25 Setembro 2024
"A baixa qualidade de vida em Manaus é uma realidade inegável, vindo à tona de diversas maneiras. A poluição aérea que vivemos não é um acidente ou um capricho da natureza. Trata-se de algo produzido pelo ser humano, não somente através de incêndios criminosos infligidos no presente, mas mediante uma ação continuada de deterioração das florestas e de exploração irresponsável dos recursos naturais estimulada pela ganância capitalista", escreve Sandoval Alves Rocha, SJ.
Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
Não é a primeira vez que as tragédias abatem a cidade de Manaus. O pior de tudo é que não se trata de tragédias naturais, mas humanamente produzidas. Elas escolhem um tempo específico para se manifestar. Foi assim a tragédia da pandemia, que cerceou centenas de vidas inocentes, chocando o Brasil com imagens inesquecíveis e aterrorizantes. Naquela época, a precariedade da saúde pública foi desnudada diante de todos, deixando o país perplexo. A omissão do Estado e dos poderes públicos locais ficou evidenciada.
A baixa qualidade de vida em Manaus é uma realidade inegável, vindo à tona de diversas maneiras. A poluição aérea que vivemos não é um acidente ou um capricho da natureza. Trata-se de algo produzido pelo ser humano, não somente através de incêndios criminosos infligidos no presente, mas mediante uma ação continuada de deterioração das florestas e de exploração irresponsável dos recursos naturais estimulada pela ganância capitalista.
O desmatamento da Amazônia para transformá-la em pastos e campos do agronegócio não é uma novidade, mas um modus operandi adotado há décadas pelas classes dominantes em conluio com setores políticos bem conhecidos. O fogo ateado nas matas tem objetivos bem definidos, sendo um meio eficiente para aprofundar o processo de destruição da natureza, beneficiando os grandes negócios agropecuários e arruinando a qualidade de vida da população.
A cortina de fumaça que sufoca a população é gerada desta vez, não para esconder, mas ao contrário, para mostrar os caminhos tortuosos adotados pelos gestores públicos na condução da cidade. O fogo e a fumaça mostram com clareza para onde as nossas lideranças políticas estão nos conduzindo. Uma simples leitura histórica dá conta de mostrar o que está acontecendo. Alguns especialistas já falam que não tem mais volta. Apesar disso, as campanhas eleitorais não tocam no assunto. Nossos futuros representantes não conseguem ver o que está a sua frente nem sentir o ar podre que estão respirando.
Não é mais possível negar a realidade como alguns ainda tentam fazer. A crise climática explodiu em nossas mãos. Carlos Nobre, em artigo recente, diz estar apavorado com a situação a que chegamos. Os resultados das nossas ações aparecem numa velocidade não prevista pelas ciências. Com este ritmo, acabaremos com o Pantanal e a Amazônia ainda neste século. Secas alongadas, elevação de temperaturas, enchentes e fogo se alastrando por todo o país. Nunca chegamos nesse nível em que todos os eventos climáticos se tornam tão intensos e muito mais frequentes.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) já havia mostrado que mais de 53% dos domicílios manauenses constituem habitações subnormais, ou seja, são residências precárias situadas em favelas, palafitas e baixadas marcadas pela ausência de serviços públicos essenciais como escola, segurança, saúde, educação e outros. Recentemente a Fundação João Pinheiro confirma a preocupante situação da moradia em Manaus, informando que há um déficit habitacional de mais de 103 mil moradias, sendo as mulheres o grupo mais afetado por este problema. A classe política dominante não tem mostrado compromisso com a justiça social, sendo incapaz de apresentar uma política habitacional eficiente e participativa.
O problema do saneamento em Manaus é conhecido no Brasil, gerando preocupação com a preservação dos corpos hídricos da região. A privatização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário apresenta-se como uma experiência frustrante e traumatizante, excluindo enormes contingentes populacionais desses serviços essenciais. A ausência de fiscalização dos serviços tem contribuído com a impunidade da empresa, que amplia os seus rendimentos graças às grandes obras realizadas com recursos públicos e ao sofrimento da população, que paga elevadas tarifas por serviços precários.
Eis somente alguns aspectos suficientes para caracterizar a baixa qualidade de vida na cidade de Manaus. Com os olhos fixos neles é possível afirmar que a classe de políticos que detém atualmente o poder de decisão não tem correspondido às demandas da sociedade manauense, uma vez que lhes falta coragem, ética, determinação, atrelando-se aos interesses dos grandes capitalistas que colocam o lucro a todo custo como a meta principal das suas vidas. A população perde em qualidade de vida e direitos fundamentais.
Na corrente campanha eleitoral é preciso considerar tais indicadores como critérios de escolha a fim de que o ciclo perverso entre a má qualidade dos políticos e a baixa qualidade de vida seja rompido, abrindo espaço para algo mais positivo. A política tem o poder de fazer milagres melhorando a vida do povo, mas ainda não conseguimos escolher os candidatos certos.
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Manaus: a qualidade de vida revela a qualidade dos políticos. Artigo de Sandoval Alves Rocha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU