27 Agosto 2024
"Os líderes israelenses de direita vêm pedindo há meses para invadir o Líbano. Em janeiro, Avigdor Liberman, fundador e líder do partido radical de direita Israel Beytenu e crítico da gestão da guerra por Netanyahu, pediu a reocupação do sul do Líbano porque o país precisa pagar 'com a terra' os danos causados pelos ataques do Hezbollah: 'Se o Líbano não pagar com território', disse ele, “não fizemos nada'", escreve Francesca Mannocchi, jornalista e documentarista italiana, em artigo publicado por La Stampa, 21-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A tensão na fronteira, nas semanas que antecederam a escalada da manhã de ontem, tinha assumido a forma da espera. Israel estava esperando a retaliação do Irã e de seus representantes pelos assassinatos do chefe político do Hamas, Ismail Haniyeh, e do líder militar do Hezbollah, Fouad Shukr, e ontem mostrou que poderia antecipá-la.
Ontem, poucas horas antes do reinício das conversações para negociar um cessar-fogo em Gaza, no Cairo, o front entre Israel e o Líbano ficou perigosamente inflamado. Pouco antes das cinco horas da manhã, o exército israelense lançou o que chamou de “ataque preventivo” contra milhares de lançadores de foguetes em cerca de 40 áreas do sul do Líbano. O Hezbollah lançou 320 foguetes e drones em direção a uma dezena de bases militares israelenses em retaliação ao assassinato de Fouad Shukr, e a definiu, em um comunicado emitido ontem, como a primeira fase “concluída com sucesso”.
Desde outubro, com o início da ofensiva militar em Gaza, a diplomacia vem tentando impedir que o conflito entre Israel e o Hezbollah se transforme em uma guerra em grande escala.
Embora o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, tenha prometido levar de volta o Líbano à Idade da Pedra, o Hezbollah não é mais o grupo de 2006, seu arsenal hoje é estimado em 150.000 foguetes, seus ataques se tornaram cada vez mais sofisticados com drones tecnologicamente avançados e munições guiadas com precisão. Em junho, o grupo divulgou um vídeo do porto de Haifa e de outras posições militares sensíveis no norte de Israel, alegando que havia filmado tudo com um drone de reconhecimento que passou desimpedido, conseguindo filmar antes de retornar.
Na quarta-feira passada, o Hezbollah tinha disparado 50 foguetes que atingiram várias casas particulares nas Colinas de Golã, anexadas por Israel, e quatro casas foram danificadas ou destruídas em Katzrin.
La Stampa tinha chegado ao norte de Israel algumas horas após o ataque.
Ruth Mazor, 55 anos, proprietária de uma das casas atingidas pelos foguetes, estava recolhendo os destroços do chão com sua filha e netos. “Não sei mais se devo esperar por um acordo diplomático ou por uma guerra. Não acreditamos mais nas palavras de ninguém e não podemos continuar sem saber se realmente seremos defendidos ou se teremos que continuar vivendo assim. Quase todo mundo foi embora e os que ficaram só se afastaram poucas centenas de metros de casa, com medo de que o alarme soe. Todos nós ficamos perto de uma sala de segurança, vivemos segregados em nossa casa”. As famílias das casas adjacentes, que também foram danificadas, são da mesma opinião.
A posição comum a todos era a sensação de abandono e falta de estratégia.
“Há muito tempo estamos perguntando o que será de nós”, continuou Ruth, “se eles não podem nos dar respostas, que façam a guerra, pelo menos deixaremos de viver num limbo”.
Em junho, o gabinete de Netanyahu havia informado os chefes do conselho regional do Norte sobre a possível extensão do período de evacuação, mas sem dar um horizonte de quanto tempo essa extensão duraria.
A filha de Ruth, Yael, decidiu não deixar Katzrin, ficou com os filhos pequenos e estava tomando café da manhã com eles na semana passada quando teve que correr para o abrigo por causa do alarme antes que os mísseis atingissem sua casa.
“Se tiver que ser feita uma guerra de verdade, que seja feita. Mas destruindo-os. Caso contrário, daqui a alguns anos haverá outra e depois mais outra. Não podemos mais viver assim, antes só temíamos os foguetes, agora os foguetes e a invasão das feras das forças de Radwan (forças de elite do Hezbollah, ndr). Antes que eles nos invadam, nós temos que invadir”.
Os líderes israelenses de direita vêm pedindo há meses para invadir o Líbano. Em janeiro, Avigdor Liberman, fundador e líder do partido radical de direita Israel Beytenu e crítico da gestão da guerra por Netanyahu, pediu a reocupação do sul do Líbano porque o país precisa pagar “com a terra” os danos causados pelos ataques do Hezbollah: “Se o Líbano não pagar com território”, disse ele, “não fizemos nada”. O falcão Liberman quer fechar uma faixa do sul do Líbano e empurrar o Hezbollah para o norte do rio Litani “mesmo que isso signifique 50 anos de ocupação”, especificando que “não anexaremos nada e não construiremos assentamentos, mas só liberaremos o território quando houver um governo em Beirute que saiba como exercer sua soberania”.
Além disso, há também a frente dentro do governo. Tanto o Ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, quanto o Ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, ambos colonos e ambos almas da extrema direita religiosa, têm repetidamente pedido abertamente uma invasão do Líbano. Em junho, em um encontro público de seu partido Sionismo Religioso, justamente no norte de Israel, Smotrich deu a Netanyauh um ultimato público: ou o Hezbollah se retira para além do rio Litani, ou “as FDI lançarão um ataque dentro do Líbano para defender as comunidades do Norte, incluindo a entrada terrestre”.
As palavras de Liberman, Smotrich e Ben Gvir representam as posições da opinião pública israelense: de acordo com uma pesquisa de junho do Jewish People Policy Institute, a maioria dos judeus israelenses, 62%, apoia um ataque “com força total” contra o Hezbollah, com 36% dos entrevistados querendo um ataque imediato e 26% um ataque somente após o fim da operação em Gaza.
Para os líderes de direita, apoiar a invasão do Líbano é uma oportunidade para tomar posse do sul do Líbano, que consideram parte da “Terra Prometida” e território que deve ser colonizado pelos israelenses, mas é também uma estratégia para reconquistar o consenso das comunidades do Norte que se sentem abandonadas há meses.
Muitos, como Guy Parnas, membro dos grupos de segurança de Beit Hilel, acham que o governo central não tem nenhuma estratégia para trazer os evacuados de volta para casa, “dezenas de milhares de pessoas daqui deixaram suas comunidades às pressas sem que Tel Aviv investisse de fato na segurança delas, e o dinheiro que serviria para nós, aqui no Norte, vai todo para os kibutzim no Sul ou para os projetos de ministros de direita na Judeia e Samaria (o nome bíblico da Cisjordânia ocupada)”.
Beit Hillel é um assentamento a cerca de cinco quilômetros de Kiryat Shmona, a “capital do Norte” na fronteira com o Líbano, e está constantemente sob o fogo do Hezbollah. No muro do posto de controle na entrada da cidade, os soldados colocaram os restos de foguetes que caíram na cidade.
Não há ninguém nas ruas, as lojas estão com as portas fechadas, as escolas estão fechadas, assim como os jardins públicos e os escritórios. Em Beit Hillel ficaram as unidades do exército e membros das equipes de segurança, como Guy, de 50 anos e quatro filhos, dois dos quais estão em Gaza há dois meses.
“Estamos em guerra desde sempre e é claro que se você vive aqui e sabe que do outro lado das colinas está o Hezbollah, você sabe que sua vida será difícil. Todos nós sabíamos disso aqui, por isso nos preparamos durante anos para o cenário de 7 de outubro. Aconteceu com eles, infelizmente, poderia ter acontecido aqui. Poderia acontecer amanhã”.
É por isso que Guy conta que, assim que as notícias chegaram da fronteira de Gaza em outubro, a comunidade - temendo uma reação imediata do Líbano - organizou a evacuação. Nenhuma ordem veio do governo, ele reitera.
Da mesma forma que, há meses, não vem respostas sobre o que será do futuro próximo. As poucas dezenas de moradores que restaram estocaram água, lanternas elétricas e geradores de energia, mas a confiança no governo - poucos dias atrás, durante a visita do La Stampa - continua atrelada a um cronograma que teria devolvido a vida, se não à normalidade, pelo menos a um plano que a tornaria mais próxima disso.
“Nos sentimos abandonados, como se o fato de estarmos acostumados a viver na fronteira com o Hezbollah nos tornasse cidadãos israelenses de segunda classe”.
Não é banal, portanto, que tenha sido justamente Smotrich, que alocou tanto dinheiro para os assentamentos da Cisjordânia, quem visitou o Norte para propor a sua solução: “Para trazer os residentes evacuados de volta para casa”, disse Smotrich durante sua visita, “precisamos de uma decisão militar clara, um ataque devastador ao Hezbollah e às suas infraestruturas”.
Com a oscilação do consenso, também estão implicadas as escolhas militares de Netanyahu, bem como sua sobrevivência política. Poucos, após 7 de outubro, teriam apostado em sua popularidade, mas onze meses após o início da guerra mais longa de Israel, Netanyahu, como uma fênix, está subindo nas pesquisas.
Embora ele não tenha atingido os objetivos declarados da ofensiva militar (destruir o Hamas e trazer os reféns para casa com vida), embora apenas 26% da população se diga otimista em relação à segurança nacional (há dois anos, era o dobro), embora a confiança no exército também esteja despencando, de acordo com dados do jornal Maariv, após quatro meses de recuperação lenta, mas constante, seu partido, o Likud, resultou como a principal força política e Netanyahu como o favorito para liderar o país. Analisando os dados das pesquisas de outubro até hoje, Dahlia Scheindlin, analista política e especialista em opinião pública, acredita que entre os motivos que restauraram a confiança em Netanyahu esteja, sem dúvida, “o efeito Irã”.
Nos primeiros seis meses após 7 de outubro, as pesquisas para Netanyahu e seu governo foram um desastre. O Likud perdeu até metade de seu apoio em comparação com a eleição, e os partidos da coalizão atingiram um mínimo de 42 assentos, em comparação com os 64 atuais, perdendo cerca de um terço de seu apoio. Mas desde o início de abril, várias pesquisas mostraram uma estabilização ou até mesmo um leve aumento.
Em uma análise detalhada para o jornal israelense Haaretz, Scheindlin fala justamente de uma “reviravolta de abril”.
Em 1º de abril, um bombardeio israelense no consulado iraniano em Damasco matou 16 pessoas, incluindo oito oficiais do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (Irgc). Entre eles estava o general Mohammad Reza Zahedi, comandante de alto escalão da Força Quds dos Pasdarans, e seu vice, o general Mohammad Hadi Hajriahimi.
Uma demonstração de força de inteligência que imediatamente repercutiu nas pesquisas. Quando a retaliação chegou, Israel amealhou, em um piscar de olhos, o apoio político e logístico não apenas de seus aliados ocidentais históricos, mas também de um país árabe, a Jordânia. Assim, em relação à declarada reação iraniana, esperada, Israel abateu quase todos os 300 mísseis e drones lançados por Teerã. Também nesse caso, a bem-sucedida defesa e a solidez demonstrada pelas alianças marcaram um ponto a favor da popularidade de Netanyahu.
Reforçando a recuperação do primeiro-ministro, sempre de acordo com a análise de Dahlia Scheindlin, o ataque que, supostamente pelas mãos do Hezbollah, matou 12 crianças nas Colinas de Golã em julho, e os dois assassinatos direcionados. Ismail Haniyeh, morto em Teerã, e Fuad Shukr, morto em Beirute. “Em outras palavras”, afirma Scheindlin, “para Netanyahu, o Irã é uma carta vencedora”.
E tudo indica que o “ataque preventivo” de ontem de manhã contra as posições do Hezbollah terá o mesmo efeito. Ou seja, permanecer unidos e prontos a tudo ao redor do líder diante da ameaça iraniana e de seus vizinhos libaneses.
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Galileia front oculto. Artigo de Francesca Mannocchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU