05 Janeiro 2017
Ex-ministro de FHC e ex-PSDB, Luiz Carlos Bresser-Pereira não passa um dia sem fustigar a política tucana. Não bastasse, criou com colegas da academia uma teoria econômica antineoliberal.
Na entrevista a seguir, faz autocrítica do apoio ao ajuste fiscal de 2015, diz ter sido o único da sua classe social a votar em Dilma Rousseff, critica as elites e explica por que decidiu criticar a Operação Lava Jato.
A entrevista é de Carlos Drummond, publicada por CartaCapital, 04-01-2017.
Eis a entrevista.
Como o senhor vê o Brasil sob o governo Temer?
Estamos sob um governo nascido de um golpe parlamentar. Não é democrático. Assumiu a Presidência a partir de um impeachment absolutamente sem legitimidade. Falou-se que Dilma Rousseff cometeu estelionato eleitoral, por mudar a política assumida na campanha. Não fez isso, pois não sabia da crise, nem ela nem ninguém.
O Boletim Focus de janeiro previa um crescimento do PIB em 0,5% e caímos 3,8% em 2015. Quem fez um estelionato brutal foi Michel Temer. Eleito duas vezes por uma chapa de centro-esquerda, adotou uma política rigorosamente de direita neoliberal. Mas é o presidente. Como disse Fernando Henrique, é isso que a gente tem aí.
E isso que a gente tem aí tem produzido um desastre. Não toma absolutamente nenhuma iniciativa para acabar com a recessão brutal iniciada em janeiro de 2015. Quem quebrou não foi o governo nem os bancos, mas as empresas, em consequência da taxa de câmbio apreciada entre 2007 e 2014. Começou com a própria Dilma, quando chamou Joaquim Levy para assumir a Fazenda e ele entrou em uma política violenta de ajuste fiscal. Confesso que errei aí porque, inicialmente, apoiei.
Por que apoiou?
Estava interessado em preservar Dilma. Vi que a situação era muito ruim, mas não tinha a menor ideia do tamanho da crise e acho que nem Dilma nem Levy tinham ideia. Mas estava errado. Querer recuperar a confiança apenas com um ajuste quando há uma situação objetiva de empresas quebradas é tolice, tanto que só agravou o problema.
E o atual governo continua na mesma toada. O ajuste fiscal é essencialmente de investimentos, o mais fácil de cortar. A taxa de juros foi mantida em um nível altíssimo, não foi criado nenhum sistema especial de crédito para as empresas.
E a PEC 55?
Um perfeito absurdo. Com isso, o governo não vai resolver o problema fiscal. Duvido que, no ano que vem, ainda tenha poder para tanto. Está em processo de forte deslegitimação nas elites que o apoiaram se dizendo contra a corrupção.
Na verdade, eram contra a esquerda do PT e o Lula. Isso está óbvio hoje, quando se vê o nível e o padrão do governo que substituiu aquele da Dilma. O padrão moral da gestão dela era muito mais alto.
As elites começaram a retirar seu apoio ao governo?
Aquela frase do Fernando Henrique que mencionei antes é bem típica. O Estado de S. Paulo, que cerra fileiras com quem está de acordo e ignora os erros, publicou muitos artigos claramente negativos ao governo. Acho que Temer termina o seu mandato, mas sem poder nenhum.
O Brasil sairá da recessão no próximo ano?
Pode ser que saia um pouquinho e muito lentamente. Não vejo nada sendo feito para o País superar a crise.
Como vê o combate à corrupção?
A Operação Lava Jato, no início, foi um grande avanço, pois descobriu uma rede criminosa e pôs gente na cadeia. Depois continuou uma caça às bruxas, que são os políticos, em particular Lula, e isso me pareceu absolutamente antidemocrático, desnecessário e um prejuízo muito grande ao País. Não fazer logo os acordos de leniência e possibilitar que as empresas superem essa crise, isso é também inaceitável. Essas empresas são um patrimônio do País e têm sido muito maltratadas.
Como avalia a condução da economia no governo Lula?
A estratégia correta de Lula foi fazer uma coalizão de classes desenvolvimentista com industriais, trabalhadores e burocracia pública. Isso fracassou, pois os juros e o câmbio não foram mexidos da forma certa. O PT, brinco, inventou o capitalismo sem lucro.
Não queria fazer revolução socialista, mas governar um país capitalista distribuindo um pouco de renda, algo muito correto. Mas fazer isso sem garantir lucro para as empresas industriais é uma tolice.
A política econômica brasileira está na contramão do mundo?
A proposta salvadora que os economistas neoliberais inventaram e foi aceita pela sociedade por volta de 1980 morreu. No Brasil, caminhamos no sentido inverso, de aprofundar o neoliberalismo no qual entramos a partir de 1990, com Fernando Collor.
O único momento em que esse neoliberalismo foi desafiado foi quando Dilma, em 2011, baixou os juros. Mas fez isso sem ter os elementos necessários e logo teve de voltar. O desenvolvimentismo malfeito, como nesse caso, é muito ruim, mas o neoliberalismo é ruim por definição.
Os neoliberais não têm a menor condição de promover o desenvolvimento econômico do Brasil. Nunca fizeram isso. Criam crises financeiras sempre, por defenderem altos déficits em conta corrente, que eles dizem que é poupança externa, mas é mais consumo e endividamento, até que o País quebra. Isso aconteceu com FHC muito claramente, a crise de 1998 é desse tipo.
Qual o núcleo de sua proposta de novo desenvolvimentismo?
Nasceu do desenvolvimentismo clássico e concentra a atenção nos cinco preços macroeconômicos, ideia inexistente na macroeconomia keynesiana: as taxas de lucro, juros, câmbio, salários e inflação.
Concorda com o pensamento keynesiano na política fiscal e monetária, mas coloca no centro a ideia de que há uma correspondência entre taxa de câmbio e déficit ou superávit em conta corrente e desenvolve uma teoria nova para determinar a taxa de câmbio.
Em termos práticos, a necessidade de uma taxa de câmbio que torne competitivas as empresas industriais é um aspecto fundamental. O obstáculo principal é a doença holandesa, apreciação de longo prazo do câmbio causada pela possibilidade de exportação de commodities com uma taxa mais valorizada que aquela necessária à indústria.
Outras causas são as políticas de crescimento com poupança externa, ou seja, com déficit em conta corrente, de âncora cambial para combater a inflação e de altas taxas de juro para atrair capitais e combater a inflação. Isso é desastroso para um país em desenvolvimento. O novo desenvolvimentismo propõe a manutenção de uma taxa de câmbio competitiva, e para isso oferece um conjunto de políticas novas.
Qual a responsabilidade da mídia na radicalização da classe média e no ódio profundo ao PT?
A mídia reflete em qualquer país a visão das elites, incluídos os capitalistas donos dos jornais, que são a mídia mais importante, vendidos para a classe média. Então eles têm de publicar aquilo que as classes média e rica querem ouvir.
Elas ficaram extremamente conservadoras no País porque fizeram uma clara opção de associação com as elites tradicionais de Washington e Nova York. Perderam completamente a ideia de nação. A verdade que a imprensa nos traz todos os dias é a verdade do Ocidente, de Washington e Nova York. Uma verdade profundamente imperialista. Isso dá um resultado, aqui no Brasil, muito ruim.
É absolutamente incompatível com crescimento econômico e diminuição da desigualdade. Leva a estratégia política da esquerda a dividir a direita e tornar uma parte dela progressista. Mas isso fracassou no governo Lula e eu não vejo quando haverá outra oportunidade para fazer isso.
O senhor foi o único egresso do PSDB a assinar o manifesto contra a perseguição judiciária e policial a Lula.
Assinei imediatamente porque fiquei absolutamente indignado quando fizeram a condução coercitiva de Lula, menos por isso e mais por causa do press release que os procuradores federais publicaram.
Disseram que Lula é o principal beneficiário do esquema de corrupção, que alcança entre 10 bilhões e 14 bilhões de reais, e tinha se beneficiado por meio de um apartamento que não comprou e um sítio que amigos lhe emprestaram.
É de um ridículo, de um absurdo completo. Lula segue morando no mesmo apartamento em São Bernardo, com o mesmo padrão de vida. Que negócio é esse? Lula não tem crime nenhum contra ele. O PT, infelizmente, tem, por se envolver institucionalmente com a corrupção. Isso foi uma tragédia para a esquerda.
O senhor foi ovacionado no Tuca, em evento de apoio a Dilma. Seria um reconhecimento da sua transição política?
Não sei. Saí do governo Fernando Henrique em julho de 1999. Só por volta de 2004 consegui entender a lógica do governo, ou seja, da teoria da dependência desenvolvida por FHC e Enzo Faletto, em 1969. Fiquei convencido de que devia deixar o PSDB, que se tornara um partido de direita em vez de centro-esquerda social-democrata, como era o projeto.
Não existia nele nenhuma ideia de nação e sem isso considero impossível haver desenvolvimento. Tomei a decisão de só me dedicar à vida acadêmica e de intelectual público, e sou muito feliz nessa condição, embora corra riscos.
Na eleição de Dilma, estava contra toda a minha classe social. Mas cumpro a minha obrigação republicana. O republicano é capaz de, em alguns momentos, ir contra seus interesses para defender o interesse público. Essa é a diferença em relação aos neoliberais.
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Bresser-Pereira: "Não vejo nada sendo feito para o País superar a crise" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU