O estadista sumiu. Artigo de Lúcio Flávio Pinto

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil | Fotospúblicas

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20 Agosto 2024

"Luiz Inácio Lula da Silva tentou ocupar uma posição semelhante, armado com sua inteligência, carisma, empatia, autoconfiança e outros componentes da sua personalidade. Achou que se circulasse pelo mundo com essas qualidades retomaria o conceito de Barack Obama, quando presidente dos Estados Unidos, de que Lula 'é o cara' da vez", escreve Lúcio Flávio Pinto, jornalista e sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em artigo publicado por Amazônia Real, 16-08-2024.

Eis o artigo

A cordilheira dos Andes, a maior cadeia de montanhas do mundo em comprimento, com aproximadamente 8 mil quilômetros de extensão, ocupa uma área de quase 3,4 milhões de quilômetros quadrados (seria o sétimo país do mundo, à frente da Índia). Sempre foi uma barreira para o relacionamento da única colônia portuguesa com as colônias espanholas, que acabaram resultando em 13 países, um deles, dentre as três Guianas, ainda possessão colonial francesa.

Mas não foi só a geografia um empecilho a uma maior integração continental. Também contribuiu para reduzir o intercâmbio o desenvolvimento histórico das colônias espanholas, muito maior e mais precoce do que o do Brasil. A primeira universidade das Américas surgiu em 1538, em Santo Domingo, hoje República Dominicana.

No Brasil, só em 1808, graças à vinda do príncipe regente português, dom João VI. A rigor, porém, a primeira universidade enquanto tal, com suas unidades integradas e não com faculdades isoladas, levou quase cinco séculos para nascer. Foi a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1950.

No entanto, o Brasil estava predestinado a ser o líder continental, o pêndulo, o árbitro e o mediador, vencida a terrível guerra do Paraguai, por sua grandeza. Ocupa a metade do continente, possui metade da sua população, tem o maior PIB. Essa grandeza só se tornou efetiva quando o barão do Rio Branco redirecionou a diplomacia brasileira, exemplarmente profissionalizada, para seus vizinhos, oito dos quais com fronteiras com o Brasil. Fronteiras em território amazônico, do qual a maior parte também fica no nosso país.

Graças à clarividência do barão, um litígio que ameaçava se tornar uma guerra no conflito de fronteira com a Bolívia, foi resolvido amigavelmente. Essa nova postura permitiu ao Brasil participar das demarcações de divisas em todos os 9 mil quilômetros de fronteiras amazônicas. José Maria da Silva Paranhos Júnior se tornou, assim, o maior estadista brasileiro de dimensão mundial.

Luiz Inácio Lula da Silva tentou ocupar uma posição semelhante, armado com sua inteligência, carisma, empatia, autoconfiança e outros componentes da sua personalidade. Achou que se circulasse pelo mundo com essas qualidades retomaria o conceito de Barack Obama, quando presidente dos Estados Unidos, de que Lula “é o cara” da vez.

Entusiasmado, Lula circulou pelas principais praças do mundo, sendo recebido efusivamente, andando sobre o tapete persa vermelho que lhe foi estendido por onde passou. Teve a ousadia de pedir credenciamento para intermediar a paz em conflitos do porte da guerra da Rússia com a Ucrânia e dos massacres na faixa de Gaza.

Essas aspirações cosmopolitas foram incineradas pela sucessão desastrosa de declarações e posições de Lula no affaire venezuelano, tanto em relação ao ditador Maduro quanto no contencioso sobre a Guiana. Depois de experimentar tudo que era possível imaginar, passou do exagero no tratamento inicial concedido ao companheiro ditador, do qual agora tenta se desvencilhar por ser companhia extremamente desgastante.

Desta vez, demorou tanto a correção do rumo, minando o profissionalismo da diplomacia brasileira com as interferências de Celso Amorim, o menino de recados e estafeta de Lula, o ex-ministro e agora assessor especial do presidente para tudo que é humano no planeta Terra.

Mas Inês é morta e o leite está derramado. Maduro responde com ironia e agressividade à troca (como matraca) de discursos de Lula, o desafiando e contrariando, certo de poder dispensá-lo por contar com o apoio da Rússia e da China, já em campo, diante da aproximação ruidosa dos Estados Unidos, sensíveis ao petróleo tanto da Venezuela quanto da Guiana.

Pronto: não conseguindo ser o estadista mundial que cobiçava ser, Lula trouxe para a ilharga do Brasil o que de pior e mais perigoso acontece do outro lado do mundo, agora anulando o papel que podia desempenhar na América do Sul.

Lula na cerimônia de chegada do presidente da República Bolivariana da Venezuela, Nicolás Maduro, por ocasião de sua visita oficial ao Brasil, em 29-05-2023 no Palácio do Planalto, Brasília
(Foto: Ricardo Stuckert/PR).

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