02 Setembro 2024
A Igreja Católica está em maus lençóis quando o Partido Democrata dos Estados Unidos traz mais esperança e alegria às pessoas – especialmente às mulheres – do que o Papa Francisco.
A opinião é da teóloga estadunidense Phyllis Zagano, em artigo publicado no National Catholic Reporter, 29-08-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Kamala Harris, a candidata inteligente e altamente articulada à presidência dos Estados Unidos, energizou seu público com seu discurso de aceitação, na quinta-feira, 22 de agosto, na Convenção Democrata, em Chicago. Ela falou sobre “não voltar atrás” e prometeu “traçar um novo caminho a seguir”, porque “sempre vale a pena lutar pelo futuro”.
Enquanto isso, Francisco, embora agrade ao público, está sobrecarregado com um confuso Instrumentum laboris para a segunda sessão de seu Sínodo sobre a Sinodalidade. O documento – uma pauta de trabalho para bispos, padres, religiosos e leigos católicos que se reunirão em Roma, de 2 a 27 de outubro – contém uma ampla menção ao papel das mulheres, mas diz que a questão das diáconas será deixada para os membros não identificados do “Grupo de Estudo 5”.
Vale lembrar que Francisco proferiu um sonoro “não” à perspectiva das diáconas, em sua entrevista à CBS, concedida a Norah O’Donnell, em maio. Sua declaração “nem agora, nem nunca”, aparentemente baseada em uma interpretação da história há muito disputada, removeu da discussão sinodal uma das demandas mais consistentes dos católicos ao redor do mundo nas sessões de escuta locais que deram início ao Sínodo há três anos.
Restaurar as mulheres ao diaconato ordenado as colocaria dentro das fileiras da hierarquia. Como o Instrumentum laboris afirma, “numa Igreja sinodal, a competência decisória do Bispo, do Colégio Episcopal e do Romano Pontífice é inalienável, na medida em que está fundada na estrutura hierárquica da Igreja estabelecida por Cristo” [n. 70].
Então, apesar de toda a conversa sobre incluir mulheres na tomada de decisões, a porta para a participação real permanece trancada.
Embora o parágrafo em questão continue definindo e defendendo fortemente a necessidade de “consulta”, até mesmo para sugerir uma mudança no Código de Direito Canônico, ainda é um caso de “todos discernindo e a hierarquia decidindo”. Como as mulheres não são permitidas além da cerca hierárquica, elas não podem ser incluídas na governança.
Aí está a raiz do problema. Se Francisco não consegue ver seu caminho para reautorizar a ordenação sacramental de mulheres como diáconas – que vários de seus predecessores e conselhos aprovaram ao longo dos anos – então toda a conversa sobre incluir mulheres na tomada de decisões cai por terra.
Dizer que as mulheres podem participar enquanto se restringe a governança aos ordenados esvazia qualquer animação, e até mesmo interesse, dos corações das mulheres na discussão sinodal.
É possível que Francisco tenha algo a mais na manga? Afinal, ele é um homem de surpresas. Ele sugeriu um “diaconato” não ordenado para as mulheres em sua entrevista televisionada, mas isso é um desastre pronto para acontecer, pois exigiria que ele declarasse que as mulheres não podem ser ordenadas porque não podem ser a imagem de Cristo – que não são feitas à imagem e semelhança de Deus.
O que nos leva de volta à Convenção Democrata e a Kamala Harris, que defendeu vigorosamente os direitos e a dignidade de todas as pessoas.
Apesar de toda sua inclusão, uma imagem se destaca para demonstrar a afirmação mais comovente do valor da pessoa, a maravilha da vida familiar e a possibilidade de um futuro alegre e cheio de esperança para todos, incluindo as mulheres: quando o filho com leve deficiência do candidato a vice-presidente Tim Walz ficou chorando e batendo palmas enquanto Walz aceitava a nomeação e gritava “esse é meu pai!”, ninguém no camarote da família disse para ele se sentar.
Na noite seguinte, Kamala Harris subiu ao palco. Ela ecoou o abraço de Francisco a “tutti”, mas sua mensagem principal foi: “Em frente”.
Que o papa a adote.
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“Kamala promete um novo caminho a seguir. O papa poderia fazer o mesmo”. Artigo de Phyllis Zagano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU