Mattia Ferrari, o jovem padre salvo pelos migrantes

Foto: Candida Lobes | MSF

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09 Novembro 2024

O capelão do navio de socorro Mediterranea Saving Humans conta sua história e suas reflexões sobre o estado ético, os individualismos e a sociedade egoísta.

A reportagem é de Nello Scavo, publicada por Avvenire, 06-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

“O socorro e o acolhimento não são apenas gestos humanitários essenciais, são gestos que dão carne à fraternidade, que constroem a civilização”. O prefácio do Papa Francisco a Salvato dai migranti, o livro do padre Mattia Ferrari (Salvo pelos migrantes, Edb, pág. 274, 19,00 euros), estabelece o critério com o qual ler as páginas que, no subtítulo, são indicadas como o “Relato de um estilo de vida”.

Livro "Salvato dai migranti" de Mattia Ferrari

O padre Ferrari é o jovem capelão da “Mediterranea Saving Humans” e uma referência para as organizações humanitárias envolvidas no socorro marítimo. O que acontece com os migrantes é um sintoma e uma metáfora de um desvio que, dos direitos humanos aos direitos civis e à proteção da Criação, está unido pelo que o padre Ferrari identifica, entre outras coisas, à “violência simbólica”. Se olharmos bem, “há um traço que parece caracterizar todos os fundamentalismos - escreve ele - eles parecem ser atravessados pela tensão utópica comum de refundar, com bases religiosas, os laços sociais e a reescrita do pacto de solidariedade ético-política que deveria ser o alicerce da legitimidade de um Estado”.

Em outras palavras, “trata-se da retomada da utopia do Estado ético”. Já a partir desse ponto, e de uma autobiografia que serve para explicar os estudos e as trajetórias do jovem sacerdote (comunitárias antes mesmo que pessoais), fica claro como ele não quis um livro “do bem” (uma acusação entre as muitas, inclusive ameaças, de que é alvo há muito tempo), nem caiu na tentação de usar o texto para tirar algumas pedrinhas dos sapatos. Um olhar apaixonado, mas com o viés do estudioso que coloca à disposição de seus leitores as ferramentas culturais e a “vocação” que sustentam seu empenho, como lhe é pedido pelos bispos. A começar pela preocupação com o demônio do individualismo, explicitado em suas várias formas de contágio: “Nativismo, autoritarismo, conservadorismo e neoliberalismo”. Portanto, um livro surpreendente, para quem “dom Mattia” o conhecia mais por sua incansável missão e menos por sua pesquisa social, que o faz citar o “despotismo brando” e a “profecia de Toqueville”, a respeito das sociedades nas quais se teria tornado “menos necessário e mais raro o uso do livre arbítrio”, onde “a ação da vontade se restringe a um pequeno espaço e, pouco a pouco, tira de cada cidadão até mesmo o uso de si mesmo”.

Um individualismo que chega ao ponto de desumanizar e isolar não pode deixar de ter como consequência o “desinteresse pelos outros e pelas realidades em comum”. Aqueles que não são afetados por esse individualismo tornam-se um obstáculo. Portanto, cuidar dos descartados e fazê-lo de forma organizada significa incomodar “o projeto de quem quer uma sociedade egoísta e autoritária”.

Lida dessa forma, a história da luta contra as organizações humanitárias pode ser interpretada como a luta pela sobrevivência de sistemas de poder que se sustentam na perpetuação do pior individualismo, supondo que exista um bom. E, depois de tanta e densa análise, o livro se encerra com um voto: voltar a “tornar-se próximo”, sentir “as entranhas se revirarem diante de quem é marginalizado ou oprimido”, mas sem animosidade ou rancor, seguindo “o caminho que nos leva a salvar não só os outros, mas também a nós mesmos, porque nos ajuda a saborear a alegria do Evangelho”. Nas palavras do posfácio de Marco Damilano: “É na esperança que a nova humanidade está se movendo hoje: o evangelho, a pessoa de Jesus, por quem dom Mattia Ferrari está apaixonado, com o espírito do profeta Isaías: ‘Eis que faço coisa nova, porventura, não o percebeis?’”

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