21 Setembro 2013
O Papa Francisco soube captar nas interrogações que lhe foram postas por Eugenio Scalfari uma sede autêntica e uma vontade sincera de confronto e soube iniciar a resposta com franqueza e empatia. A esperança é de que cada um de nós possa retomar e prosseguir esse diálogo.
A reflexão é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 16-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No diálogo entre aqueles que buscam ser coerentes com a própria fé e aqueles que se esforçam para sê-lo com as próprias convicções, o belo e também o difícil vêm agora. Depois da carta aberta do Papa Francisco a Eugenio Scalfari, parece predominar a impressão da novidade, da reviravolta, do inédito que ganha forma. Mas vale a pena deter-se sobre as confirmações e os aprofundamentos, sobre as perspectivas e as interrogações ainda em aberto.
Acima de tudo, para aqueles que se interrogassem sobre o porquê do diálogo entre cristãos e pessoas laicas, é preciso responder que o diálogo é o caminho humano, compartilhado portanto por todos, "crentes" e "não crentes", para construir juntos um sentido; é o método (meth-odos) que se torna sínodo (syn-odos), caminho feito juntos. E para buscar juntos a verdade.
Essa atitude, que para os cristãos deriva do fato de crer que todo ser humano, como tal, é imagem e semelhança de Deus, dá forma histórica à mansidão, cria relações inspiradas na mansidão que, para Paulo VI, "é característica própria do diálogo" (Ecclesiam suam).
O diálogo é espaço substitutivo da violência, elaborado mediante aquela faculdade unicamente humana que é a palavra e do qual, a partir de Sócrates, certamente não faltam exemplos na tradição cultural ocidental, também fora do cristianismo. O diálogo, portanto, deve ser praticado como caminho de construção de um mundo que crê na força da palavra e se recusa a confiar na palavra da força.
Além disso, a linguagem expressa uma dificuldade fundamental: distinguir entre "crentes" e "não crentes" deixa muitos insatisfeitos, seja porque uma das duas categorias é definida só no negativo com relação à outra, seja porque aqueles que não creem em Deus muitas vezes acredita, mesmo assim, no caminho de humanização e em alguns princípios coerentes com ela.
Além disso, é próprio dos cristãos repetir ainda hoje as palavras registradas nos Evangelhos do pai de um menino doente que assim se volta a Jesus: "Eu creio, ajuda a minha incredulidade" (Marcos 9, 24). Fé e incredulidade também habitam o crente que, a cada dia, deve renovar a sua fé, dissipar – o quanto conseguir – as dúvidas, confiar-se ao Senhor quando as trevas parecerem dominar.
Depois, é preciso entender por que o gesto e as palavras do Papa Francisco parecem ser uma novidade no nosso contexto cultural específico: é um papa não italiano e não europeu, que se dirige a um intelectual italiano. Ora, na Itália, já tínhamos assistido, ao menos a partir do Concílio Vaticano II, a tentativas até aprofundadas de diálogo, mas nunca com o próprio papa como interlocutor principal.
Da mesma forma, isso tinha acontecido e acontece com regularidade e força ainda maior em outros países, especialmente fora da Europa. Bastaria pensar, apenas para citar um exemplo ligado ao fato de o papa ser jesuíta, que, entre os seus coirmãos religiosos, nada menos do que 5.000 são indianos, nascidos e criados também teologicamente em um contexto em que o diálogo inter-religioso e cultural é há muito tempo desafio e oportunidade cotidiana.
A carta do Papa Francisco teve, sim, ressonância mundial, mas os mais envolvidos – e também os mais surpresos – pela novidade continuamos sendo nós, italianos. Um bispo de Roma, que tem poder e autoridade sobre o orbe católico inteiro, dialoga diretamente com o fundador e editor de um jornal laica que tem sua sede em Roma.
Que a Igreja Católica queria, mesmo na sua instância suprema, que é o concílio ecumênico, abrir-se ao diálogo com o mundo contemporâneo, nós o sabemos desde o Vaticano II e da sua constituição Guadium et spes, isto é, há quase 50 anos. Assim como a definição da Igreja como "especialista em humanidade" que quer dialogar e ser solidária com a humanidade remonta a Paulo VI e ao seu discurso diante da Assembleia Geral da ONU, no dia 4 de outubro de 1965.
Desde então, multiplicaram-se também os órgãos oficiais responsáveis pelo diálogo, não só com os cristãos não católicos e com as outras religiões, mas também com o mundo da cultura e dos "não crentes". Mas uma coisa são as comissões, os encontros oficiais entre especialistas, os documentos elaborados juntos, outra coisa são os debates nos espaços públicos, as "cátedras" criadas nas grandes cidades, os "átrios dos gentios" abertos aos pensadores de todas as escolas e, por último, a troca direta nas mídias entre o próprio papa e um renomado jornalista.
A maior novidade continua sendo que, justamente nesse nível de máxima divulgação – os meios de informação cotidiana –, passamos do debate acadêmico e do reiterado auspício da necessidade do diálogo, ao diálogo propriamente dito, à escuta das perguntas do outro e às respostas, ao fato de dar conta de quem ou do que anima o próprio sentir e o próprio agir. Por isso eu dizia que o difícil vem agora: porque já não basta mais dizer que se quer o diálogo; é preciso também implementá-lo, aceitando confrontar-se sobre temas com relação aos quais um ou outro dos interlocutores – e talvez ambos – pensam já ter se instalado em posições consolidadas.
"Fazer um pedaço de caminho juntos", então, significa para todos dar-se conta de não estar sozinho a caminhar, a considerar esse confronto como uma oportunidade e não um incômodo ou um impedimento para uma marcha mais rápida, uma riqueza potencial e não um sacrifício inevitável. Significa, para os cristãos, verificar também se a linguagem que usamos é adequada para sermos entendidos pelo nosso interlocutor, se as certezas nas quais nos fundamentamos também podem ter uma base humana e não só revelada e transcendente, se o que apresentamos como instância ética superior tem um valor antropológico também para aqueles que não compartilham a sua origem.
As interrogações sobre o início, a qualidade e o fim da vida, as modalidades da convivência civil, as exigências da liberdade religiosa, os contrapesos das instituições democráticas, os deveres e os limites das "intervenções humanitárias", o próprio conceito de democracia e de justiça, a discriminação decisiva entre o que é bom e o que é mau são todos âmbitos fundamentais que requerem uma deontologia do diálogo e, mais ainda, uma prática cotidiana concreta do próprio diálogo.
É esse o confronto que nos espera se quisermos realmente caminhar juntos: confronto do qual a acolhida reservada ao urgente apelo do Papa Francisco pela paz constitui uma etapa fundamental.
O Papa Francisco me parece ter sabido captar nas interrogações que lhe foram postas por Scalfari uma sede autêntica e uma vontade sincera de confronto e soube iniciar a resposta com franqueza e empatia: nenhuma reticência sobre o seu próprio caminho de cristão, de padre e de bispo, nenhuma distorção complacente do pensamento católico e da tradição cristã, mas sim a capacidade de usar palavras antigas com a eficácia de uma linguagem nova, por ser simples, um estilo evangélico que já é mensagem, uma cordialidade não afetada. E, principalmente, uma disponibilidade de abrir e de prosseguir a discussão, não de fechá-la.
Se fica claro que Jesus Cristo é, para o papa, o princípio e o cumprimento da sua fé, isso não esgota o confronto, mas o aprofunda, na plena consciência do que significa para um cristão o evento inédito de um Deus que se fez homem.
Para quem é cristão, há uma resposta a ser dada às palavras de Jesus: "E vós, quem dizeis que eu sou?" (Marcos 8, 29). E o cristão sabe que essa resposta só se pode dar na fé, isto é, se ocorrer a re-velação, se Deus levantar o véu e conceder "contemplar a humanidade de Jesus", como imagem do Pai. Então, é decisivo da parte de cada um ouvir essa pergunta, não ficar satisfeito e fechado em uma autorreferencialidade incapaz de busca e de escuta, e, portanto, obedecer à própria consciência.
O cristão sabe que cada ser humano é a imagem e semelhança de Deus, portanto capaz de ter em si o sentido do bem e do mal, capaz de acolher a luz e de combater as trevas. Jesus de Nazaré, para os cristãos, é o relato de Deus narrado na sua vida humana; para os outros, é um homem intrigante, um homem singular que soube, como diz Scalfari, " amar os outros mais do que a si mesmo".
Sim, para os cristãos, Jesus ressuscitou dentre os mortos, venceu a morte, e esse é o fundamento da sua fé; para os outros, resta uma pergunta: estamos interessados ou não que o amor vivido até o extremo pode vencer a morte?
A esperança é de que cada um de nós, nas simples realidades cotidianas em que nos encontramos, possa retomar e prosseguir esse diálogo: um confronto que não é reservado aos especialistas, porque diz respeito à vida. E cada um de nós é um especialista, um especialista da vida. Cada um de nós conhecer o seu valor e os seus limites, sabe o que é o viver, o conviver, o morrer para si e para aqueles que ama. Cada um de nós também sabe o que significa caminhar nos caminhos da vida e como caminhar juntos pode ajudar a dar passos que, dados em solidão, teríamos considerado impossíveis.