02 Outubro 2024
"O caminho a seguir, em vez disso, é simplesmente aquele da valorização dos carismas, que não precisam ser legitimados por ninguém, pois provêm do Espirito Santo. É preciso que se abram espaços apropriados para seu exercício a serviço da comunidade e que sua autoridade seja reconhecida na prática. Em casos extremos, podem precisar ter sua dignidade salvaguardada, deslegitimando os pseudocarismas, as ervas daninhas semeadas pelo maligno no campo de Deus", escreve Severino Dianich, teólogo italiano, em artigo publicado por Settimana News, 01-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
É verdade que as recorrências de uma palavra em um texto podem não significar nada, mas também é verdade que fornecem pistas. No Instrumentum laboris para a assembleia sinodal de 2023, o verbete “ministério” se repetia 14 vezes e apenas 8 vezes o verbete “carisma”. No IL da próxima sessão, “ministério” aparece 70 vezes e “carisma” 27 vezes.
Parece, portanto, que houve um certo caminho no sentido de dar maior relevância, para atender o desejado desenvolvimento da sinodalidade e da missão da Igreja, tanto aos fiéis individualmente, na medida em que cada um é dotado de seus carismas particulares, quanto, no plano das instituições, aos ministérios.
Dada a conspícua presença, no diálogo sinodal, dos termos ministério e carisma, parece útil propor, às vésperas da nova assembleia, uma reflexão sobre o significado dos dois termos e sua relação. Entendendo por ministério, no entanto, não apenas um qualquer serviço que um cristão oferece à sua comunidade, mas o exercício de uma função formalmente atribuída, numa forma ou outra, a um fiel. Em outros casos, de fato, trata-se simplesmente de um exercício habitual do carisma pessoal por parte de um fiel. Se, portanto, quisermos esclarecer a relação entre carismas e ministérios, devemos pensar nos ministérios como atribuições que o fiel recebeu. Ao longo do caminho sinodal, muito se falou sobre os ministérios em relação à qualificação e valorização das pessoas deles encarregadas, enquanto que, por sua própria natureza, o ministério não se destina a qualificar as pessoas, mas a responder a uma necessidade da comunidade.
O IL da próxima assembleia sinodal registra no nº 15 que “as conferências episcopais... pedem para explorar outras formas ministeriais e pastorais a fim de dar melhor expressão aos carismas que o Espírito derrama sobre as mulheres em resposta às exigências pastorais de nosso tempo”. Assim, muitas vezes se insistiu, com relação às mulheres, na ideia de que ministérios novos e especiais deveriam ser atribuídos a elas a fim de valorizar sua atuação na Igreja.
Obviamente, trata-se de um reflexo condicionado do fato de que, no que diz respeito aos ministérios, às mulheres é proibido conferir o ministério mais alto, o do sacramento da Ordem: uma vez que não podem se tornar padres, para proteção da dignidade comum e igual de todos os fiéis, é preciso dar às mulheres ministérios novos e particulares[1]. Outra indicação de um uso desviante do termo pode ser observada no n. 30 da IL, onde se tem o cuidado de especificar que “os ministérios instituídos são conferidos pelo bispo a homens e mulheres, uma só vez na vida”. Se, de fato, se pensasse no ministério como uma resposta a uma necessidade, também se poderia confiar a um fiel um ministério a ser exercido enquanto a comunidade realmente precisasse dele. Utilizando a categoria mais para qualificar pessoas do que para promover uma resposta a uma necessidade da comunidade, acontece que, em vez de promover, como se pretende, “a verdadeira igualdade entre todos quanto à dignidade e quanto à atuação, comum a todos os fiéis, em favor da edificação do corpo de Cristo” (LG 32), se chega, ao contrário, a uma nova reduplicação da diferenciação hierárquica no povo de Deus. Não mais apenas duas categorias, clero e leigos, mas três: clero, ministros e fiéis comuns. Concluindo, não será a multiplicação dos ministérios o caminho pelo qual se conseguirá promover a subjetividade de todos os fiéis na missão da Igreja.
O caminho a seguir, em vez disso, é simplesmente aquele da valorização dos carismas, que não precisam ser legitimados por ninguém, pois provêm do Espirito Santo. É preciso que se abram espaços apropriados para seu exercício a serviço da comunidade e que sua autoridade seja reconhecida na prática. Em casos extremos, podem precisar ter sua dignidade salvaguardada, deslegitimando os pseudocarismas, as ervas daninhas semeadas pelo maligno no campo de Deus.
Os fiéis não precisam ser formalmente designados para atuar na missão da Igreja, porque já o são, em virtude do batismo, e cada um o é nos modos e formas próprios dos carismas particulares de que é dotado.
É necessário, portanto, que nos processos de discernimento e de tomada de decisões, aqueles que têm o carisma da autoridade, conscientes de não possuírem todos os carismas, saibam se retirar, a fim de criar um espaço no qual os fiéis, que têm outros carismas diferentes dos seus, venham a determinar a decisão comum.
O discurso sobre os carismas, não raramente, deve ainda se libertar da ideia de que os dons do Espírito devem se manifestar em formas extraordinárias, enquanto é necessário, ao contrário, que a presença e a ação do Espírito sejam reconhecidas onde quer que um fiel preste algum serviço a alguém, como diz Santo Tomás, que presta honra, mais do que os outros, ao carisma do agricultor, porque sem o exercício do seu carisma ninguém poderia permanecer vivo (In 1Cor 12, lectio 3).
De fato, em primeiro lugar, o cristão manifesta seus carismas no exercício de suas habilidades de trabalho e nas competências profissionais, que são adquiridas por meio da experiência e de um determinado currículo de formação.
A espiritualidade cristã sempre soube transcender nisso o puro reconhecimento dos méritos do homem para dar graças ao Espirito de Deus. O Catecismo não deixa de retomar a doutrina tradicional das “graças de estado que acompanham o exercício das responsabilidades da vida cristã e dos ministérios na Igreja” (n. 2004).
Do ponto de vista da operosidade da Igreja na realização de sua missão, todos os carismas, nenhum excluído, têm sua parte a desempenhar. Basta pensar, concretamente, nos tantos fiéis que oferecem suas competências de trabalho aos missionários, contribuindo assim para fazer da proposta do Evangelho a oferta de uma forma de vida e não de verdade na qual acreditar.
Uma Igreja missionária não pode se permitir ignorar isso, continuando a confiar apenas à autoridade dos pastores a elaboração e as decisões de suas linhas de ação, sem tirar proveito de todos os carismas presentes na comunidade. Isso será feito em uma prática séria de sinodalidade, na qual aquele que tem o carisma da autoridade não ousará impô-lo em âmbitos para os quais não tem competência, sobre os quais o seu próprio carisma não se estende, mas cederá lugar à autoridade dos fiéis que se revelam dotados dos carismas necessários na res de qua agitur.
Por fim, não posso deixar de expressar o meu espanto pelo fato de que na IL, em toda essa conversa de ministérios, não há uma única palavra sobre um ministério, do qual os fiéis são investidos por um sacramento, tanto quanto isso é verdade para os ministros ordenados, ou seja, o ministério dos cônjuges, esposos e pais.
Trata-se de um âmbito no qual o vazio de sinodalidade criou e continua a manter viva uma situação totalmente paradoxal: padres e bispos, todos apenas homens, na grande maioria celibatários, ensinam aos cônjuges, com autoridade magisterial, como viver a vida familiar como cristãos, e orientam pastoralmente os fiéis na vida conjugal e na obra de educação dos filhos, sem terem recebido do seu sacramento aqueles carismas que, ao contrário, os cônjuges recebem ao celebrar o sacramento do matrimônio. É verdade que os pastores haurem seus valores da Palavra de Deus, que são preparados para pregar, mas também é verdade que a Palavra de Deus não é dada em sua plenitude apenas na leitura do texto, mas se espalha no desdobramento da experiência da vida.
[1] LG 32: Ainda que, por vontade de Cristo, alguns são constituídos doutores, dispensadores dos mistérios e pastores em favor dos demais, reina, porém, igualdade entre todos quanto à dignidade e quanto à atuação, comum a todos os fiéis, em favor da edificação do corpo de Cristo.
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O Sínodo, os ministérios e os carismas. Artigo de Severino Dianich - Instituto Humanitas Unisinos - IHU