09 Outubro 2024
Na Bélgica, o Papa Francisco repetiu: “A Igreja é mulher”. Pretende-se também defender a não admissão de mulheres ao ofício ordenado. Mas aconselha-se cautela se alguém quiser definir dogmaticamente imagens teológicas – ou derivar normas delas.
O artigo é de Regina Heyder, publicado por katholisch.de, 06-10-2024.
O Papa Francisco disse novamente: "A Igreja é mulher". Essa formulação é, às vezes, usada como um elogio, especialmente quando ele reconhece, nas contribuições das mulheres, a própria voz da Igreja (como ocorreu no Encontro do Vaticano contra o abuso, em fevereiro de 2019). No entanto, com mais frequência, o Papa utiliza essa expressão em resposta a críticas sobre o papel das mulheres na Igreja Católica Romana, especialmente sobre sua exclusão dos ministérios ordenados. Foi exatamente essa a crítica feita por membros da Universidade Católica de Louvain-la-Neuve em uma carta lida durante a visita do Papa em 28 de setembro de 2024. Geralmente, e também nesta ocasião, o Papa segue essa afirmação com uma referência ao papel de Maria na história da salvação: "Por isso, a mulher é mais importante que o homem."
Em Louvain-la-Neuve e também na coletiva de imprensa durante o voo de retorno a Roma, a declaração do Papa Francisco foi, de fato, mais complexa: "A Igreja é mulher, ela é a noiva de Jesus." O Papa faz uso da imagem de Cristo como noivo e da Igreja como noiva, remetendo a tradições bíblicas e teológicas que enfatizam, por um lado, o amor e a fidelidade de Cristo e, por outro, a esperança da Igreja em sua realização plena. Orígenes, que viveu na primeira metade do século III, desenvolveu linhas interpretativas entrelaçadas desse conceito em seu influente comentário sobre o Cântico dos Cânticos do Antigo Testamento: Cristo é o noivo, a noiva é a Igreja, e ela é a alma do fiel – obviamente, sem relação com o sexo biológico da pessoa.
A partir do século XII, autores e autoras como Bernardo de Claraval, Hadewijch e Matilde de Magdeburgo desenvolveram, dentro dessa tradição, uma mística nupcial com conotações claramente eróticas. A alma não é passiva nesse contexto, mas se apresenta como a "alma amante", cortejando o noivo Cristo. Hoje, estamos cientes também dos perigos dessa mística nupcial e amorosa, que frequentemente serviu como um cenário propício para o abuso sexual, especialmente contra mulheres adultas. Não foram poucos os clérigos abusadores que prometeram às vítimas "mostrar o amor de Cristo" e, através de gestos performáticos, fizeram entender que, apesar do abuso, continuavam a representar Cristo como membros do clero.
Eu me dediquei intensamente ao estudo da teologia medieval e aprecio o pensamento em imagens e alegorias. É sempre claro que nenhuma imagem — seja de Deus, da Igreja ou do ser humano — deve ser entendida como uma afirmação dogmática, e a dessemelhança entre a imagem e a realidade representada deve sempre ser considerada. Em termos concretos: as imagens nunca são inequívocas, e dependemos de uma multiplicidade de imagens, que podem até ser contraditórias. Assim, a Igreja "é" também o Corpo de Cristo, Mãe, Mestra e muito mais. Precisamos dessa diversidade de imagens para alcançar uma declaração teológica adequada; qualquer simplificação em uma única imagem é perigosa.
Em segundo lugar: é extremamente ambivalente derivar normas concretas a partir de imagens. Na concepção medieval, um bispo era considerado "casado" com sua igreja local; trocar de diocese era equivalente a adultério. Em 897, essa acusação foi levantada de maneira absurda no Sínodo do Cadáver contra o falecido Papa Formoso, que havia sido Arcebispo de Porto antes de ser eleito Papa e, assim, se tornar Bispo de Roma. Hoje, essa ideia já não tem força, mas a noção da Igreja como a Noiva de Cristo está por trás da norma discriminatória que impede a admissão de candidatos com "tendências homossexuais profundamente enraizadas" nos seminários. Durante a celebração da Eucaristia, os sacerdotes representam tanto Cristo quanto a Igreja, e essa representação não está necessariamente vinculada ao sexo biológico.
Voltemos ao Papa Francisco. "A Igreja é mulher" é uma afirmação que só pode ser referida à tradição teológica de maneira limitada, pois o Papa parece vinculá-la ao sexo biológico daqueles que representam a Igreja, atribuindo essa representação a indivíduos específicos. "Eu, como homem, não posso representar a Igreja, pois as mulheres são essencialmente diferentes dos homens", ouvi recentemente de um paroquiano que, de outra forma, provavelmente teria pouco em comum com o Papa Francisco. O problema é que, com o Papa Francisco, a crescente dessemelhança e a necessária pluralidade de imagens não aparecem. "A Igreja é mulher" aponta, em suas palavras, para a essência da Igreja e da mulher, e não tanto para a dinâmica da relação entre noiva e noivo, que é tão importante nos textos bíblicos e na tradição teológica.
O Papa Francisco também se referiu à "essência da mulher" em Louvain-la-Neuve: "A mulher é receptividade fértil, cuidado, entrega viva." Como de costume, ele mais uma vez deixou de descrever o que "o homem" é. Os homens são o padrão da humanidade e as mulheres os "outros seres", como Theresia Heimerl formulou de maneira incisiva. Realmente deveríamos atribuir menos cuidado ou entrega aos homens? O que soa como um elogio às mulheres curiosamente justifica sua exclusão do ministério — não é justamente a entrega o que associamos à vida e à morte de Jesus?
"O Igreja é mulher", reiterou o Papa Francisco também diante da Comissão Teológica Internacional, em novembro de 2023. Ele designou como tarefa de seus membros "smaschilizzare la Chiesa" — "desmasculinizar a Igreja". Um primeiro passo seria abandonar os estereótipos de gênero no discurso dos homens sobre a Igreja e sobre "a mulher". Fundamentalmente, as mulheres na Igreja devem ter a capacidade de falar por si mesmas e tomar suas próprias decisões. Esse já se revelou como um teste importante na atual Assembleia Sinodal em Roma.
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“A Igreja é uma mulher” – ao contrário do esclarecimento das imagens teológicas. Artigo de Regina Heyder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU