13 Agosto 2024
"Estou convencido de que no mundo de hoje, e também no de amanhã, a Igreja que se tornou minoria continuará a colaborar de mil maneiras na vida dos homens e a intervir onde houver pobrezas e humilhações. Isso acontecerá exatamente em nome do Evangelho de Jesus Cristo. Uma bela página dos Atos dos Apóstolos relata que Jesus passou curando e beneficiando a todos: pode-se oferecer o bem trazido por Jesus se decidirmos viver da mesma maneira, com a mesma predileção que Jesus tinha pelos últimos, sejam eles quem forem", escreve Dom Roberto Repole, arcebispo de Turim, em artigo publicado por Vita e Pensiero, n. 3, maio-junho/2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como será a Igreja daqui a dez, vinte, trinta anos? Como devemos pensar diante dos números da participação religiosa em acentuado declínio ou à notícia de paróquias inteiras sendo suprimidas? Para responder a essas perguntas, começo de longe, do início da história cristã.
O que acontece no início? Um evento histórico no povo de Israel, que tinha a consciência de ser o escolhido de Deus. Jesus nasceu e, com sua vida, anunciou o Reino de Deus, ou seja, a proximidade de Deus no meio de seu povo. Jesus reuniu em torno desse Deus "próximo" as pessoas que aderiam ao seu Evangelho.
É muito interessante: estudos recentes nos mostram que Jesus não se dirigia a todos indiscriminadamente, mas aos israelenses, às ovelhas perdidas da Casa de Israel. Para aqueles no povo de Israel que acolheram o Evangelho de Jesus e acreditaram nele, a morte e a ressurreição do Mestre lhes deram a consciência de que Deus, de fato, havia se tornado "próximo".
A morte e a ressurreição de Jesus deram a consciência de que a unificação da humanidade em Cristo não poderia ser reservada apenas para os judeus, mas tinha de ser aberta também aos pagãos. Não foi uma passagem fácil: os Atos dos Apóstolos documentam que houve um grande esforço nesse ponto. O primeiro Concílio, o Concílio de Jerusalém, examinou essa precisa questão: os pagãos poderiam ser acolhidos? Aqueles entre os judeus e pagãos que aderiram a Jesus, acreditando que ele era o filho de Deus, decidiram colocar suas vidas na vida do Cristo morto e ressuscitado. Eram uma minoria em comparação com a esmagadora maioria, que era de pagãos. Em resumo, a Igreja não nasceu podendo contar com a adesão de todos. Tampouco nasceu com o consenso de todos. Hoje, quando pensamos na Igreja moderna, devemos nos lembrar desse aspecto fundamental, porque a Igreja ainda é a mesma, a mesma Igreja de dois mil anos atrás. Se não fosse assim, isso significaria que perdemos o que nos torna Igreja: Jesus Cristo que morreu e ressuscitou.
Os primeiros séculos cristãos foram marcados pelo martírio. No alvorecer do cristianismo, entregar a vida a Jesus significava, em um contexto de minoria hostilizada, aceitar o risco de perder a vida, como ele fez, para dar testemunho do Evangelho. A Igreja primitiva era composta de pequenas comunidades, que iam se formando nas grandes cidades da época, reunidas em torno da Eucaristia como memorial da morte e da ressurreição de Jesus. Havia um bispo cercado por presbíteros e diáconos: eles desempenhavam juntos o seu ministério na cidade, porque os cristãos não eram uma infinita maioria.
Quando os cristãos começaram a se tornar maioria e surgiram as primeiras comunidades também entre os pequenos núcleos, as precursoras das paróquias, os padres se separaram da convivência com o bispo e foram eles mesmos presidir as novas comunidades, de acordo com modelos mais semelhantes aos nossos atuais. Em vez de destacar as diferenças entre os cristãos dentro da Igreja, a grande preocupação no começo era evidenciar o que os cristãos tinham em comum com os não cristãos.
Depois, aquela época terminou. Os cristãos não corriam mais o risco de serem martirizados, e foi desaparecendo o testemunho radical de Jesus. A vida monástica nasceu porque alguns desejavam ficar ancorados a uma vida de fé semelhante à das origens. De modo geral, tendo deixado para trás o clima das origens, o cristianismo se tornou uma religião reconhecida publicamente e, em seguida, tornou-se "a religião" do império, desmantelando todas as outras religiões. Pertencer à Igreja e pertencer à sociedade do império se tornaram uma coisa só: a pessoa nascia cristã pelo simples fato de ter nascido nas regiões do império.
Os estudiosos geralmente fazem distinção entre o conceito de "cristandade" e "cristianismo. O que se entende por cristandade? Precisamente aquela nova maneira de ser cristão, na qual a Igreja não era mais uma minoria, mas uma maioria, aliás, tinha se tornado a totalidade. Pertencer à sociedade civil e pertencer à Igreja tinha se tornado uma coisa só. Com tudo que acompanha isso. Como a cultura imperial dominava, a Igreja absorveu aquela cultura e aquela mentalidade.
Em relação ao imperador, que também havia se tornado cristão, começou-se a dizer que o papa tinha um poder maior, que, no entanto, se expressava nas mesmas formas que o poder do imperador. Surgiu o que hoje chamamos de "clericalismo": havia aqueles que se consideravam mais cristãos do que os outros.
Para resumir a história, do século IV em diante herdamos essa nova maneira de ser Igreja de maioria, que se traduziu em muitas formas estruturais externas. A Igreja se ramificou em todos os territórios, cobrindo-os inteiramente com seus serviços. Em um determinado momento, chegou-se a pensar que a missão de evangelização havia sido cumprida, ou seja, que não havia mais ninguém para converter. Somente a descoberta das Américas reativou a ideia do anúncio.
Nos últimos séculos, sob os golpes da cultura moderna, a sobreposição entre a sociedade civil e a Igreja começou a se romper. A teologia do século XIX e, principalmente, do século XX, o magistério do século passado, especialmente graças ao grande evento na Igreja que foi o Concílio Vaticano II, começaram a perceber que era necessário repensar a Igreja não mais de acordo com o modelo da "cristandade" majoritária.
Quando terminou a época constantiniana, a época da cristandade, abriu-se a fase da "pós-cristandade". Sessenta anos se passaram desde o Concílio. Foi uma longa história, mas hoje devemos estar cientes de que somos a mesma Igreja de sempre, apenas com formas renovadas. Voltamos a ser uma Igreja - pode-se dizer - mais parecida com aquela dos primórdios da história cristã.
O grande esforço que precisamos enfrentar hoje é o de nos repensar, não sendo mais a totalidade, talvez nem mesmo a maioria. Redescobrindo o frescor dos primórdios, quando os cristãos eram uma minoria. Sabemos que estamos em um vau, em um momento de passagem: o que herdamos, o modo de ser Igreja dos séculos passados, não existe mais. É uma questão de passar para outra forma, uma que, porém, ainda não temos em mente e, especialmente, não temos na carne. Essa situação pode gerar alguma desorientação, algum medo.
Mas não deve criar desorientação demais, pensando que no centro da Igreja, nos primórdios como na longa temporada que atravessamos, continua a estar o mesmo Jesus Cristo, morto e ressuscitado. Hoje, a Igreja na Europa continua a ser reconhecida como uma instituição muito importante. Por exemplo, no que diz respeito ao engajamento social. O papa é invocado como autoridade mundial, como mediador para a paz na Ucrânia, é uma autoridade reconhecida muito além do mundo cristão.
Por outro lado, a Igreja está perdendo sua capacidade de informar os comportamentos das massas: estou pensando nas chamadas questões éticas, na questão da afetividade, na defesa da vida. Nessas questões, a Igreja tem cada vez menos incidência sobre a opinião pública e muito pouca sobre os comportamentos.
Estou convencido de que no mundo de hoje, e também no de amanhã, a Igreja que se tornou minoria continuará a colaborar de mil maneiras na vida dos homens e a intervir onde houver pobrezas e humilhações. Isso acontecerá exatamente em nome do Evangelho de Jesus Cristo. Uma bela página dos Atos dos Apóstolos relata que Jesus passou curando e beneficiando a todos: pode-se oferecer o bem trazido por Jesus se decidirmos viver da mesma maneira, com a mesma predileção que Jesus tinha pelos últimos, sejam eles quem forem. Digo isso tendo em mente a pobreza material, mas também a pobreza espiritual. Com relação ao empenho social, para continuarmos a ser a Igreja de Jesus Cristo e sermos vigilantes, teremos que prestar muita atenção no futuro para não nos contentarmos em operar uma "pseudocaridade", separada da adesão a Jesus. A Igreja não pode se limitar a ajudar os pobres, terá de ser profética para não se limitar a socorrer as vítimas da sociedade hipercapitalista, que torna os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Uma Igreja radicada em Jesus, mesmo que minoritária, não se conformará em manter o status quo e trabalhará para projetar uma sociedade mais justa e equitativa sem pessoas estruturalmente condenadas à marginalidade.
Eu gostaria de acrescentar mais algumas observações sobre o futuro da Igreja.
Acredito que devemos ser duplamente cuidadosos: em primeiro lugar, oferecer o nosso patrimônio, que é o patrimônio do Evangelho; depois, propor a beleza de uma vida boa, que seja humanizadora em todos os níveis. Todos nós deveríamos redescobrir a consciência de que a nossa ética (por exemplo, sobre a defesa da vida) tem uma raiz cristológica e teológica. A ética e a vida boa nascem da adesão a Jesus Cristo, o Bom por excelência. E da visão e da fé no Deus que Jesus Cristo nos permitiu encontrar. Hoje não me preocupo com o fato de a Igreja se tornar uma minoria, mas com o fato de não se perceber que o DNA da Igreja é Jesus Cristo. De onde também deriva a ética.
Também nos perguntamos para onde foram os jovens que abandonaram as igrejas. Como podemos anunciar a beleza de aderir a Jesus Cristo para as novas gerações, que nem sequer se fazem essa pergunta? A Igreja de hoje não é apenas minoritária, mas em forte envelhecimento.
Na verdade, não apenas a Igreja, mas toda a sociedade ocidental está em forte envelhecimento. Os motivos são muitos. Há pouca confiança na vida e no futuro, vivemos poucos horizontes de esperança, em parte porque estamos imersos em uma cultura que não oferece brechas de esperança. Permanecer despertos para a cultura niilista é uma das grandes tarefas dos cristãos neste tempo. A pouca adesão dos jovens à experiência cristã me faz pensar que a Igreja hoje não é mais percebida como recurso espiritual. É uma pobreza grave, se considerarmos a extraordinária riqueza de nossa tradição espiritual.
Mais do que pelos autores cristãos do nosso tempo, fico fascinado quando pego nas mãos os textos dos escritores medievais, dos Padres da Igreja: encontro neles fontes infinitas, que quase ninguém conhece. Tenho a sensação de que ninguém mais recorre a essas fontes. Isso se deve ao fato de vivermos um cristianismo que não oferece verdadeiros caminhos de espiritualidade. Os jovens pedem propostas elevadas. Mas, repito, a Igreja só pode oferecer o que ela vive. Um filósofo francês que aprecio muito, Gabriel Marcel, distinguia a esperança do otimismo. É uma distinção muito sutil. O otimismo é pensar que as coisas estão indo bem. A esperança, por outro lado, é acreditar que há uma salvação, mesmo quando vemos que as coisas não estão indo bem. Atualmente, na Grã-Bretanha, de acordo com uma pesquisa recente, menos de 50% das pessoas afirmam ser cristãs, mas está surgindo uma forte busca por espiritualidade. É uma demanda que está crescendo entre as pessoas de nosso tempo, tão frenético e barulhento, uma necessidade de silêncio, uma busca de paz e harmonia interior. Mesmo entre as pessoas que não pertencem à Igreja.
Em última análise, acredito que muitos cristãos não sentem mais a urgência ou a beleza de anunciar e testemunhar Jesus Cristo aos outros. Acredito que, de maneira sutil, muitos cristãos assumem o niilismo contemporâneo, ou, se preferirem, aquela forma de niilismo que é o relaxamento absoluto, o relativismo.
Uma coisa vale a outra. Mas eu não vou ficar na Igreja e não sou vou ser cristão se uma coisa vale a outra. Eu sou cristão porque acredito com toda firmeza no que Pedro diz no livro de Atos: que não há outro nome em que haja salvação além de Jesus Cristo. Peço perdão, mas por menos do que isso eu não conseguiria ser cristão.
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Reflexões sobre a Igreja do futuro. Artigo de Roberto Repole - Instituto Humanitas Unisinos - IHU