16 Novembro 2018
Daniel e Jesus mostram-se conscientes do tempo presente, enquanto testemunham as violências infligidas pelos poderes reinantes. Tanto assim que ambos lançam vibrante apelo à esperança, na certeza de que a salvação de Deus prevalecerá. No evangelho, o Cristo nos adverte da terrível tribulação que precederá o seu retorno; tribulação "tal como não houve desde o princípio do mundo" (Marcos 13,19). Tribulações, no entanto, não têm faltado na história humana! Vamos, então, assumir as palavras do salmista, para delas viver: "Ó Deus, em vós me refugio".
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 33º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo B (18 de novembro de 2018). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas
1ª leitura: «Neste tempo, teu povo será salvo» (Daniel 12,1-3).
Salmo: Sl.15(16) - R/ Guarda-me, ó Deus, porque em vós me refugio!
2ª leitura: «Com esta única oferenda, levou à perfeição definitiva os que ele santifica» (Hebreus 10,11-14.18).
Evangelho: «Reunirá os eleitos de Deus de uma extremidade à outra da terra» (Marcos 13,24-32).
O evangelho de hoje, assim como as passagens paralelas a ele, em Mateus 24 e Lucas 21, é chamado de "escatológico"; significa referido ao final dos tempos. Textos deste gênero podem também ser chamados de "apocalípticos"; apocalipse significando "revelação", desvelamento.
Devemos dizer, portanto, tratar-se de revelações relativas ao final dos tempos, gênero literário também encontrado no Antigo Testamento, particularmente em Ezequiel e Daniel. Alguns destes textos anunciam catástrofes de tipo "sobrenatural", como o evangelho de hoje; outros falam de terremotos, tsunamis, guerras generalizadas e perseguições aos crentes, ou seja, coisas todas que temos experimentado. Mas o Apocalipse de João exprime tudo isso numa linguagem simbólica, que faz desta "revelação" uma mensagem um tanto obscura!
Paulo não se dedica muito a este gênero literário; contenta-se com escrever, em Romanos 8,22, que “a criação inteira geme e sofre as dores de parto”. Não coloca estas dores no futuro, mas no presente. E mais, não se trata de nenhuma destruição, mas de dar a luz, de alcançar a perfeição da criação. Devemos compreender que os apocalipses nos querem dizer que tudo o que temos de viver tem um sentido, uma face escondida; e que tudo acontece como se Deus, aparentemente vencido pelo mal, tomasse de fato o poder, utilizando para isso tudo de que há de nocivo, tudo o que é contrário ao amor.
Na aparência, estas passagens das Escrituras são promessas de sofrimentos e desgraças. Mas, na realidade, elas nos revelam o sentido do que vivemos todos os dias. Em primeiro lugar, nosso conflito com a natureza, que não cessa de nos atingir e que, por fim, nos reduzirá ao pó. Acrescente-se a isto o conflito que divide os homens; por interesse, por inveja, por vontade de dominar, que são provenientes do medo de não ser senhor da situação ou como demonstração de superioridade... Para resumir, vivemos num universo profundamente dividido; homicida, portanto. É inútil que coloquemos isto no futuro: o final dos tempos já está aqui. Ele, de qualquer forma, nos domina. Nossos textos dizem que este imenso conflito não se atenuará, mas seguirá em direção ao paroxismo, na medida em que vai se aproximando de seu final.
Quanto a cada um de nós - o que vale também para todos nós, enquanto vamo-nos tornando um só corpo -, atravessamos o limite que nos separa da paz definitiva cada vez que aceitamos fazer do amor a nossa lei. Isto que chamamos de eternidade está, portanto, à nossa porta. É de alguma forma o inverso do cenário que hoje visualizamos; cenário tantas vezes catastrófico. Insisto novamente, tem-nos sido dito que tudo, até mesmo o que existe de pior, é usado por Deus para fazer-nos ter acesso ao reino da alegria.
Mas, atenção! Que tudo seja usado por Ele não significa que tenha sido feito por Ele. Deus é inocente quanto ao nosso mal. Mas faz disto um instrumento para o que chamamos de "salvação". Quanto ao mais, tudo já está revelado na Paixão do Cristo. Paixão esta que contém todas as nossas paixões: este é o verdadeiro Apocalipse.
Os textos de hoje nos apresentam o caos atual e o que está por vir como o lugar da vitória de Cristo. O que confirma, numa outra linguagem, o que acaba de ser dito. Portanto, tudo "vai acabar bem". Quando estamos mergulhados no luto, no absurdo, no insustentável, estamos diante da escolha entre a fé na vida, n’Este que é a vida, e a morte. Conforme diz Paulo, na passagem já citada (Romanos 9,22 e seguintes), a criação está sempre a caminho e nós também estamos a caminho.
É preciso escolher crer, mas também a nossa própria fé está a caminho e só atingirá a sua plenitude quando desaparecer, dando lugar à visão, à experiência vivida. A nossa fé atual já é como que uma incursão neste domínio radioso da verdade por fim totalmente revelada. A nossa fé não se sustenta em coisas, mas em Alguém. Fé e amor estão de fato ligados (lembrar a antiga expressão "pôr fé" para declarar amor).
Por isso as passagens apocalípticas dos evangelhos falam todas na volta do Cristo ou, ainda melhor, no seu advento, a propósito das catástrofes naturais ou humanas que descrevem. O Cristo com certeza já veio, mas foi para fazer suas todas as nossas tribulações. E, fazendo-as suas, arrebatou-as, assumiu-as e eliminou-as. Isto que agora nos é anunciado é que, tendo feito suas as nossas angústias, Ele vem fazer nossa a sua própria glória.
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A salvação de Deus prevalecerá - Instituto Humanitas Unisinos - IHU