11 Dezembro 2024
Periferias e fronteiras como lugares símbolo para a experiência cristã, onde se deixar interpelar por pessoas em busca de um caminho de crescimento na fé. Essa é a questão abordada no dia de estudos proposto pela Faculdade em 10 de dezembro. Entrevista com Antonio Bertazzo, vice-diretor do ciclo de licenciatura e responsável pela área de teologia espiritual.
A reportagem é de Paola Zampieri, publicada por Settimana News, 09-12-2024.
Nos últimos anos, ouvimos falar muito de fronteiras em relação a milhares de homens e mulheres que, por necessidade e condições sociais e econômicas, geralmente por sobrevivência, tentam cruzar a fronteira de uma nação ou de um lugar aparentemente inacessível, ou tornado tal pelas autoridades que buscam defender o país contra o estrangeiro. Trata-se de imagens fortes, quase apocalípticas.
Esse é o tema central do dia de estudos Espiritualidade das fronteiras. Acompanhando pessoas LGBT+, promovido pelo ciclo de licenciatura da Faculdade Teológica do Triveneto, programado para ocorrer em Pádua, na terça-feira, 10-12-2024, às 14h15min.
A proposta insere-se no âmbito do seminário-laboratório de teologia espiritual A espiritualidade hoje, conduzido pelos docentes Marzia Ceschia e Daniele La Pera.
Antonio Bertazzo, vice-diretor da licenciatura, explica o enfoque da proposta: “O encontro abordará o tema das periferias e das fronteiras como lugares símbolo para a experiência espiritual cristã: cada periferia torna-se o centro a partir do qual se vê e conhece toda a realidade. A escolha de focar no acompanhamento de pessoas LGBT+ provém da experiência concreta de alguns dos palestrantes, que se deixaram interpelar e caminham junto com pessoas que compartilham um histórico de vida e buscam um percurso de crescimento na fé cristã e na busca espiritual”.
Para introduzir a questão do ponto de vista cultural-eclesial, estará presente Giampaolo Dianin, bispo de Chioggia e teólogo; seguirão as intervenções do jesuíta Pino Piva, que abordará o tema da espiritualidade das fronteiras, e de Stefano Belotti, licenciado em teologia, que aprofundará a antropologia da margem; Antonio Bertazzo será o moderador.
Professor Bertazzo, o que significa espiritualidade “das” fronteiras?
A fronteira é um termo que há muito tempo ocupa espaço nas informações difundidas socialmente. O fenômeno da imigração, em particular, recuperou uma memória que nos remete às divisões entre os Estados, às definições territoriais, às distinções de civilização que a ideia de globalização parecia ter deixado em segundo plano.
O termo fronteira, em sentido ideal, pode ser compreendido sobretudo “por quem habita a periferia”, ou seja, os lugares de afastamento, de exclusão implementada, mais ou menos intencionalmente, em níveis social, político, relacional…
Sem fazer grandes distinções, podemos dizer que todos esses são lugares distantes do “centro”, ou seja, daquilo que, na mentalidade corrente, ideologia e modelos culturais, parece ser o único critério de visão da realidade e do mundo.
Na reflexão eclesial, mas não apenas nela, tem-se falado novamente de fronteiras e periferias. Papa Francisco, na Evangelii Gaudium, convidou a sair “do centro” para “alcançar todas as periferias que necessitam da luz do Evangelho” (EG 1,1).
Das periferias, será possível compreender também o centro sob uma nova luz, ou seja, o baixo e o alto, o pequeno e o grande, o último e o primeiro, o fora e o dentro… É justamente das periferias, lugares de abandono urbano, rural, industrial, onde vivem os “sem-poder”, os excluídos, os pobres, que pode surgir uma visão nova do mundo em relação àquela baseada na perspectiva do chamado centro. Não se trata de um simples movimento ideológico, mas de uma visão cultural nova, “uma inversão do regime epistêmico dominante” que pressupõe a hegemonia de um centro sobre todo o resto.
A questão das periferias existenciais aparece como um movimento que parte de uma interioridade que se nutre de uma visão da realidade a partir do pequeno, do excluído, diria do humilde, ou seja, daquele que vê o todo – o céu, a humanidade – a partir da terra, do baixo.
É uma inversão da perspectiva comum…
Pode-se dizer que se forma uma visão de inversão dos modelos exteriores, que medem as quantidades de poder, posse, propriedade, para retornar a uma modalidade não egoísta, autocentrada, até mesmo desencarnada. No conjunto, podemos defini-la como uma visão espiritual do mundo, onde espiritual deve ser entendido como a busca da verdade das coisas, do mundo da existência, da pessoa humana, da própria história da humanidade.
…e é uma escolha evangélica corajosa, nos dias de hoje.
A opção pelas periferias é, ao mesmo tempo, uma escolha definida como “preferencial”, totalmente evangélica. São os lugares escolhidos por Jesus, como testemunham os evangelhos: as aldeias, os pobres, os marginalizados, os que não têm importância. Neles, ocorrem as relações que constroem a história do Mestre e de seus discípulos: o Reino está onde há acolhimento da novidade de Deus que encontra a humanidade.
Ao mesmo tempo, são os lugares da experiência do Outro. Jesus o anuncia e poderíamos reformulá-lo assim: “Pai, fizeste conhecer o mistério do teu Amor aos pequenos e aos pobres…”. Aqui está onde a experiência espiritual encontra sua motivação teológica: é viver hoje o exemplo de Jesus, deixando-se interpelar por Aquele que age no coração, na mente e na vontade de quem se deixa encontrar e escolhe responder em todo lugar, interior e exterior, na imitação do Mestre.
Quais são hoje as fronteiras existenciais e espirituais que mais nos interpelam?
Neste tempo de crise, de mudança de época, como se costuma definir a história da humanidade nos últimos anos, multiplicaram-se as periferias e as fronteiras, habitadas por pessoas cada vez mais excluídas de um sistema cada vez mais hegemônico – um centro que se torna cada vez mais restrito. Basta pensar na concentração de propriedade e riqueza material e econômica nas mãos de poucas pessoas, multinacionais e sistemas financeiros cada vez menos transparentes.
O centro está se tornando cada vez menor, enquanto a periferia se expande, quase como um abismo. O sistema está produzindo pobreza, não apenas no que diz respeito aos bens de primeira necessidade para a sobrevivência, mas também no que se refere ao tesouro da confiança nesta existência.
Nesse sistema, algumas categorias são mais impactadas do que outras.
Refiro-me às vítimas de todas as guerras, aos que permanecem “lutando para sobreviver” após a destruição em nome de razões nem sempre compartilhadas. Mas também àqueles que vivem o desconforto da falta de sentido, às minorias por razões religiosas, étnicas ou de orientação de gênero.
Emergem novas categorias de pequenos, últimos, crianças, pobres e oprimidos. São as categorias de sempre, mas que hoje aparecem novamente para definir uma nova cultura que questiona a relação com o outro e com o Outro. Mais uma vez, o exterior interroga o interior para caminhar rumo a uma verdade sobre nós mesmos.
Por que o dia de estudos escolheu abordar o acompanhamento de pessoas LGBT+?
A escolha provém da experiência concreta de alguns dos palestrantes que responderam à nossa intenção de tratar o tema da fronteira.
Esclarecemos que a intenção não é criar uma oportunidade para “observar de fora” e definir uma categoria cultural. O risco, muitas vezes, é justamente explorar um fenômeno que está no centro de debates sociais, culturais e políticos, para reduzi-lo a uma definição, uma classe, um caso a ser estigmatizado.
Para nós, a escolha surge precisamente da experiência simples de quem se deixou interpelar e caminha junto com pessoas que compartilham vivências pessoais e buscam um percurso de crescimento na fé cristã e na busca espiritual.
O que vocês esperam trazer à tona?
Com a ajuda desses palestrantes, que têm experiência no acompanhamento espiritual de pessoas LGBT+, esperamos ouvir sobre os verdadeiros caminhos de inclusão de pessoas que, devido à sua história pessoal e percepção identitária, não desejam sentir-se excluídas do caminho de busca da fé cristã.
Quais são as dificuldades encontradas ao se aventurar nesse campo?
O campo em questão pode ser relacionado ao contexto do debate sobre gênero. Ao tratar desse tema, corre-se o risco de permanecer na categorização de pessoas. É um tema muito amplo e complexo, presente como debate cultural, mas frequentemente reduzido a uma polêmica de cunho ideológico. Não se trata, de fato, de simplesmente estabelecer a identidade com base em orientação sexual, que tradicionalmente define o ser humano como homem e mulher, em uma forma que podemos chamar de binária.
Tratar o tema de gênero significa integrar diferentes variáveis: homem e mulher, masculino e feminino, relações e interações não apenas interpessoais, mas também com o mundo e a realidade em si.
Por essa razão, a compreensão de gênero abrange categorias diversas: a física-biológica, a dimensão psíquica – que indica a percepção de si, em concordância ou não com o sexo biológico – e a dimensão cultural, marcada por modelos que tendem a categorizar as definições de homem e mulher.
O tema é complexo e, nos estudos de gênero, ainda não há um pensamento único, mas uma constelação de abordagens sérias, e às vezes excêntricas.
Há abertura no âmbito eclesial para o debate sobre o tema do gênero?
No âmbito eclesial, o debate está muito aberto e é coerente com uma visão antropológica bem definida.
Referindo-se ao documento da Congregação para a Educação Católica de 2019 – Homem e mulher os criou –, a questão foi sintetizada da seguinte forma: “não à ideologia, sim à pesquisa; não à discriminação, sim ao acompanhamento; não à ‘antropologia do neutro’, sim à ‘antropologia das diferenças’”. É uma questão ainda em aberto.
Um exemplo desse estado de discussão é o documento da Congregação para a Doutrina da Fé, o Responsum sobre a bênção das uniões de pessoas do mesmo sexo, amplamente debatido e não acolhido de forma uniforme pelas comunidades cristãs ao redor do mundo. Também o papa Francisco, que pede estudos sobre a ideologia de gênero, a considera um dos perigos mais sérios de hoje (1-2 de março de 2024, no congresso Homem-mulher imagem de Deus. Para uma antropologia das vocações, organizado pelo Centre de Recherche et d’Anthropologie des Vocations).
Quais são os recursos que podem ser implementados nesse campo?
É uma questão sem solução fácil a curto prazo. No entanto, nota-se um movimento positivo de acolhimento e acompanhamento de pessoas LGBT+, refletido na solicitação expressa na síntese nacional da fase diocesana (2021-23) em preparação ao Sínodo. Cada diocese, pelo menos na Itália, tem buscado se envolver promovendo momentos e atividades de encontro e escuta, definindo-as como uma pastoral de inclusão. São dinâmicas novas, embora não amplamente conhecidas.
Que riquezas podem surgir no intercâmbio e no diálogo?
Acredito que a maior riqueza seja mostrar o rosto de uma Igreja acolhedora.
O princípio do cuidado está se tornando a única ferramenta que temos para cultivar boas relações. É fundamental que todos sejamos olhados com o olhar de misericórdia de Deus, que é Pai e Mãe, e que convida a todos a redescobri-Lo como o Deus da vida que cuida de todas as suas criaturas.
A postura de erguer muros para definir o puro e o impuro nunca foi a do Senhor Jesus. Isso abre espaço para o diálogo com diferentes situações e contextos. Na fronteira, é certo que o Mestre já precedeu a todos.