20 Dezembro 2017
O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira sustenta que sua teoria, o novo desenvolvimentismo, é capaz de tirar o Brasil da rota de baixo crescimento, dividindo os custos do ajuste entre assalariados e rentistas. Defende que o país, além de ter disciplina nas contas públicas, precisa de disciplina cambial, com o dólar em valor mais elevado do que hoje.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, é professor emérito da Fundação Getulio Vargas. Foi ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (governo FHC).
O artigo é publicado por Folha de S. Paulo, 18-12-2017.
Depois de três anos de dura recessão, a economia brasileira vai aos poucos saindo da crise. Isso não significa, porém, que retome o desenvolvimento e volte a seguir o rasto dos países ricos. É que ainda não se resolveram as causas fundamentais do baixo crescimento desde que, em 1994, a inflação foi controlada.
Essas causas — essencialmente a armadilha de juros altos e taxa de câmbio apreciada (real valorizado diante do dólar), que estimula o consumo em vez do investimento na indústria — foram por mim amplamente discutidas no livro "Macroeconomia da Estagnação" (Ed. 34, 2007), no qual procurei, ao mesmo tempo, fazer a primeira sistematização de uma teoria nova: o novo desenvolvimentismo.
O livro de 2007 não recebeu muita atenção quando foi publicado, porque sobreviera um boom de commodities e a economia brasileira estava bombando. Os anos seguintes, porém, se encarregaram de confirmar meu diagnóstico.
Continuei trabalhando na construção da teoria e sua aplicação ao Brasil. Publiquei mais dois livros: "Globalização e Competição" (2010) e "Macroeconomia Desenvolvimentista" (2016, ambos pela Elsevier), este último com Nelson Marconi e José Luiz Oreiro.
A macroeconomia novo-desenvolvimentista aos poucos ganhou corpo e fundamentação empírica. É uma teoria pós-keynesiana, pois afirma que o desenvolvimento econômico é puxado pela demanda, mas é uma teoria nova, pois afirma que não basta demanda sustentada para haver crescimento; é preciso acesso a essa demanda, algo que uma taxa de câmbio apreciada no longo prazo não garante.
É nova ainda porque, além de defender disciplina fiscal, mostra que a disciplina cambial também é essencial —que, para o país se desenvolver, deve ter equilíbrio ou superavit em conta corrente, não devendo, portanto, se endividar em moeda estrangeira.
Finalmente, é nova porque trabalha com os cinco preços macroeconômicos: a taxa de juros, a taxa de câmbio e a taxa de salários, que, bem administradas por uma política monetária, fiscal e cambial, garantem taxa de lucro satisfatória para as empresas investirem e taxa de inflação controlada.
Muita gente pensa que a taxa de câmbio só é importante para determinar importações e exportações, mas ela é fundamental para a inflação e, segundo o novo desenvolvimentismo, também determina investimento e poupança e, assim, o desenvolvimento econômico.
Uma taxa de câmbio apreciada no longo prazo torna a indústria do país não competitiva e desestimula seus investimentos, tornando-se um obstáculo ao crescimento. Além disso, o correspondente deficit em conta corrente acaba levando o país à crise de balanço de pagamentos. Não obstante, a grande maioria dos economistas não dá a importância devida aos deficit em conta corrente.
Uma teoria é boa se, além de verdadeira, for contraintuitiva. Repetir o senso comum não é fazer ciência. A macroeconomia novo-desenvolvimentista parte de um princípio contraintuitivo: países de renda média como o Brasil não precisam de capitais externos. Deficit em conta corrente, necessariamente financiados por recursos externos, dificultam o desenvolvimento econômico, em vez de promovê-lo.
O argumento a favor do endividamento externo é o de que deficit em conta corrente é poupança externa, e de que a poupança externa e a poupança interna são iguais à poupança total, que sempre é igual ao investimento.
Esse, porém, é um raciocínio de contador, baseado em identidades, não de economista, que pensa em termos de relações de causa e efeito. Quando o país entra em deficit em conta corrente, (1) sua taxa de câmbio se aprecia, (2) os rendimentos do trabalho (salários) e do capital (juros, aluguéis e dividendos) aumentam em termos reais, (3) os lucros dos empresários caem e, assim, (4) empresas são desestimuladas de investir, enquanto trabalhadores e rentistas são estimulados a consumir.
Dessa forma, a entrada no país dos recursos externos resulta na substituição da poupança interna pela externa, que geralmente é alta. Ela só não é alta nos raros momentos em que o país já está crescendo muito fortemente, as oportunidades de investimento aumentam e a propensão a investir se eleva. A última vez que isso aconteceu no Brasil foi no "milagre" de 1968-1973.
Como vemos no gráfico 1, há uma correspondência direta entre o saldo em conta corrente e a taxa de câmbio. Um deficit em conta corrente corresponde a uma taxa de câmbio mais apreciada do que a taxa de câmbio que equilibra a conta corrente do país.
Gráfico mostra cenários de evolução da taxa de câmbio no tempo (Foto: Folhapress)
Por exemplo, suponhamos um país parecido com o Brasil. Ele já se industrializou, mas cresce muito lentamente, tem taxas de investimento e de poupança baixas, um deficit público e um deficit em conta corrente elevados.
A taxa de câmbio que zera a conta corrente desse país é de R$ 3,30 por dólar, enquanto a taxa de câmbio que torna competitivas as empresas industriais competentes, de R$ 4 por dólar, corresponde a um superavit em conta corrente de 1% do PIB. Nesse mesmo país, um deficit em conta corrente de 4% do PIB corresponde a uma taxa de câmbio mais apreciada, de R$ 2,80 por dólar. Podemos ver aproximadamente essa correlação no gráfico 1.
Quando o governo decide tentar crescer com poupança externa e, portanto, incorrer em deficit em conta corrente, ele toma uma decisão autoderrotante, porque o aumento do deficit em conta corrente implica uma taxa de câmbio apreciada no longo prazo, que transforma empresas competitivas do ponto de vista tecnológico (usam a melhor tecnologia disponível) em empresas não competitivas do ponto de vista monetário.
Ao tomar essa decisão ou ao se acomodar com um deficit em conta corrente consumista, o governo está incorrendo em populismo cambial —o país está incorrendo em deficit em conta corrente que apenas atrasam seu desenvolvimento.
No nosso exemplo, a taxa de câmbio que equilibra ou zera a conta corrente (R$ 3,30 por dólar) é a taxa de câmbio "de equilíbrio corrente". Por que a taxa de câmbio competitiva ou "de equilíbrio industrial" é diferente, flutuando em torno de R$ 4 por dólar? Porque nesse país há a doença holandesa, que, nesse momento, é de R$ 0,70 por dólar (a diferença entre equilíbrio industrial e corrente).
A doença holandesa é uma sobreapreciação de longo prazo da taxa de câmbio de um país causada pela exportação de commodities que, devido a vantagens competitivas, podem ser vendidas com lucro a uma taxa de câmbio substancialmente mais apreciada do que aquela que torna competitivas as empresas industriais que utilizam tecnologia no estado da arte.
O gráfico 2, no qual a taxa de câmbio está no eixo vertical e o tempo no eixo horizontal, mostra em linhas quase paralelas o equilíbrio corrente e o equilíbrio industrial. Em um país exportador de commodities, a linha inferior, denominada de equilíbrio corrente porque corresponde ao equilíbrio da conta corrente do país, é determinado pelas commodities, porque esse preço (R$ 3,30 por dólar, no nosso exemplo) garante uma taxa de lucro satisfatória para seus produtores.
Neutralizar a doença holandesa é elevar o equilíbrio corrente até que se iguale ao industrial. Como o equilíbrio industrial é menos valorizado que o corrente, isso significa que, para neutralizar a doença holandesa e garantir competitividade para suas boas empresas, o país terá necessariamente um superavit em conta corrente.
Os dois equilíbrios variam no tempo. Basta aqui saber que o equilíbrio industrial varia principalmente com o aumento da produtividade e o aumento dos salários na indústria, ao passo que o equilíbrio corrente varia mais de acordo com o preço das commodities.
Antes de ser conhecida, ela já era neutralizada, intuitivamente, para efeito de mercado interno, pelo uso de altas tarifas aduaneiras na importação de bens manufaturados. Os governos as justificavam com o argumento da indústria infante, e os críticos acusavam os governos de protecionistas, mas, muitas vezes, sua causa não conhecida, mas intuída, era a necessidade de neutralizar a doença holandesa.
Um exemplo interessante é o dos Estados Unidos. O país teve doença holandesa derivada da exportação de petróleo e, por isso, manteve tarifas altas até 1939.
A partir de certo nível de desenvolvimento, o país deverá neutralizar a doença holandesa também em relação ao mercado externo, para que as boas empresas industriais possam também exportar. Para isso, os subsídios à exportação de manufaturados foram no passado a política mais usada. Foi o que o Brasil fez de 1967 a 1990, com grande sucesso: em 1965, as exportações de manufaturados representavam apenas 6% do total das exportações; em 1990, eram 62%.
Hoje os subsídios estão proibidos pela OMC (Organização Mundial do Comércio). A alternativa é criar um imposto sobre exportação de commodities variável com seu preço.
No nosso exemplo, o exportador de uma determinada commodity paga R$ 0,70 por dólar exportado. Em consequência da redução da oferta causada pelo imposto, a taxa de câmbio se deprecia, restabelecendo a oferta. Assim, diante do imposto, o mercado iguala automaticamente o equilíbrio corrente ao industrial.
Essa é uma forma muito interessante de neutralizar a doença holandesa, porque, afinal, os exportadores nada perdem; o que eles pagam lhes é inteiramente devolvido sob a forma de depreciação.
No gráfico 2, há uma terceira curva com um comportamento cíclico expresso em dois picos; é a curva da taxa de câmbio real.
Se o mercado funcionasse como os economistas liberais supõem, ela deveria flutuar docemente em torno do equilíbrio corrente. Sabemos, porém, que essa não é a realidade.
Segundo a macroeconomia novo-desenvolvimentista, nos países em desenvolvimento, sobretudo naqueles com doença holandesa, existe uma tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio, de maneira que a economia vai de crise em crise financeira, entremeadas por períodos longos de sobreapreciação cambial. Os picos correspondem a crises financeiras, nas quais a taxa de câmbio se deprecia fortemente.
No nosso exemplo, isso aconteceu em 2002 e 2014, quando a taxa de câmbio se tornou por um breve período mais alta do que o equilíbrio industrial. Depois, a taxa de câmbio volta a se apreciar, cruza o equilíbrio industrial, cruza o equilíbrio corrente, entra na área do deficit em conta corrente (a área entre a taxa de câmbio e o equilíbrio corrente) e afinal se estabiliza por alguns anos em um piso que, mesmo para as commodities, não é bom, mas é suficiente para manter as exportações.
São duas as causas que levam a taxa de câmbio a novamente se apreciar depois da crise: a doença holandesa e taxas de juros muito altas. Vimos que a doença holandesa "puxa" a taxa de câmbio só até o equilíbrio corrente. O que explica que ela continue a cair é a taxa de juros alta, que atrai capitais externos. Afinal, a taxa de câmbio atinge o referido piso, no qual permanece alguns anos, e o resultado é desindustrialização e quase-estagnação.
Enquanto a taxa de câmbio continua flutuando em torno do piso, os deficit em conta corrente, incorridos ano a ano, vão aumentando o endividamento em moeda estrangeira das empresas e, portanto, do país. Como o regime é de câmbio flutuante, os deficit deveriam causar a depreciação da moeda do país, mas isso não acontece porque se forma uma bolha de crédito.
Uma parte do deficit externo (mais do que a metade) é financiada por investimentos diretos, o que apenas prolonga o ciclo de sobreapreciação. Mas afinal os credores se dão conta de que correm o risco de uma quebra do país e suspendem a rolagem da dívida externa. Ou então as empresas industriais, altamente endividadas, ficam sem crédito e suspendem os investimentos e, assim, a crise financeira se instaura e encerra o ciclo cambial.
O papel econômico do Estado nas sociedades modernas é promover uma distribuição equilibrada da renda e garantir as condições gerais do investimento. Na segunda função, ele deve promover a educação, definir instituições que garantam o mercado, investir na infraestrutura, criar um sistema público e privado que financie o investimento, administrar e garantir a estabilidade da moeda nacional e garantir demanda efetiva.
O novo desenvolvimentismo acrescenta uma sétima condição: realizar uma política cambial que garanta às empresas o acesso à demanda; a taxa de câmbio é como um interruptor de luz que liga ou desliga as empresas do mercado externo e interno.
Essa sétima função é necessária porque a taxa de câmbio não é apenas volátil; ela tende a ser apreciada no longo prazo, sendo preciso uma política cambial que neutralize essa tendência.
Por exemplo, no último ciclo de câmbio no Brasil, a taxa de câmbio permaneceu valorizada por sete anos, de 2007 a 2014, período em que flutuou em torno de R$ 2,80 por dólar. Nesse caso, o empresário, ao fazer seus cálculos de investimento, considera essa taxa de câmbio, verifica que com ela não será competitivo, embora use a melhor tecnologia disponível, e não investe.
Como tornar e manter uma taxa de câmbio competitiva? Por meio de uma política cambial que neutralize a doença holandesa, de uma política monetária que mantenha baixa a taxa de juros e de uma política fiscal que ajude a manter a taxa de juros baixa.
A política cambial implica neutralizar a doença holandesa e manter a taxa de juros baixa; para que a taxa de juros seja baixa é preciso rejeitar a política de crescimento com endividamento externo, rejeitar a política de âncora cambial para controlar a inflação e controlar entradas de capitais.
Já vimos como neutralizar a doença holandesa e por que rejeitar as duas políticas referidas.
Quanto à política monetária para baixar o nível da taxa de juros, é preciso considerar por que ela tende a ser muito alta.
Primeiro, devido às duas políticas habituais equivocadas que devem ser rejeitadas. Já vimos que a política de atrair capitais externos é autoderrotante. Quanto ao uso de âncora cambial para atingir meta de inflação, é uma política absurda; bons economistas ficam indignados quando um governo segura o preço das empresas estatais (da Petrobras, por exemplo) para controlar a inflação; deveriam ficar igualmente indignados quando o banco central do país segura o "preço do país" —a taxa de câmbio.
Resta uma segunda causa para a taxa de juros ser alta —os interesses dos rentistas e dos financistas—, mas manter juros altos por essa razão é aceitar a captura do patrimônio público.
Quanto aos deficit, a política novo-desenvolvimentista não tem nada de original em relação à rejeição de deficit fiscais crônicos, mas é inovadora ao condenar taxativamente deficit em conta corrente.
A teoria, portanto, é simples. Explica que países em desenvolvimento crescem pouco porque enfrentam grande desvantagem competitiva: uma taxa de câmbio apreciada no longo prazo. Em consequência, não conseguem se industrializar, ou então já se industrializaram, mas depois foram convencidos pela ortodoxia liberal a desmontar os mecanismos que realizavam essa neutralização (altas tarifas de importação e subsídio à exportação de manufaturados) e se desindustrializaram, como é o caso do Brasil.
Dessa maneira, o novo desenvolvimentismo explica a desindustrialização e oferece as políticas para resolver o problema. Por que os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, não adotam as políticas necessárias?
Primeiro, porque os economistas já formados têm enorme dificuldade de aprender e internalizar coisas novas. A incorporação das novas ideias é muito lenta. São os jovens que se mostram mais interessados.
Segundo, porque, no curto prazo, há um custo para baixar juros e tornar a taxa de câmbio competitiva. A desvalorização necessária reduz o poder aquisitivo dos rendimentos dos trabalhadores e dos capitalistas rentistas. Por isso os economistas heterodoxos, que defendem os interesses de curto prazo dos assalariados, e os liberais, que representam os interesses rentistas e financistas, são contra a desvalorização.
Os rentistas com mais razões do que os trabalhadores. Para estes, a depreciação causará no curto prazo a diminuição do poder aquisitivo dos salários, mas eles logo serão recompensados com o aumento do emprego e, um pouco mais adiante, com o aumento da produtividade e o consequente aumento dos salários.
Para os rentistas, o quadro é diferente. A desvalorização reduz igualmente o poder aquisitivo dos juros, dividendos e aluguéis, diminui o valor de sua riqueza e implica uma baixa do nível da taxa de juros que definitivamente não lhes interessa.
Os economistas liberais não querem nem ouvir falar em câmbio competitivo e, pela educação que recebem nas universidades americanas e inglesas, onde a taxa de câmbio fica sempre em segundo plano, eles "se esquecem" da taxa de câmbio quando discutem os problemas econômicos do Brasil.
Diante do desajuste macroeconômico representado por deficit em conta corrente e deficit públicos elevados, a proposta dos economistas liberais é realizar apenas um ajuste fiscal, o qual, ao causar recessão e desemprego, diminuirá a taxa de juros e, sem que se altere a taxa de câmbio, tornará a moeda nacional mais competitiva porque os salários cairão.
A proposta novo-desenvolvimentista é mais completa: realiza o ajuste fiscal, mas, ao mesmo tempo, reduz a taxa de juros de forma determinada e, por meio da política cambial acima referida, deprecia a moeda.
O resultado será um ajuste mais completo tanto da conta fiscal quanto da conta externa do país e uma distribuição mais equitativa do custo do ajuste: no ajuste liberal, seu custo cai exclusivamente sobre os assalariados; no ajuste novo-desenvolvimentista, a quota é distribuída entre assalariados e rentistas.
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Novo desenvolvimentismo é resposta para a crise, sugere Bresser-Pereira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU