18 Mai 2024
Uma “cautela” importante é ir ao fundo das argumentações, sem parar na superfície. A única prudência verdadeira é chamar as coisas pelo seu nome, mostrando com clareza a inconsistência dos argumentos clássicos sobre o tema.
Publicamos aqui a resposta de Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, a Massimo Nardello, presbítero da Arquidiocese de Modena-Nonantola e professor da Faculdade Teológica da Emília-Romanha, na Itália.
O comentário foi publicado em Come Se Non, 12-05-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Caro Massimo,
Como você disse bem em sua resposta [disponível em italiano aqui], não é fácil começar debates de verdade na teologia. Muitas vezes é mais simples ou o silêncio ou a murmuração.
Neste caso, a parrésia prevaleceu e não entrou no curto-circuito, sempre possível, do ressentimento. Quando se pede a razão do outro, não é rato que o outro se sinta apenas incompreendido e atacado.
Quando prevalece o crédito em relação às razões do outro, então inicia-se um verdadeiro debate. Este pode ser um serviço valioso para todos. Por isso, parto novamente de suas afirmações para identificar uma série de “cautelas teológicas”. Sim, quero realmente falar sobre o modo como os teólogos podem fazer uso de sua prudência, no sentido mais verdadeiro e mais elevado do termo.
Concordo plenamente com a primeira preocupação que você expressa, ou seja, aquela que diz respeito às “argumentações”. Muitas vezes, expressa-se uma opinião sobre questões que dizem respeito à tradição ministerial, com motivações de curto fôlego [1]. Por isso, junto com outros cinco teólogos (três teólogas e três teólogos ao todo), escrevemos um pequeno livro, que será lançado em duas semanas pela editora Queriniana, intitulado “Senza impedimenti. Le donne e il ministero ordinato” [Sem impedimentos. As mulheres e o ministério ordenado]. Nesse pequeno volume de apenas 180 páginas, tentamos realizar, de forma franca e competente, um exame acurado do “magistério sobre a mulher de autoridade”, mostrando, por dentro, a fragilidade das argumentações com as quais se tenta defender a “reserva masculina”. Nos níveis bíblico, patrístico, canonístico, eclesiológico, dogmático e sistemático.
O interessante é precisamente isto: não se trata de “ceder à modernidade”, mas sim de ver o preconceito que marcou a tradição, desde Tertuliano a Tomás de Aquino, até Von Balthasar. Libertar o magistério desses preconceitos significa também habilitar as mulheres a serem capazes de uma verdadeira autoridade na Igreja.
É preciso dizer que, sobre isso, a literatura feminista está repleta de pérolas que os teólogos podem, acima de tudo, reconhecer e integrar em seus raciocínios. Uma “cautela” importante é ir ao fundo das argumentações, sem parar na superfície. A única prudência verdadeira é chamar as coisas pelo seu nome, mostrando com clareza a inconsistência dos argumentos clássicos sobre o tema.
Esse modo de trazer à tona as fragilidades do magistério católico desde 1976 até hoje pode dar um novo fôlego à grande intuição de João XXIII em 1963: dar reconhecimento à mulher no “espaço público”. Isso, precisamente como “sinal dos tempos”, é um conteúdo da tradição que deve emergir de uma forma nova, porque na história um certo “complexo de superioridade masculina” o comprimiu e às vezes o ofendeu, até mesmo com todas as melhores intenções.
Por isso, penso eu, não só não se deve temer que o acesso das mulheres ao diaconato possa enfraquecê-lo, mas, antes, também podemos pensar que pode ser a melhor oportunidade para relançar seu perfil eclesial e pessoal.
O fato de agora você fizer muito mais claramente que é a favor da integração das mulheres no ministério diaconal permite-me entender melhor suas “cautelas”. Você especifica que não se trata de atrasar esse acesso antes de ter esclarecido melhor o terceiro grau do ministério ordenado: essa era uma argumentação que eu sempre ouvia, mesmo de grandes teólogos, e que, com o passar do tempo, me convence cada vez menos. Às vezes, eu também escuto isso das mulheres diretamente interessadas na ordenação. Ela soa mais ou menos assim: primeiro, reformemos o ministério ordenado e o diaconato, e depois as mulheres poderão entrar nele. Outras vezes, o raciocínio é ainda mais pesado: primeiro, libertemos o ministério do clericalismo e depois o abramos à mulher, para que ela também não se torne clerical.
Na realidade, esses raciocínios são fruto de “idealizações” e contêm uma certa dose de idealismo e de unilateralidade. Sejamos claros: isso não significa que as mulheres possam ter acesso hoje ao melhor dos ministérios possível. Sem um trabalho cuidadoso para repensar a instituição, tudo poderia permanecer na superfície e não incidir nem na quantidade nem na qualidade do ministério. Mas é evidente que a abertura às mulheres seria um dos passos concretos e tangíveis dessa renovação da instituição ministerial.
O fato de cair a “reserva masculina” ao grau do diaconato do ministério ordenado seria uma nova autocompreensão do ministério, uma etapa fundamental de sua possível renovação e da consequente reforma da Igreja Católica, da qual precisamos há 60 anos.
Uma cautela teológica, por isso, é entender os limites estruturais e institucionais de uma “reserva masculina” que não encontra mais argumentos dignos desse nome, exceto em reconstruções históricas unilaterais ou em rigidezes autoritárias dotadas da pretensão de poder permanecer sem motivações teológicas e até com a presunção de impedir que outros forneçam melhores.
Caro Massimo, graças também à gentileza e à deferência de sua resposta, acho que hoje é possível um avanço comum da consciência eclesial italiana sobre o tema. Talvez tenha chegado também o momento em que se reconheça que as próprias mulheres estão habilitadas a falar sobre essa tradição em movimento, visto que a “reserva masculina” até agora abrangeu apenas a ordenação, mas não a “cultura teológica” nem a “responsabilidade comunitária” em que as mulheres, exatamente como os homens, foram reconhecidas em toda sua autoridade formal há 50 anos. E, como tais, produziram uma riqueza de textos [2], dos quais muitas vezes nem sequer nos demos conta, nem como teólogos nem como pastores.
Também por isso acho que é de grande atualidade a observação que João XXIII atribuía aos “sinais dos tempos”, incluindo o da mulher no espaço público, quando dizia:
“Em muitíssimos seres humanos, vai-se dissolvendo assim o complexo de inferioridade que persiste há séculos e milênios; enquanto, em outros, atenua-se e tende a desaparecer o respectivo complexo de superioridade, decorrendo do privilégio econômico-social, do sexo ou da posição política” (Pacem in Terris, 24) [3].
1. Debrucei-me sobre esse aspecto nos últimos dois anos com dois textos que reconstroem tanto a história das principais argumentações a favor da “reserva masculina” (A. Grillo, “Se il sesso femminile impedisca di ricevere l’ordine. Ventiquattro variazioni sul tema”, Ed. Cittadella, 2023) quanto os limites do magistério do século XX (idem, “L’accesso della donna al ministero ordinato. Il diaconato femminile come problema sistematico”, Ed. San Paolo, 2024). Também assinalo o importante estudo geral sobre o tema da “igualdade”: L. Castiglioni, “Figlie e figli di Dio. Eguaglianza battesimale e differenza sessuale”, Ed. Queriniana, 2023.
2. Apenas a título de exemplo, sobre o nosso tema: S. Noceti (org.), “Diacone, Quale ministero per quale Chiesa?”, Ed. Queriniana, 2017; C. Simonelli e M. Scimmi, “Donne diacono? La posta in gioco”, Ed. Messaggero, 2016; M. Perroni, Il duplice principio, L’Osservatore Romano, 02-12-2022, p.5.
3. A tradução oficial em português que consta no site da Santa Sé (n. 43) difere significativamente do texto em italiano utilizado pelo autor. No original: “In moltissimi esseri umani si va così dissolvendo il complesso di inferiorità protrattosi per secoli e millenni; mentre in altri si attenua e tende a scomparire il rispettivo complesso di superiorità, derivante dal privilegio economico-sociale o dal sesso o dalla posizione politica” (n.d.t.).
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Um verdadeiro debate sobre o diaconato feminino. Resposta de Andrea Grillo a Massimo Nardello - Instituto Humanitas Unisinos - IHU