11 Novembro 2020
“Não nos iludamos, a verdadeira fé hoje não está na tensa defesa de práticas que legitimamente valorizamos, mas que, em suas formas tradicionais, estão ruindo. Em vez disso, tem a ver com confiança e generosidade que nos torna criativos em novas formas de vida comunitária. A fé também se realiza em solidariedade com uma sociedade cheia de emergências, que é o lugar onde os cristãos se encontram Aquele de quem recebem a vida e a missão”, escrevem as francesas Monique Baujard, candidata ao doutorado em Teologia, e Anne-Marie Pelletier, biblista e primeira mulher a ganhar o Prêmio Ratzinger de Sagrada Escritura, em artigo publicado por La Croix, 09-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Poderíamos nos somar aos protestos desavergonhados e às demandas que circulam na sociedade e na Igreja?
Talvez sim, considerando que alguns católicos têm reclamado o suficiente para obter uma exceção ao lockdown, enquanto outras religiões o aceitaram
Isso é como nós tomamos parte na cacofonia e confusão em torno da defesa dessas liberdades.
Para cada um, em sua própria religião. Há também um secularismo cujo carro-chefe ambíguo seria o direito à blasfêmia. Depois, há aqueles que, muito simplesmente, defendem o “culto” com acentos de piedade indiscutível.
Católicos estão fazendo com que se conheça que eles têm direito de “ir à Missa”, uma liberdade inegociável. É tão inegociável que levaram o caso aos tribunais, para confundir um Estado francês, que declaram estar em guerra contra os católicos.
É uma grave inconsistência em um momento em que devemos nos unir – todos nós – para defender um secularismo legítimo contra a ameaça do comunitarismo.
É como se uma forma de trumpismo estivesse insidiosamente conquistando a mente das pessoas, dividindo a sociedade, aprofundando a desconfiança do outro e fazendo com que as pessoas se barricassem em uma identidade que afirmam estar sendo ameaçada.
Como nós podemos verdadeiramente assumir, isso é, dizer de uma forma evangélica, nossa missão como cristãos no mundo?
Como nós podemos fazer isso em um mundo agitado pelo medo, ódio e frustração? Onde a praga da desinformação e manipulação de mentes está ativa como o vírus. Onde o islamismo radical alegremente recruta para semear terror. E onde o cotidiano do povo francês, tendo como pano de fundo uma pandemia sem fim, está repleta de medo do desemprego, da pobreza e da agitação, que tragicamente deixam os jovens às voltas com um amanhã que não tem futuro.
É precisamente neste contexto que está a questão sobre como viver como cristãos.
Como ser carregadores de esperança contra toda desesperança. Como ser testemunhas do Ressuscitado diante de tanto desespero e aumento das mortes.
Quem contestará que devemos extrair nossa fidelidade e nossa energia da fonte, isto é, de Cristo? Quem contestará que a vida sacramental é a forma mais natural de relacionamento?
Mas desde que não permitamos que esta verdade seja contaminada por aqueles que têm a mente estreita, que gostariam que não houvesse vida cristã, exceto frequentando a Igreja de acordo com os protocolos dos tempos normais.
E quem diria, em particular, atribuir a relação com Cristo a uma devota participação na missa celebrada pelos sacerdotes, presencial ou virtualmente?
Talvez seja hora de ouvir novamente a história de Jeremias que, em uma hora de perigo, recebeu a ordem divina de ir ao templo para desafiar aqueles que o transformaram em um talismã protetor.
Pare de invocar o “Templo do Senhor”. Outro tipo de fidelidade é exigida de Israel nesta hora de crise!
E isso não está alheio à nossa situação atual.
Certamente, é a Eucaristia que faz a Igreja quando a Igreja celebra a Eucaristia.
Mas é errado afirmar que a Eucaristia é o único meio pelo qual um cristão compartilha a vida de Cristo e faz parte de sua missão.
Este é o mesmo raciocínio que a Igreja institucional usou para ajudar a explicar suas razões para negar a Eucaristia a católicos divorciados e recasados.
A privação temporária da Eucaristia pode ser uma oportunidade salutar para que todos possam recuperar a consciência de que a Palavra de Deus é, de modo igualmente necessário, a mesa da vida.
É suficiente também que dois ou três se reúnam em nome de Cristo e abram juntos as Escrituras, para que o viajante anônimo da estrada de Emaús esteja presente para iluminar seus corações.
Este deve ser o pré-requisito para todas as partilhas do pão que a Igreja celebra.
Esta é uma boa oportunidade para experimentar a Igreja como uma comunidade de discipulado de uma nova maneira.
É uma chance de lembrar um ao outro que não é cristão por se enrolar interiormente, mas por sair como Cristo saiu do Evangelho.
Pois a missão que os cristãos receberam tem um nome. Como nos lembra a Fratelli Tutti, é fraternidade! Irmandade e sororidade!
Longe de ser apenas um ideal humanista, é – como nos ensina a Primeira Carta de São João – a verificação do amor de Deus. E é, portanto, uma realidade cristã com densidade mística!
É também o antídoto para a nossa retirada, o que apenas reforça a relegação da crença religiosa à esfera privada.
Não nos iludamos, a verdadeira fé hoje não está na tensa defesa de práticas que legitimamente valorizamos, mas que, em suas formas tradicionais, estão ruindo.
Em vez disso, tem a ver com confiança e generosidade que nos torna criativos em novas formas de vida comunitária.
A fé também se realiza em solidariedade com uma sociedade cheia de emergências, que é o lugar onde os cristãos se encontram Aquele de quem recebem a vida e a missão.
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Há salvação fora da Missa? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU