05 Agosto 2023
"A ideia de sinodalidade não foi um raio do nada. A situação eclesial e social do nosso tempo exige uma mudança significativa no modo de governar a Igreja e de cumprir a sua missão. A sinodalidade tornou-se uma necessidade para os nossos tempos", escreve Félix Wilfred, ex-membro da Comissão Teológica Internacional, em artigo publicado por Indian Currents, 21-10-2021.
Quando os bispos alemães retornaram à sua terra natal após o Concílio Vaticano I, que proclamou a supremacia universal do papa e sua infalibilidade, o chanceler alemão Otto Von Bismarck zombou deles. Disse-lhes que tinham se tornado simplesmente soldados e oficiais do papa e não tinham poder próprio. Os cem anos seguintes de história até o Vaticano II testemunharam o papel juridicamente diminuto dos bispos. Equilibrar o poder do ofício papal e o dos bispos foi uma das tarefas importantes do Vaticano II que, seguindo os dados do Novo Testamento e a tradição cristã primitiva, bancou o conceito de colegialidade.
O papa e os bispos estão em uma relação colegial, assim como Pedro e os outros discípulos, e eles têm conjuntamente a responsabilidade por toda a Igreja. Os bispos não são executivos do papa, mas têm o poder próprio para governar as igrejas locais. Os concílios ecumênicos são a expressão mais intensa da colegialidade. Mas então os concílios ecumênicos acontecem uma vez em alguns séculos. Como traduzir a grande ideia de colegialidade e corresponsabilidade na vida eclesial cotidiana? Paulo VI encontrou uma resposta na antiga prática dos sínodos. Instituiu em 1965 o sínodo dos bispos como órgão permanente. De tempos em tempos, um número seleto de bispos deve se reunir e aconselhar o papa sobre questões que afetam a Igreja, globalmente e às vezes localmente, como aconteceu, por exemplo, com o Sínodo para a região Pan-Amazônica.
Agora, o que o Papa Francisco fez foi expandir ainda mais a ideia e a prática do sínodo para um princípio de sinodalidade. Em termos simples, não deve haver apenas o sínodo dos bispos; toda a Igreja precisa estar no caminho sinodal na vida cotidiana e em todos os níveis. Ele projetou um sínodo de toda a Igreja, indo além do Sínodo dos Bispos. Algumas das estruturas participativas como o conselho pastoral, conselho paroquial, conselho financeiro paroquial/diocesano, conselho presbiteral proposto pelo Vaticano II continham embrionariamente a ideia de sinodalidade, que tem sido um princípio organizador central das Igrejas ortodoxas ao longo dos séculos. O Sínodo sobre a Sinodalidade anunciado para 2023 tem a grande tarefa de refletir sobre um princípio que tem consequências de longo alcance para a reforma e renovação da Igreja. De fato, na grande visão do Papa Francisco, a sinodalidade deve ser um princípio orientador para o terceiro milênio da Igreja.
A ideia de sinodalidade não foi um raio do nada. A situação eclesial e social do nosso tempo exige uma mudança significativa no modo de governar a Igreja e de cumprir a sua missão. A sinodalidade tornou-se uma necessidade para os nossos tempos. Além disso, a experiência com estruturas participativas como o conselho pastoral, o conselho paroquial, os conselhos financeiros na Igreja contribuíram significativamente para ativar o arbítrio dos fiéis cristãos que não gostariam mais de ser espectadores silenciosos nos assuntos da Igreja. Pelo contrário, estes vários organismos participativos criaram expectativas para uma Igreja que se move no caminho sinodal.
O abuso sexual clerical, com casos sensacionalistas vindos de todas as partes do mundo – incluindo a Índia – que envolveu até mesmo lideranças de alto escalão, como cardeais, corroeu a credibilidade de uma Igreja dirigida pelos clérigos. Tal Igreja cedeu pouco espaço para a autoexpressão do povo de Deus e para a operacionalização de seus carismas na vida e missão da Igreja. Somam-se a isso a corrupção financeira e a má gestão em todos os níveis, até mesmo no Vaticano, onde o cardeal Angelo Becciu, ex-"sostituto" (secretário de Estado adjunto), foi censurado e destituído dos privilégios de seu posto pelo papa Francisco. Aliás, em 06-08-2020, o papa nomeou seis mulheres para o conselho superior que supervisiona as finanças do Vaticano, deixando a crer que ele confia mais nas mulheres do que nos clérigos quando se trata de dinheiro.
Quando há rachaduras profundas nos pilares e vigas de uma edificação, falamos em falha estrutural. Estamos hoje diante de uma falha estrutural na Igreja que precisa ser enfrentada com toda a seriedade que ela merece. A sinodalidade, quando praticada com sinceridade, poderia salvar a Igreja de cair no abismo da crise atual. Afinal, durante muitos séculos, no início do período cristão e alguns séculos na idade medieval, a Igreja foi dirigida com base no princípio "o que toca a todos, deve ser deliberado e aprovado por todos" (quod omnes tangit ab omnibus tractari et approbari debet).
Uma das contribuições marcantes da modernidade é a atenção à subjetividade e à agência das pessoas. As pessoas não devem ser tratadas como objetos ou paternalmente, roubando-lhes a sua autonomia. Pudemos notar no mundo moderno uma profunda aspiração entre as pessoas por liberdade e autonomia e desejo de expressar a cada um seus pontos de vista, escolhas, preferências e assim por diante. Estes não são estranhos ao âmago do Evangelho. Jesus estava em contínuo encontro e conversa com o povo, desejoso de saber o que eles pensavam e descobrir quais eram seus anseios e sonhos. Ele estava em um caminho sinodal com o povo e com os discípulos.
O Evangelho apresenta um Jesus "argumentativo" que escuta atentamente as pessoas, maravilhado com as suas palavras, raciocina com elas, com a multidão, e está sempre pronto a deixar que os outros o desafiem e respondam sinceramente e de forma mais original às suas interrogações de sondagem. Mais marcantes são os exemplos de suas conversas com a mulher samaritana (Jo 4,1-27), a mulher sirofenícia (Mc 7,24-30) e o centurião (Mt 8,5-13) – todos eles de origens e experiências completamente diferentes das suas. A prática da Igreja primitiva lança luz sobre o que significa governar as comunidades e prosseguir a missão no espírito da sinodalidade e da corresponsabilidade.
Hoje, para um número cada vez maior de fiéis cristãos, a Igreja reflete um tipo de governo rural com valores e mentalidade feudais. As vozes estão cada vez mais altas clamando por um modo de governo que esteja enraizado no Evangelho e, ao mesmo tempo, sintonizado com a sensibilidade moderna. Acho que a mudança de paradigma no modelo da ciência também tem lições para a transformação na Igreja. No modelo mecanicista newtoniano, os vários componentes de uma máquina não têm uma identidade própria, pois simplesmente seguem os movimentos dirigidos por um motor; não é assim na física quântica em que tudo move todo o resto e é difícil pensar ou analisar em termos de causa e efeito. Além disso, como existem inúmeros fatores em ação, nem tudo pode ser estabelecido com certeza e as coisas podem seguir linhas muito imprevisíveis, como no caso do clima. Fala-se da "física quântica", o que significa que movimentos tão insignificantes como borboletas batendo as asas podem até mudar a direção de um ciclone.
Do jeito que está, o comando na Igreja se assemelha ao paradigma mecanicista. A sinodalidade pode ser interpretada como um movimento de passagem para um modelo orgânico no funcionamento da Igreja, refletindo a física quântica. É um modelo que funcionará com base na interdependência de todos na comunidade eclesial. Mais ainda, tal funcionamento interdependente – em suma, a sinodalidade – é necessário para discernir, especialmente em tempos difíceis, qual é a missão da Igreja na sociedade mais ampla, em uma nação. A sinodalidade deve ser posta em marcha tanto mais que ninguém sabe ao certo como proceder com a situação atual do país, convocando toda a Igreja a deliberar em conjunto, começando de baixo para cima. Outro pré-requisito para o funcionamento efetivo da sinodalidade é que haja circulação de informações que garantam a transparência. Esconder-se sob o manto do sigilo é visto cada vez mais como um estratagema para evitar o escrutínio público e como uma medida conveniente para se proteger da responsabilização.
Muitas vezes ouvimos dizer: "A Igreja não é uma democracia". Se isso significa que a Igreja é uma comunhão, fraternidade e irmandade, e uma família, podemos entender a afirmação. Mas se for uma defesa de práticas autoritárias e monárquicas na Igreja, a afirmação torna-se suspeita e problemática. O perigo da democracia é que ela facilmente se torna majoritarismo sem atenção às minorias e suas vozes. Precisamente por isso, a Igreja não pode ser comparada à democracia. A Igreja deve ser um meio onde até a menor voz tenha espaço e reconhecimento. Deus não estava na tempestade, no terremoto da terra ou no fogo, mas na "voz mansa e mansa" (I Rs 19:12). As verdades de fé não são decididas pela maioria. Uma única pessoa, um pequeno grupo pode estar mais perto da verdade do que todos os outros. E por isso percebemos a importância do discernimento, do pensar em conjunto e decidir com o bem comum da Igreja e da sua missão diante dos nossos olhos.
Para que a sinodalidade possa funcionar de forma eficaz, é fundamental que se deixe de lado a agenda pessoal e se concentre no bem comum. Lembro-me do comentário incisivo de Santo Agostinho, que dizia que se aqueles que governam não têm como objetivo o bem comum, mas sim os seus fins pessoais, então não passam de um bando de ladrões que partilham o espólio entre si. A busca de uma agenda pessoal pelos líderes ou por qualquer um dos fiéis cristãos pode ser um obstáculo para a prática efetiva da sinodalidade na Igreja. Muitas vezes ouvimos dizer: "A Igreja não é uma democracia". Se isso significa que a Igreja é uma comunhão, fraternidade e irmandade, e uma família, podemos entender a afirmação. Mas se for uma defesa de práticas autoritárias e monárquicas na Igreja, a afirmação torna-se suspeita e problemática. O perigo da democracia é que ela facilmente se torna majoritarismo sem atenção às minorias e suas vozes. Precisamente por isso, a Igreja não pode ser comparada à democracia. A Igreja deve ser um meio onde até a menor voz tenha espaço e reconhecimento. Deus não estava na tempestade, no terremoto da terra ou no fogo, mas na "voz mansa e delicada" (I Rs 19:12). As verdades de fé não são decididas pela maioria. Uma única pessoa, um pequeno grupo pode estar mais perto da verdade do que todos os outros. E por isso percebemos a importância do discernimento, do pensar em conjunto e decidir com o bem comum da Igreja e da sua missão diante dos nossos olhos.
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Sinodalidade nos passos de Jesus. Artigo de Félix Wilfred - Instituto Humanitas Unisinos - IHU