“O céu está caindo”. Destaques da semana

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Cristina Guerini | 26 Agosto 2024

Definitivamente o céu está caindo. Uma névoa nos impede de ver o azul do céu e encobre o sol. Um corredor e fumaça tóxica, que tem origem nas queimadas, se espalha na América do Sul. No Brasil, já matamos mais de 30% das áreas naturais e os interesses privados continuam pressionando os povos indígenas. Aprofundamos o debate sobre a extrema-direita e, no nosso giro pelo mundo, continuamos observando as eleições americanas, a guerra em Gaza e o conflito russo-ucraniano. Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana do IHU.

Confira os destaques na versão em áudio.

Perdemos, e muito

Mais de 30% das áreas naturais foram devastadas no território brasileiro, segundo o MapBiomas. A velocidade crescente da devastação é o que mais preocupa: de 1985 para cá, 13% das áreas foram perdidas. Em contraponto, as “áreas mais preservadas estão nas Terras Indígenas, que abrangem 13% do território brasileiro e registraram apenas 1% de vegetação nativa suprimida desde 1985”. Os dados são publicados no mesmo momento em que a ganância do agronegócio faz a maior pressão da história sobre os territórios e os povos indígenas e as queimadas na Amazônia, Pantanal e Cerrado espalham uma nuvem de fumaça tóxica que paira sobre a América do Sul.

Mapeamento anual de cobertura e uso da terra no Brasil de 1985 a 2023 / Fonte: “Projeto MapBiomas - Mapeamento Anual de Cobertura e Uso da Terra no Brasil" - Coleção 9

Corredor tóxico

Os rios voadores, que carregam as chuvas da Amazônia para distribuir na América do Sul, agora transportam a fumaça tóxica que emana das queimadas dos biomas. Uma temporada recorde na Amazônia, com 63 mil focos de incêndio, que tem entre as principais causas as novas frentes de desmatamento e o avanço das pastagens no sul do Amazonas.

Amazônia

Além da pior temporada de queimadas em 17 anos, desmatamento e avanço da agropecuária, há outras frentes de destruição do bioma. A questão da exploração de combustíveis fósseis é tema de uma série de reportagens. Enquanto isso, ainda se discutem a monstruosidade de Belo Monte e a possibilidade de novas hidrelétricas na região. Os grandes projetos de "desenvolvimento" da Amazônia atendem a interesses muito específicos.

Chega de sangue!

O manifesto divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário e pela Comissão Pastoral da Terra foi enfático: Chega de sangue banhando esse chão! A nota da Campanha Contra a Violência no Campo conclamou cidadãos e cidadãs brasileiros a “uma permanente vigília, na certeza de que o extermínio dos povos originários é também a morte do nosso futuro como Nação”. O mais estarrecedor, é que a onda de violência é estimulada pela desinformação dos políticos. Mas, os indígenas continuam com forte resistência e mais uma vez denunciaram as consequências do Marco Temporal e a AGU acenou para os povos originários.

“Queda do céu”

As previsões do xamã Yanomami, Davi Kopenawa, no livro A queda do céu estariam se cumprindo? A névoa das queimadas encobre mais de 10 estados no Brasil, de Manaus a Porto Alegre, e a fuligem tóxica já causa danos à saúde. O mar Mediterrâneo bateu novo recorde de temperatura e seca na Amazônia e no Pantanal segue impiedosa. E a perspectiva de piora é maior quando observamos que os financistas pouco se importam com o destino dos recursos, o negócio é o lucro.

Ogronegócio

A fábula dos créditos de carbono não tem se mostrado efetiva. Pelo contrário, tem enriquecimento de grileiro de terras públicas. Na mesma Amazônia, tem sojeiro condenado ostentando vastas plantações de soja e sendo cortejado por políticos no sul do Pará. Há ainda o caso da seguradora que aprovou seguro rural a cafeicultores que estão na ‘lista suja’ do trabalho escravo e do invasor de terras da reforma agrária. A bolsa também canaliza mais de R$ 560 bilhões ao ogronegócio. E a matéria do ((o))eco investigou as “Finanças Privadas do Agro” e levantou que “R$ 1,036 trilhão estavam pendurados em títulos de investimento de captação privada para injetar dinheiro na agropecuária”. Tudo isso à revelia de compromissos ou contrapartidas ambientais.

Fio condutor

“O ‘empreendedorismo político’ desempenhou um papel-chave na construção da onda que levou esses personagens [Milei e Bolsonaro] à Presidência e, evidentemente, alcançou outro nível com a tomada do poder”, cravou Rodrigo Nunes essa semana. E mais, para o pesquisador “a agitação da extrema-direita e o mundo do coaching são muito semelhantes: em ambos os casos, para alimentar o 'otimismo cruel' que sustenta a crença no empreendedorismo, é fundamental que os candidatos a influenciadores saibam interpretar o papel de objetos de admiração”, complementa em artigo.

50 tons de cinza

“Para sair da comiseração e da angústia do tsunami cinza sem cair na ingenuidade, é preciso considerar que estamos efetivamente diante de uma maré que arrasa nossos fundamentos democráticos e sociais, mas que isso não significa que seja um rolo compressor irresistível”, afirmam Joseph Confavreux e Ellen Salvi. Os autores ainda explicam que foram os “ideólogos, cientistas e especialistas em big data que possibilitaram a ascensão ao poder de líderes ‘disruptivos’, transformando suas aparentes carências em qualidades para aqueles que apoiam suas campanhas e discursos: a inexperiência como prova de que não fazem parte da elite; as notícias falsas como prova de sua liberdade de pensamento; as rupturas geopolíticas como prova de independência, etc.”.

Neofascismo e neonazismo

“Dado o fenômeno global da ascensão da extrema-direita, seria ilusório pensar que os ambientes religiosos permanecerão imunes às suas incursões. [...] O populismo de direita contemporâneo requer uma fundamentação teológica quando não utiliza estruturas religiosas numa relação parasitária para fins de propaganda. Mas esta relação só é possível porque a religião também está a emergir como um campo no qual o radicalismo de direita tem ampla penetração”, aponta Victor Gama.

A ONU acaba de soar o alarme do avanço nazista no Brasil. Um novo relatório publicado pela organização mostra o crescimento das células nazistas no país, em especial em Santa Catarina e nos outros estados do sul.

O IHU vai discutir o assunto em uma conferência on-line no dia 28 de agosto, às 10h.

Futuro pandêmico

Os sinais de que selamos nosso futuro e de que vivemos um novo regime climático estão em todos os cantos do planeta, com eventos climáticos cada vez mais extremos. Na esteira dessa mudança surge a possibilidade de novas pandemias. Não é o caso da varíola dos macacos, que colocou o mundo em estado de alerta, mas uma infinidade de outras doenças para as quais não estamos preparados. A gripe aviária, por exemplo, está a cinco mutações de ser transmitida para os humanos e o nosso sistema agrícola é o ímã que vai trazer as futuras pandemias, indica Elisa Ramirez. O Relatório de 2023 da Lancet Countdown sobre saúde e mudanças climáticas foi enfático: a inação climática está custando vidas e meios de subsistência hoje, e as projeções revelam perigos futuros.

Incerteza

São tempos perigosos, onde visões de mundo contrastantes entram em conflito e as guerras e a crise climática nos colocam em suspenso. Mas uma obra coloca luz nessa encruzilhada. Trata-se de “uma reflexão apaixonada sobre o sentido da vida, uma mensagem para todos aqueles que querem devolver valor às relações humanas, para tentar viver a vida real sem medo”, explica Faustino Teixeira. Quem sabe é hora de buscarmos o bem-estar planetário?

Abitare il nostro tempo, de Julián Carrón, Charles Taylor e Rowan Williams (Foto: Divulgação)

“Sem precedentes”

Assim Francesca Albanese, relatora da ONU, definiu a Guerra em Gaza. Com mais de 80% da Faixa destruída, 40 mil mortos e 207 funcionários das ONU assassinados, a cumplicidade de muitos países foi denunciada, com destaque para a indústria de combustíveis fósseis. Enquanto o presidente da Colômbia, Gustavo Preto, assinou decreto proibindo a exportação de carvão para Israel. Isso na mesma semana em que Antony Blinken voltou ao Oriente Médio em busca de uma negociação de cessar-fogo. Mas o problema é que Israel quer manter uma presença militar em Gaza, no cruzamento estratégico de Netzarim, no centro da faixa, e o controle do corredor Filadélfia, uma área ao longo da fronteira com o Egito, não deixando muito animadoras as possibilidades de colocar fim ao conflito. Em Gaza, as pessoas já perderam o amor pela vida

 

Tensão na Europa

A abertura de novos fronts de guerra na Europa, com a invasão ucraniana na Rússiapreocupa o Vaticano. A Ucrânia ainda proibiu as atividades da Igreja Ortodoxa subordinada ao Patriarcado de Moscou, que compartilha a ideia de uma guerra santa da Rússia contra o Ocidente. A decisão foi apoiada pelo Patriarca Bartolomeu e por outros líderes religiosos, enquanto a igreja russa criticou. Além disso, Kiev continua a insistir numa “paz justa”. E a ameaça russa e as possíveis reações de Putin ao ataque ucraniano fez até o governo da Dinamarca começar a limpar os abrigos antibombas.  

Russkij Mir

O “mundo russo” está de volta aos holofotes. Vladimir Putin assinou um decreto para conceder exílio aos jovens que amam valores tradicionais e são contra a democracia liberal. Para quem quiser ir, é só chegar! Acenos de uma presidente que tem fortalecido relações e arsenal bélico com a China e a Coreia do Norte.

Giro pela América

A disputa eleitoral nos EUA segue acirrada. Na América do Norte, a convenção do Partido Democrata foi marcada pela emoção de Biden, o silêncio sobre a guerra em Gaza, ainda que manifestantes pró-Palestina tenham batido à porta do United Center, e a proposta de unificação de Kamala Harris. Na América Central, a repressão de Daniel Ortega, que segue perseguindo a Igreja Católica, agora fechou 1.500 ONGs e taxou as doações à igreja.

“Porto Alegre é demais”

Sebastião Melo é negacionista da crise climática e da falta de manutenção no sistema anticheias de Porto Alegre, o prefeito agora censurou até um grafite. O relatório dos holandeses, não apresentado publicamente na íntegra, falou o que já se sabia, omitiu informações e termos, segundo pesquisadores da UFRGS. Ao menos o STF suspendeu o despejo dos desabrigados que estão ocupando um prédio abandonado.

Grafite removido na Cidade Baixa (Foto: Divulgação | Redes Sociais)

Em tempo

Seguimos matando o futuro. A violência policial matou 6.393 pessoas em todo o país no ano passado. Destas, 71,7% eram crianças, adolescentes ou jovens com até 29 anos, sendo 82% negras.

Ícone controverso, Silvio Santos morreu no último final de semana. Sem tirar e nem pôr, Hugo Albuquerque fez um balanço do “legado do patrão”.

Memória

Na próxima semana lembramos a Páscoa de três ícones da Igreja Católica brasileira. Dom Hélder Câmara, dom Luciano Mendes de Almeida e dom José Maria Pires. Segundo o padre Júlio Lancelotti, eles deixaram "o legado do amor aos pobres, da defesa intransigente da vida dos pobres, da vida austera. Os três viveram de maneira austera, para os pobres e com os pobres; são vozes proféticas, testemunhas do Evangelho. São o prefácio do pontificado do Papa Francisco".

Para fazer memória à data, o IHU promove a videoconferência Hélder, Luciano e Zumbi: bispos e profetas de uma Igreja em saída, no dia 26 de agosto, às 10h.

Uma boa semana a todos e todas!