04 Agosto 2023
“Os bancos centrais estão levando conscientemente a economia à recessão e ao aumento do desemprego com o único objetivo de diminuir a inflação a um nível completamente arbitrário. Afastaram das suas preocupações o bem-estar da população e não consideram que se tenha que reduzir o desemprego crônico ou conseguir uma distribuição mais justa da riqueza. Nada do que importa à população preocupa os bancos centrais”. A reflexão é de Isidro Esnaola, em artigo publicado por Viento Sur, 31-07-2023. A tradução é do Cepat.
Antes de sair de férias, o Federal Reserve dos EUA e o Banco Central Europeu aumentaram suas taxas de juros em um quarto de ponto para deixá-las em 5,25%-5,5% e 4,25-4,5%, respectivamente. Eles justificaram o aumento assinalando que, embora a inflação tenha parado de crescer, ainda é muito alta. E a julgar pela decisão, não lhes parece suficiente manter os juros já altos; é preciso aumentá-los ainda mais.
O mais impressionante é que as declarações da presidenta do BCE, Christine Lagarde, e do presidente do Fed, Jerome Powell, deixaram claro que estão dispostos a ir tão longe quanto necessário para reduzir a inflação para 2%. A esse respeito, Powell foi mais claro, dizendo estar “esperançoso” de que a economia consiga uma “aterrissagem suave”, um cenário em que a inflação caia, o desemprego se mantenha relativamente baixo e a recessão seja evitada. Ter esperança não soa especialmente científico nem conota grandes cálculos; parece uma previsão baseada na fé.
Eles estão levando conscientemente a economia à recessão e ao aumento do desemprego com o único objetivo de diminuir a inflação a um nível completamente arbitrário. Afastaram das suas preocupações o bem-estar da população e não consideram que se tenha que reduzir o desemprego crônico ou conseguir uma distribuição mais justa da riqueza. Nada do que importa à população preocupa os bancos centrais.
De qualquer forma, há uma diferença substancial entre as economias dos Estados Unidos e da Europa. Na primeira, a atividade econômica tem sido maior do que o esperado e o desemprego segue baixo. Alguns analistas apontam que é porque as famílias ainda guardam parte das economias que fizeram durante o confinamento. O que costumam não apontar é que a guerra na Ucrânia é um forte estímulo para a enorme indústria militar estadunidense. Também não mencionam os grandes programas de ajuda governamental à produção de manufaturas estratégicas que também estimulam a atividade econômica.
Na Europa, no entanto, o BCE reconhece que as perspectivas econômicas de curto prazo se “deterioraram”, em grande parte devido à baixa demanda interna, abafada pela inflação elevada e pelas condições restritivas de financiamento, que freia a produção industrial. A única coisa que resiste são os serviços, sobretudo o turismo, onde estão sendo criados novos postos de trabalho que compensam a fragilidade da indústria. O que a nota do BCE não menciona são os elevados preços da energia que estão desindustrializando a Europa.
As altas taxas de juros do dólar e do euro estão aumentando exponencialmente os pagamentos da dívida externa dos países do Sul global. Custos que se somam aos altos preços dos alimentos e que deixaram um bom punhado de países à beira da falência. Diante das exigências de cortes do FMI e do Banco Mundial, alguns países encontraram alternativas de financiamento na China, como a Argentina, e outros no Golfo Pérsico, como o Egito e a Tunísia.
Nesse contexto de aperto do crédito internacional, não surpreende que os países do Sul global tenham voltado seu olhar para os Brics e seu projeto de moeda internacional. Embora os vazamentos pareçam sugerir a sua criação em agosto na cúpula que acontecerá na África do Sul, tudo indica que levará um pouco mais de tempo. De qualquer forma, a lista de países dispostos a fazer parte dos Brics continua crescendo, uma vez que essa alta das taxas de juros do dólar e do euro convida os devedores a buscarem alternativas que, por enquanto, estão se dando na forma de acordos bilaterais.
A inflação desgasta o capital: quanto mais os preços sobem, menos se pode comprar com o capital acumulado. As altas taxas de juros compensam essa depreciação, oferecendo aos credores retornos maiores pelo empréstimo de seu capital. Juros pagos pelas empresas e pelos trabalhadores endividados. Dessa forma, as altas taxas geram uma transferência de renda da economia produtiva para a economia financeira, para os rentistas, agravando ainda mais as desigualdades sociais.
O Société Générale demonstrou que os lucros das pequenas empresas superam os juros pagos em 2,5 vezes, mas entre as grandes empresas os lucros são 13 vezes maiores que os juros que pagam. As altas taxas de juros beneficiam obscenamente as empresas maiores.
As políticas regressivas dos bancos centrais agravam as desigualdades e a pobreza, sem que ninguém se atreva a pedir-lhes contas. Criamos monstros que acabarão por nos devorar.
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Bancos Centrais. Criamos monstros que acabarão por nos devorar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU