discussões, mas sim de aprofundamentos pontuais em vista do cumprimento dos passos necessários”, enfatiza dom Coda.
O momento é delicado: às expectativas de muitas pessoas se somam os temores dos que temem o risco de uma deriva de imobilidade pretensiosa de um percurso objetivamente complexo. Preocupações exacerbadas após o aparente fechamento ao diaconato feminino, que expressamente se enquadra no objeto do quinto grupo de trabalho, de parte do Pontífice na entrevista de maio passado à CBS.
“Estamos no meio de um caminho. É fundamental, portanto, que nenhuma das partes interrompa o diálogo. O diálogo não termina até que ambas as partes estejam satisfeitas”, enfatiza Carolina Bacher. “Qualquer pronunciamento deve ser enquadrado no horizonte de uma conversa aberta, na qual se prossegue com decisões que expressam o acordo alcançado até aquele momento. Seria oportuno criar estruturas nas quais o conflito possa continuar a ser discutido, as tensões trazidas à tona, sem medo. A Igreja já enfrentou debates acalorados em outras ocasiões ao longo da história. É a Tradição que nos oferece indicações valiosas sobre como proceder. O paradigma continua sendo aquele relatado nos Atos sobre o Concílio de Jerusalém, quando foi decidido que os cristãos de outras tradições não eram obrigados a seguir as regras do judaísmo. O princípio invocado por Pedro na época foi de ‘não impor mais pesos do que os necessários’. Isso era válido naquela época e é válido agora. Essa ‘opção pelos mínimos’ é um critério de discernimento sinodal que discerne o que o Espírito quer dizer à Igreja de hoje”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O êxodo silencioso das mulheres. Artigo de Lucia Capuzzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU