20 Agosto 2024
“A solidariedade é a prova da espiritualidade autêntica. Não deveria haver outra prova da existência de Deus. Atenção teólogos(as)!”, escreve o teólogo chileno Jorge Costadoat, SJ, em artigo publicado por Religión Digital, 13-08-2024. A tradução é do Cepat.
No planeta Terra, ocorrem episódios de catástrofes ambientais de enormes proporções. Na América Latina, as inundações no sul do Brasil provocaram danos incalculáveis. Dizem que as de 2024 foram piores que as de 2023.
Os ventos de 124 km por hora de dias atrás, em Santiago do Chile, não provocaram tantos estragos como em Porto Alegre, mas são inéditos. São uma excelente metáfora: quando menos se espera, o vento pode acabar com a luz, a água, as moradias e as pessoas.
Será que a nossa própria vida não está exposta a ventanias que estão dificultando que permaneçamos em pé? Não é apenas uma questão de clima. Um vírus, a criminalidade crescente, a grande mineração e novas guerras arrasam povos, gerando migrações em massa. A inteligência artificial acelera a história. Aumentará a velocidade de entrada em um túnel do qual não sabemos se há saída.
Será que as raízes das árvores de Santiago suportarão o ciclone de 2025? Em que radicaremos a nossa existência no que resta de 2024? Esta é a pergunta radical, válida igualmente para crentes e não crentes.
Cabe, então, perguntar-se: existe uma espiritualidade tão profunda que permita nos agarrar à vida como as raízes permitem às árvores resistir aos tornados? Existe algum modo de existência que nos enraíze profundamente no cosmos do qual dependem reciprocamente as pedras e o fogo, o ar e a água, os seres vivos e os inertes, os ricos e os pobres? Existe uma maneira de amarrarmos as pessoas de diversas crenças religiosas e filosóficas em um só feixe?
É claro que sim.
Nós, seres humanos, somos indivíduos espirituais. Contamos com o Espírito para copertencer e nos tornar corresponsáveis pela mais distante das galáxias e pelo suspiro do menor dos átomos. O mesmo Espírito se obstina contra o ego e o egoísmo. O destino do universo é uma demanda coletiva. A maior pobreza é não contar com alguém.
Contudo, indo à origem, qualquer ser humano trazido à existência é pobre. Esta mesma condição de pobreza constitui o toco de onde brotam os ramos que resistem a uma vida tão difícil como a que está nos escapando das mãos. A pessoa pobre - seja economicamente, por motivos de saúde, falta de moradia, trabalho ou porque perdeu a esposa, seus filhos; o migrante pobre, deslocado ou refugiado; as pessoas que se abrigam em barracas ou entre tábuas à beira dos trilhos do trem; inclusive, qualquer um de nós, vítima da nossa própria inépcia - deve reconhecer que não é capaz de dar a si mesmo a vida e, ao contrário, deve agradecê-la.
Agradecê-la a Alguém ou a Algo. Ninguém é capaz de dizer “eu mereço”. A gratidão é a mais alta expressão espiritual. Só é comparável ao reconhecimento envergonhado de alguém que se vangloriou por ganhar a terra, as zonas húmidas, a melhor das universidades e pessoas que o servem e temem. Ser rico é pecado. Compartilhar as riquezas tampouco é algum mérito. Faz parte.
Os pobres de espírito – diria Jesus – só têm a Deus, pois se desaprenderam ou se desprenderão do que pertence a toda a criação. Ser pobre também é um pecado quando se trabalha ou se rouba para ficar rico. Não, ao contrário, quando se faz isto para alimentar os filhos. Ou tomar um terreno. A terra pertence a todos igualmente.
A solidariedade é a prova da espiritualidade autêntica. Não deveria haver outra prova da existência de Deus. Atenção teólogos(as)!
A espiritualidade radical, a inspiração de devermos a vida uns aos outros e a coexistência mútua, nos faz melhores, nos une estreitamente e nos realiza como pessoas no nível mais profundo. Você se torna alguém se reconhece a sua dependência dos outros. A invocação da vida eterna não é alienante quando a eternidade se antecipa entre os mortais como o triunfo de uma conjunção cósmica.
Partilhar a vida espiritual dos pobres é fundamental. Eles sabem que vivem do fiado e que a existência tem sentido quando conseguem o pão de cada dia. As riquezas, ao contrário, isolam e desorientam. Introduzem as pessoas na superficialidade. Acabam matando os ricos – diz a Bíblia – e a sua acumulação mata os pobres.
Compartilhar é o tema. Compartilhar o que se tem e o que não se tem, e receber como se não merecesse receber absolutamente nada. Esta é a chave para uma nova civilização. A civilização da gratidão que superará a do merecimento.
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Uma espiritualidade radical para outra civilização. Artigo de Jorge Costadoat - Instituto Humanitas Unisinos - IHU