07 Mai 2022
“Ainda tenho esperança de que o catolicismo em geral e as várias tradições espirituais dentro dele (como a tradição franciscana) possam oferecer recursos para construção de sentido e pertencimento religioso para mulheres e homens contemporâneos. Que tantos jovens continuem a reconhecer uma dimensão espiritual em suas vidas é um sinal de esperança de que eles também estão buscando a linguagem e as estruturas que as tradições religiosas podem fornecer”, escreve Daniel P. Horan, franciscano estadunidense, diretor do Centro de Espiritualidade e professor de Filosofia, Estudos Religiosos e Teologia no Saint Mary’s College, nos Estados Unidos, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 04-05-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Líderes da Igreja muitas vezes se contorcem de medo de que reter a condenação pública de indivíduos sobre sexualidade, política, comunhão ou alguma outra questão possa ser a fonte potencial de “escândalo” para os fiéis. No entanto, muitos jovens adultos, católicos filiados e não filiados, regularmente apontam para tais condenações – particularmente quando estas visam os mais vulneráveis e marginalizados – como o verdadeiro obstáculo à fé em geral e a filiação religiosa em particular.
O encontro pré-sinodal de 2018 de jovens em todo o mundo carrega o testemunho disso. O documento final, composto pelos próprios jovens à convite do Papa Francisco para o Sínodo dos Bispos sobre os jovens, diz: “Muitos jovens perderam a confiança nas instituições, deixando suas religiões organizadas e não veem a si como ‘religiosos’. No entanto, os jovens são abertos ao espiritual”.
Eles acrescentam: “os escândalos atribuídos à Igreja afetam a confiança dos jovens na Igreja e nas instituições tradicionais que pertencem a ela”.
Pelo menos nos últimos quatro anos desde que o documento fora publicado, e talvez até mais, eu tenho pensado sobre a expressão “espiritual, mas não religioso”. Parte disso tem a ver com a minha identidade como ministro pastoral, um frei franciscano e padre católico. Nessa função, eu estava inicialmente inclinado como muitos outros ministros ordenados e leigos comprometidos em servir à Igreja para ser pessimista e ver tais frases como os bichos-papões perenes de nosso tempo: individualismo, relativismo, consumismo e assim por diante.
Eu admito que isso me preocupou um pouco e aparentou ser um sinal de que um número crescente de pessoas – especialmente jovens – estavam rejeitando uma tradição e uma instituição que eu me preocupava profundamente.
Ao mesmo tempo, eu também estava procurando em pesquisas sociológicas a autoidentificação do número crescente de pessoas através das lentes de um teólogo e estudioso da espiritualidade. E a combinação da minha avaliação acadêmica profissional e ministério pastoral com os jovens começou a me levar a uma perspectiva muito diferente, até mais otimista.
Por muito tempo, pastores e pais preocupavam-se com a rejeição ostensiva do “que é religioso”, essa segunda parte da frase de autoidentificação, a qual prenuncia coisas ruins para instituições tradicionais de pertencimento religiosos. Para muitas pessoas, isso é visto como o ponto mais importante na frase, se sobrepondo ao que é, a meu ver, muito mais significativo.
E se nos concentrarmos primeiro no abraço da identidade como “espiritual”?
E se nosso ponto de partida para pensar sobre o que significa ser uma pessoa em comunhão com Deus, consigo mesmo e com o mundo não se reduzisse a expressões externas de pertencimento institucional, mas começasse com atenção à capacidade inerente do ser humano para Deus?
Lembro-me de algo dito pelo Missionário Oblato de Maria Imaculada, padre Ronald Rolheiser, no início de seu livro “The Holy Longing: The Search for a Christian Spirituality”: “A espiritualidade não é algo à margem, uma opção para aqueles com uma inclinação particular. Nenhum de nós tem escolha. Todos têm uma espiritualidade, seja vivificante ou destrutiva”.
Seguindo a tradição de Santo Agostinho de Hipona, Rolheiser prossegue dizendo corretamente que a espiritualidade é outra maneira de descrever o desejo intrínseco ou paixão com que fomos criados pelo divino. Rolheiser acrescenta:
“Portanto, a espiritualidade não é sobre escolher serenamente ou racionalmente escolher certas atividades espirituais como ir à igreja, orar ou meditar, ler livros espirituais ou partir em alguma busca espiritual explícita. É muito mais básico do que isso. Muito antes de fazermos qualquer coisa religiosa, temos que fazer algo sobre o fogo que queima dentro de nós. O que fazemos com esse fogo, como o canalizamos, é nossa espiritualidade”.
Todos os humanos anseiam por relacionamento com Deus, mas nem todos acham que as formas tradicionais de pertencimento institucional apoiam, aprofundam ou sustentam uma vida espiritual de oração e ação de acordo com a revelação de Deus em Jesus Cristo. Infelizmente, até mesmo irritantemente, às vezes a instituição – e os membros e líderes que se identificam com ela – realmente cria impedimentos para uma vida autêntica de fé e relacionamento com Deus.
Isso não deveria ser tão chocante, uma vez que os Evangelhos estão repletos precisamente dessa dinâmica contraintuitiva em jogo durante o ministério terreno de Jesus. O obstáculo número 1 ao relacionamento entre aqueles no tempo de Jesus e o próprio Jesus são, na verdade, seus discípulos! Eles brigam sobre quem entre eles é mais importante (por exemplo, Mateus 18, 1-5; Marcos 9, 33-37; Lucas 9, 46-48), eles tentam encerrar aqueles que ministram em nome de Jesus, mas sem sua permissão (por exemplo, Marcos 9, 38-41; Lucas 9, 49-50), eles tentam afastar as multidões de Jesus em vez de prover para as pessoas (por exemplo, Mateus 14, 15-16; Marcos 6, 35-37; Lucas 9, 12-13), e procuram impedir que os pais levem seus filhos a Jesus (por exemplo, Mateus 19, 13-15; Marcos 10, 13-16; Lucas 18, 15-17).
Não estou, portanto, nada surpreso que muitas pessoas, especialmente jovens adultos, achem que os líderes da Igreja parecem muito mais interessados em abraçar as identidades da guerra cultural e dedicar tempo a quais oponentes políticos eles desejam condenar, em vez de abraçar os mais marginalizados e oprimidos do mundo em nossas comunidades. Esses líderes da Igreja de fato parecem ser os sucessores dos apóstolos, mas principalmente em termos dos esforços dos apóstolos para se tornarem os mais importantes e impedir outros de se relacionarem com Jesus.
Isso, para os jovens, é um obstáculo, uma pedra de tropeço, um escândalo que os impede de ser uma pessoa “religiosa”.
E, no entanto, muitos dos mesmos que buscam a espiritualidade continuam a reconhecer um anseio sagrado dentro deles. Deus continua a aproximar-se deles e a convidá-los para um relacionamento. O problema é que, como os jovens de 2018 afirmam em seu documento, muitos dos que se afastaram de suas religiões lutam hoje para encontrar linguagem e fontes de significado para interpretar suas vidas espirituais em um contexto em que as instituições tradicionais não são mais suficientes.
Como escrevi em um artigo acadêmico no ano passado, ainda tenho esperança de que o catolicismo em geral e as várias tradições espirituais dentro dele (como a tradição franciscana) possam oferecer recursos para construção de sentido e pertencimento religioso para mulheres e homens contemporâneos. Que tantos jovens continuem a reconhecer uma dimensão espiritual em suas vidas é um sinal de esperança de que eles também estão buscando a linguagem e as estruturas que as tradições religiosas podem fornecer.
Mas para chegar lá, temos que enfrentar os verdadeiros escândalos das instituições religiosas contemporâneas, incluindo o fracasso em reconhecer e assumir a responsabilidade pelo abuso sexual e seu encobrimento; respeito inadequado e oportunidades abertas às mulheres na liderança e ministérios da Igreja; discriminação contra pessoas LGBTQIA+; recursos insuficientes e atenção dada a crises éticas urgentes na sociedade além do aborto (como a situação de imigrantes e refugiados, desigualdade de renda, mudança climática global e outros); e, como os jovens em 2018 deixam claro, a ausência de caminhos para que os jovens assumam papéis de liderança na Igreja e sejam acompanhados por mentores na fé e no ministério que os tratam como os adultos que são.
Portanto, talvez a expressão “sou espiritual, mas não religioso” não seja tão ameaçadora nem tão ruim quanto muitas pessoas pensam que é. Na verdade, pode ser um grande sinal de possibilidade e esperança.
O essencial será que aqueles em posições de liderança da Igreja reconheçam o trabalho do Espírito Santo nas vidas dos que buscam a espiritualidade, escutando-os, aprendendo com eles, encontrando-os onde eles estão e caminhando junto com eles no espírito de acompanhamento a Deus que é o chamado para a vida da Igreja. Talvez então, abraçar a “parte religiosa” não será uma desafio tão grande para a próxima geração.
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Talvez ser “espiritual mas não religioso” não seja algo tão ruim. Artigo de Daniel P. Horan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU