03 Dezembro 2024
"Agora Francisco é considerado a expressão de uma Igreja que se quer progressista (a renovação da Igreja como bandeira), muito exposto em temas sociais (os pobres, os estrangeiros, a ecologia...) e pouco relevante no aspecto teológico. Para os conservadores, ele é considerado, por isso mesmo, um perigo que conduz a Igreja a águas traiçoeiras, onde se perde a certeza da doutrina. Para os progressistas, ele é a esperança de uma mudança de rumo que aproxima a Igreja do homem contemporâneo", escreve Antonio Torresin, pároco na paróquia de San Nicolao della Flue, em Milão, em artigo publicado por Settimana News, 02-12-2024.
Falar sobre a incidência da figura do Papa Francisco em uma paróquia, ou seja, dentro do povo de Deus, na vivência do cristão comum, nos coloca a partir de um ponto de vista “outro” e escorregadio em relação às abordagens mais comuns sobre a incidência de um papado na Igreja.
Normalmente, os responsáveis por interpretar a contribuição de um papa na Igreja são, de um lado, os operadores do mundo da mídia (jornalistas, vaticanistas, politólogos, etc.) e, de outro, os teólogos. Jornalistas e teólogos são, de fato, os interlocutores mais evidentes que interagem com o magistério e com a figura pública de um papa, sobretudo desde que seu perfil público está estreitamente ligado à imagem que circula nas redes sociais.
O ponto de vista de uma paróquia é muito diferente. Se nos cenários mencionados acima (o das redes sociais e o da teologia) a figura de Francisco é uma figura “inevitável”, no cenário de uma paróquia, sua figura corre o risco de quase ser “influente”. A autoridade do Papa Francisco sofre a mesma crise que todas as instituições, não sendo menos sujeita a uma perda de reconhecimento. Não se reconhece mais uma autoridade indiscutível e única, e a voz do papa se confronta e se confunde com outras autoridades, inclusive em temas religiosos.
Acrescentaria que o que incide – quando ainda exerce alguma influência – do ministério papal na vivência do povo de Deus, não são, antes de tudo, os conteúdos morais ou doutrinais, mas sua função “simbólica” e sua imagem “estereotipada”. Vou explicar.
Antes de mais nada, o risco mais efetivo é que a imagem que chega ao povo de Deus sobre Francisco não seja aquela que o revela em sua completude; poucos leem seus escritos ou ouvem suas palavras em primeira mão. Eles acessam sua figura por meio dos “estereótipos” que a mídia transmite sobre ele. Isso não vale apenas para Francisco, obviamente.
O mesmo pode ser dito de João Paulo II e Bento XVI. Wojtyla era identificado como um grande combatente da fé contra o relativismo, um ator que transitava pelo palco mundial com grande autoridade; mas o que sabem os “papa-boys” sobre sua teologia? Bento era visto como um intelectual conservador e defensor da continuidade da tradição, tendencialmente tradicionalista; mas quem apreciou a fineza espiritual de suas homilias e discursos? Ambos foram reduzidos a um estereótipo mais tradicionalista e conservador do que inovador. O estereótipo é sempre divisivo.
Assim, agora Francisco é considerado a expressão de uma Igreja que se quer progressista (a renovação da Igreja como bandeira), muito exposto em temas sociais (os pobres, os estrangeiros, a ecologia...) e pouco relevante no aspecto teológico. Para os conservadores, ele é considerado, por isso mesmo, um perigo que conduz a Igreja a águas traiçoeiras, onde se perde a certeza da doutrina. Para os progressistas, ele é a esperança de uma mudança de rumo que aproxima a Igreja do homem contemporâneo.
Agora, o estereótipo é frequentemente divisivo, e, de fato, onde a imagem do papa alcança o povo de Deus – porque talvez prevaleça a falta de influência – um certo efeito divisivo e de confusão é preciso reconhecer, talvez mais ainda do que nos papados anteriores. Nunca antes havia me ocorrido ouvir com tanta frequência fiéis confessando “não estar de acordo com o papa”. Isso ocorreu sobretudo no início de seu pontificado, em relação aos temas sociais, à imigração e a algumas questões morais, depois da Amoris Laetitia.
Depois, o fenômeno diminuiu, mas acredito que porque muitos, no povo de Deus, se fizeram à ideia de que poderiam continuar acreditando mesmo sem compartilhar o pensamento do papa, em uma forma individualista de fé que relega a figura do papa como não tão influente. Acrescentaria que o efeito produzido pela contraposição entre tradicionalistas e progressistas na Igreja, algumas escolhas que parecem “oscilantes” (penso em aberturas para divorciados recasados e, posteriormente, para homossexuais, que, enquanto declaram um forte desejo de inclusão, convivem com afirmações de continuidade doutrinal que parecem contradizê-las) e uma certa decisionalidade nem sempre compreensível, geram certa confusão, que aumenta um sentimento de distanciamento: “coisas da Igreja” muito difíceis de interpretar, melhor deixar de lado.
Outra é a função “simbólica”. Aqui, a figura de Francisco “funciona” mais (assim como, de maneira diferente, foi com João Paulo II). Nesta função simbólica, podemos talvez perceber o grau máximo de incidência do papado de Francisco. Isso foi visível desde o início, com seu aparecimento, ao pedir “rezem por mim”, com sua figura que se colocava não à frente, mas dentro do povo de Deus. E o momento de ápice foi durante a pandemia.
Antes de tudo, com sua palavra diária durante a missa transmitida para as casas todas as manhãs; nesses momentos, ele testemunhou uma capacidade extraordinária, compreensível para todos, de fazer ressoar a Palavra de Deus dentro das contradições e do drama da vida de cada um, como ninguém mais foi capaz de fazer naqueles dias.
Não sei quanto disso permanecerá no futuro, mas certamente o povo de Deus percebeu o que poderia e deveria ser a pregação, além de todo moralismo e também da preocupação doutrinal e intelectual: um anúncio evangélico de esperança. Acredito que é isso que todo crente espera ao ouvir a Palavra e, de fato, quando não encontra isso, se despede silenciosamente de nossas assembleias litúrgicas.
Mas o momento em que a função simbólica teve maior ressonância foi a oração silenciosa na Praça São Pedro, nos dias dramáticos do lockdown: sua pessoa, seu corpo, suas palavras – “ninguém se salva sozinho!” – interpretaram o momento que todos estavam vivendo, e o fizeram com um espírito evangélico de impacto imediato.
A função simbólica tem, de fato, o estilo de um testemunho, no qual são decisivas a coerência que a pessoa encarna e a capacidade de ser uma palavra do Evangelho feita carne. Resta saber o que ficará desses momentos em um tempo em que a memória parece se tornar curta, tudo parece se tornar evanescente, e até mesmo a figura de um papa, ao final, permanecer “influente”.
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Francisco depois de Francisco: paróquia. Artigo de Antonio Torresin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU