10 Dezembro 2024
“Os delegados das principais organizações sociais presentes na última cúpula do clima classificaram-na como um ‘fracasso’. A falta de acordo entre os países ricos e pobres e a dificuldade do setor privado para adotar as energias limpas, mais baratas que as fósseis, levam o mundo a um aumento descontrolado da temperatura média”. A reflexão é de Michael Roberts, em artigo publicado por Brecha, 05-12-2024. A tradução é do Cepat.
Os delegados das principais organizações sociais presentes na última cúpula do clima classificaram-na como um “fracasso”. A falta de acordo entre os países ricos e pobres e a dificuldade do setor privado para adotar as energias limpas, mais baratas que as fósseis, levam o mundo a um aumento descontrolado da temperatura média.
A COP29, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Baku, no Azerbaijão, rico em petróleo, teve um final tortuoso e doloroso. A principal questão era quanto dinheiro os países ricos estavam dispostos a dar aos países pobres para financiar as medidas destinadas a mitigar o aquecimento global e enfrentar os danos causados pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa. A meta de financiamento fixada era de mais de 1,3 trilhão de dólares por ano até 2035, mas o acordo final baseou-se em apenas 300 bilhões de dólares em subvenções reais e empréstimos a juros baixos do mundo desenvolvido. O resto teria de provir de investidores privados e talvez de impostos sobre combustíveis fósseis e viajantes frequentes, impostos cujos detalhes permanecem vagos.
Presume-se que a oferta dos países desenvolvidos, financiada pelos seus orçamentos nacionais e pela ajuda externa, constituirá o núcleo interno de um chamado acordo financeiro “em camadas”, acompanhado por uma camada intermediária de novas formas de financiamento, tais como novos impostos sobre combustíveis fósseis e as atividades com alto teor de carbono, o comércio de carbono e as formas inovadoras de financiamento, e uma camada externa de investimentos do setor privado em projetos como parques solares e eólicos. Esta foi uma forma de contornar a concessão de transferências reais de dinheiro.
Mohamed Adow, diretor do think tank Power Shift Africa, disse ao The Guardian: “Esta cúpula foi um desastre para o mundo em desenvolvimento. É uma traição às pessoas e ao planeta por parte dos países ricos que dizem levar a sério as mudanças climáticas. Os países ricos prometeram ‘mobilizar’ alguns fundos no futuro, em vez de proporcioná-los agora. O cheque já está a caminho, dizem-nos, mas é agora que vidas e meios de subsistência estão sendo perdidos em países vulneráveis”.
Juan Carlos Monterrey Gómez, enviado do Panamá para a questão do clima, disse ao mesmo jornal britânico: “Isso definitivamente não é suficiente. O que precisamos são de pelo menos 5 trilhões de dólares por ano, mas o que pedimos foi apenas 1,3 trilhão de dólares. É 1% do PIB mundial. Não deveria ser muito quando se fala em salvar o planeta em que todos vivemos”. O acordo final “não serve para nada quando é distribuído. Temos contas na casa dos milhões para pagar depois das estiagens e enchentes. Isso não nos colocará no caminho de [não exceder o limite médio de aumento da temperatura global de] 1,5 °C. Em vez disso, [isso nos colocará no caminho certo para atingir] os 3 °C”.
Mais de 60 mil pessoas inscreveram-se para participar da conferência, na qual os preços dos hotéis subiram 500%. Um quarto standard no Baku Holiday Inn custava US$ 890 por noite durante a conferência, em comparação com os habituais US$ 115 dólares. O Flightradar24, um sítio de rastreamento de voos, revelou que 65 aviões particulares pousaram em Baku na primeira semana, o dobro do número habitual.
No seu discurso na COP, Edi Rama, primeiro-ministro da Albânia, comentou: “Aqui a gente come, bebe, reúne-se e tira fotos juntos, enquanto as imagens de líderes sem voz passam repetidamente ao fundo”, disse. “Para mim, isto parece exatamente o que acontece no mundo real todos os dias. A vida continua, com os seus velhos hábitos, e os nossos discursos, cheios de palavras bonitas sobre a luta contra as mudanças climáticas, não mudam nada. O que significa para o futuro do mundo se os maiores poluidores continuarem como sempre?”, perguntou Rama. “Que diabos estamos fazendo nesta cúpula, repetidas vezes, se não há vontade política comum no horizonte para ir além das palavras e nos unirmos em torno de uma ação que realmente mude alguma coisa?”
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“A transição para deixar de queimar combustíveis fósseis”, prometida pelas nações do mundo há apenas um ano, sequer foi mencionada na COP29, e 2024 está no caminho certo para estabelecer outro novo recorde de emissões globais de carbono.
Os dados mais recentes indicam que as emissões provenientes do carvão, petróleo e gás, que aquecem o planeta, aumentarão 0,8% em 2024. No entanto, as emissões teriam de cair 43% até 2030 para que o mundo tenha alguma possibilidade de enfrentar o aumento da temperatura de 1,5 °C, meta estabelecida pelo acordo da COP de Paris. Na verdade, esse objetivo já não existe e o planeta caminha rapidamente para um aumento de temperatura de 2 °C (ou mais) em comparação com a era pré-industrial.
Na realidade, as políticas atuais colocam o aumento da temperatura no caminho certo para um aumento de 2,7 °C. Foi assim que o The Guardian resumiu a situação em meados de novembro: “O nível esperado de aquecimento global até o final do século não mudou desde 2021, com ‘progressos mínimos’ registrados este ano, de acordo com o projeto Climate Action Tracker. A estimativa do consórcio não mudou desde a cúpula climática COP26 em Glasgow, há três anos. ‘É evidente que não conseguimos dobrar a curva’, disse Sofia Gonzales-Zuñiga da Climate Analytics. O nível esperado de aquecimento é ligeiramente inferior quando se incluem as promessas e metas do governo, 2,1 °C, mas isso também não mudou desde 2021. O aquecimento no cenário mais otimista aumentou ligeiramente de 1,8 °C no ano passado para 1,9 °C este ano, apontou o relatório”. No X, Mark Maslin, professor de Ciências do Sistema Terrestre na University College de Londres, escreveu no mês passado: “Estamos causando o aquecimento global 100 vezes mais rápido do que as mudanças naturais passadas. Estamos elevando o clima da Terra para além dos limites naturais, com níveis de CO2 e temperaturas nunca vistos em 3 milhões de anos”.
As mudanças nas temperaturas médias globais que parecem insignificantes podem causar enorme sofrimento humano. Em outubro, um estudo concluiu que metade das 68.000 mortes causadas pelo calor na Europa em 2022 foram resultado do aquecimento global de 1,3 °C que o mundo tem experimentado até agora. Com as temperaturas mais elevadas projetadas para o final do século, o risco de extremos irreversíveis e catastróficos também aumentará. Os pesquisadores alertaram que a sua estimativa de aquecimento médio de 2,7 °C até 2100 tinha uma margem de erro suficientemente ampla para se traduzir em temperaturas muito mais elevadas do que os cientistas esperavam. “Há 33% de chance de que nossa projeção seja de 3 °C ou mais, e 10% de chance de que seja de 3,6 °C ou mais”, disse Gonzales-Zuñiga. Este último cenário seria “absolutamente catastrófico”, acrescentou.
E não se trata apenas de emissões de carbono. A indústria dos combustíveis fósseis emite quantidades perigosas de metano, o mais nocivo dos gases de efeito estufa. Embora possa não permanecer na atmosfera tanto tempo como o dióxido de carbono, ao longo de um período de 20 anos o metano é 80 vezes mais poderoso na retenção de calor. Estima-se que tenha sido responsável por 30% do aquecimento global desde a revolução industrial.
De acordo com um estudo publicado em setembro na revista Earth System Science Data, as emissões de metano estão aumentando a um ritmo recorde. Nas últimas duas décadas, aumentaram cerca de 20%. As concentrações atmosféricas deste gás são agora mais de 2,6 vezes superiores às da era pré-industrial, as mais elevadas em pelo menos 800 mil anos. O metano entra no meio ambiente de diversas maneiras: é liberado na atmosfera já nos campos de petróleo e gás por razões de segurança ou em situações de emergência, ou é “queimado” em canos ou chaminés, cuja queima o converte principalmente em fumaça e dióxido de carbono (se a queima for ineficiente, também será emitido metano puro).
A poluição do ar por combustíveis fósseis já é responsável por uma em cada cinco mortes em todo o mundo, aproximadamente a população da cidade de Nova York. Nos Estados Unidos, 350 mil mortes prematuras são atribuídas à poluição por combustíveis fósseis. A exposição a partículas de combustíveis fósseis foi responsável por 21,5% do total de mortes em 2012, e diminuiu para 18% em 2018 devido ao endurecimento das medidas de qualidade do ar na China. Em contrapartida, na Índia, a poluição por combustíveis fósseis foi responsável pela morte de quase 2,5 milhões de pessoas com mais de 14 anos em 2018, o que representa mais de 30% do total de mortes na Índia entre pessoas nessa faixa etária. Milhares de crianças menores de 5 anos morrem todos os anos devido a infecções respiratórias atribuídas à poluição por combustíveis fósseis.
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Na COP29, os países fecharam um acordo sobre as regras para um mercado global de compra e venda de créditos de carbono que, segundo os seus promotores, mobilizará milhares de milhões de dólares em novos projetos para ajudar a combater o aquecimento global. No entanto, provou-se que os créditos de carbono são falsos, como indicou um estudo recente da Universidade de Berkeley divulgado pelo Times e Bloomberg. No ano passado, uma investigação da Bloomberg descobriu que quase 40% das compensações adquiridas em 2021 vieram de projetos de energias renováveis que, na verdade, não evitavam emissões.
Esta perspectiva é irremediavelmente inadequada e inviável. Os planos mundiais de energia limpa (e são apenas planos) ainda estão quase um terço aquém do necessário para cumprir os limites propostos. E para atingir o nível de investimento necessário, o financiamento climático terá de aumentar para cerca de 9 trilhões de dólares por ano a nível mundial até 2030, contra pouco menos de 1,3 trilhão de dólares em 2021-22, de acordo com a Iniciativa de Política Climática. A meta de 1,3 trilhão de dólares estabelecida no período que antecedeu a COP29 (e que nem sequer foi cumprida) está muito distante.
Na COP29, a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, disse que “98% do financiamento para a adaptação provém de fontes públicas. Isto não é sustentável. Precisamos dar liberdade ao setor privado tanto na adaptação como na mitigação. É possível!” E a diretora-geral do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, acrescentou: “Precisamos urgentemente desbloquear todas as fontes possíveis de capital, rapidamente e em grande escala”. Mas o financiamento climático privado é patético: apenas 21,9 bilhões de dólares em 2022, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. E grande parte do financiamento público até agora foi retirado dos orçamentos de ajuda externa existentes. Apenas entre 21 bilhões e 24,5 bilhões de dólares do total de 83 bilhões de dólares em financiamento público permanecem como puro financiamento climático sem condições, de acordo com a Oxfam no seu Relatório Sombra sobre o Financiamento do Clima 2023.
Porque a meta climática não está sendo alcançada? Por que não é obtido o financiamento necessário? Não, é o preço de custo das energias renováveis. Os preços das energias renováveis caíram drasticamente nos últimos anos. O problema é que os governos insistem que o investimento privado deve liderar o impulso para as energias renováveis. Mas o investimento privado só ocorre se for rentável investir.
O problema é a rentabilidade. A rentabilidade média mundial está em níveis baixos e, portanto, o crescimento do investimento em geral abrandou de forma similar. Ironicamente, os preços mais baixos das energias renováveis reduzem a rentabilidade desses investimentos. A fabricação de painéis solares está sofrendo uma séria redução nos lucros, assim como os operadores de parques solares. Isto revela a contradição fundamental do investimento capitalista entre a redução de custos mediante o aumento da produtividade e a desaceleração do investimento devido à queda da rentabilidade.
Esta é a mensagem principal de um excelente livro do geógrafo econômico Brett Christophers, professor do Instituto de Pesquisa sobre Habitação e Urbanismo da Universidade de Uppsala: The Price is Wrong – Why Capitalism Won't Save the Planet (O preço está errado: por que o capitalismo não salvará o planeta). Christophers argumenta que o obstáculo ao cumprimento das metas de investimento para limitar o aquecimento global não é o preço das energias renováveis em comparação com a energia proveniente dos combustíveis fósseis, mas a rentabilidade das energias renováveis em comparação com a produção de combustíveis fósseis.
As soluções de mercado não funcionarão porque não é lucrativo para as empresas capitalistas investir na mitigação das mudanças climáticas. Como afirmou o próprio FMI: “O investimento privado em capital produtivo e em infraestruturas enfrenta custos iniciais elevados e incertezas significativas que nem sempre podem ser avaliadas. Os investimentos para a transição para uma economia de baixo carbono estão expostos, além disso, a riscos políticos não desprezíveis, falta de liquidez e retornos incertos, dependendo das perspectivas políticas de mitigação, bem como de desenvolvimentos tecnológicos imprevisíveis”.
Na verdade, “é provável que a grande disparidade entre os retornos privados e sociais dos investimentos baixos em carbono persista no futuro, uma vez que os caminhos futuros para a tributação e a fixação de preços do carbono são altamente incertos, sobretudo por razões de política econômica. Isto significa que não só existe uma falta de mercado para a mitigação climática atual, uma vez que as emissões de carbono não são atualmente tarifadas, mas também há uma falta de mercados para a mitigação futura, o que é relevante para o retorno do investimento privado em tecnologia, infraestrutura e capital de mitigação climática futura”. Com outras palavras, não é rentável para as empresas fazerem algo significativo nesta frente.
Um planejamento global poderia direcionar os investimentos para as necessidades da sociedade, tais como energias renováveis, agricultura orgânica, transportes públicos, sistemas públicos de água, recuperação verde, saúde pública, escolas de qualidade e outras necessidades atualmente não satisfeitas. E poderia igualar o desenvolvimento em todo o mundo, desviando recursos da produção inútil e prejudicial do Norte para o desenvolvimento do Sul, construindo infraestruturas básicas, sistemas de saneamento, escolas públicas e cuidados de saúde. Ao mesmo tempo, um planejamento global poderia ter como meta proporcionar empregos equivalentes aos trabalhadores deslocados pela redução ou o fechamento de indústrias desnecessárias ou prejudiciais.
Planejamento, não fixação de preços. A COP29 não ofereceu nada parecido.