08 Agosto 2024
"Ao falso histórico soma-se o falso teológico sobre a exclusividade da salvação, que seria reservada apenas para aqueles que se dirigem a Deus em nome de Jesus. Trata-se de um falso "teológico" porque tal versículo do Novo Testamento contrasta abertamente com o pensamento de Jesus, que sempre vinculou a salvação à prática do bem e da justiça, não a ritos ou invocações particulares", escreve Vito Mancuso, ex-professor da Universidade San Raffaele, de Milão, e da Universidade de Pádua, em artigo publicado por La Stampa, 07-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma frase do Arcebispo de Turim, Roberto Repole (em um artigo para a última edição da revista Vita e pensiero publicada em parte ontem por La Stampa na Cronaca di Torino) despertou-me primeiro curiosidade e, em seguida, preocupação. Aqui estão suas palavras finais: "Eu sou cristão porque acredito com toda firmeza no que Pedro diz no livro de Atos: que não há outro nome em que haja salvação além de Jesus Cristo. Peço perdão, mas por menos do que isso eu não conseguiria ser cristão". Em si, nada de novo, apenas a repetição do anúncio cristão como vem sendo feito há dois mil anos. Mas por que então aquela estranha locução "Peço perdão"? A quem? E do quê? Na realidade, por trás da repetição da perspectiva tradicional, há uma consciência de um problema que se tornou muito quente em nossos dias e que pode ser expresso da seguinte forma: será que realmente não existe outro nome além do de Jesus para a salvação dos seres humanos? Realmente se salvam (seja lá o que significa "salvar-se") somente os cristãos? Realmente são excluídos da salvação todos aqueles que não invocam o nome de Jesus, e que são a maioria da humanidade no passado, no presente e no futuro?
Será que Deus realmente se recusa a salvar aqueles que o invocam dirigindo-se a ele com o nome de outros? Ou aqueles que não oram a ele, mas praticam a vida espiritual, como os budistas e os jainistas? Ou mesmo aqueles que o negam, mas servem ao bem com uma conduta moral irrepreensível, lutando contra as injustiças e as desigualdades? O artigo de Repole é intitulado Reflexões sobre a Igreja do Futuro e se baseia na situação muito preocupante do cristianismo atual. A esse respeito, o arcebispo escreve: "A Igreja de hoje não é apenas minoritária, mas em rápido envelhecimento"; além disso: "A pouca adesão dos jovens à experiência cristã me faz pensar que a Igreja hoje não é mais percebida como recurso espiritual "; finalmente: "Vivemos um cristianismo que não oferece verdadeiros caminhos de espiritualidade". É inegável, a situação está diante dos olhos de todos; pelo menos, de todos que honestamente querem ver. Mas há uma afirmação ainda mais incisiva de Repole que merece um destaque especial: "Sabemos que estamos em um vau, em um momento de passagem: o que herdamos, o modo de ser Igreja dos séculos passados, não existe mais. É uma questão de passar para outra forma, uma que, porém, ainda não temos em mente e, especialmente, não temos na carne". Sim, o ponto é este: a tradição cristã não existe mais e é uma questão de atravessar o vau. Ela resiste nos livros e nas fórmulas dogmáticas, mas não existe mais nos corações dos seres humanos, e não apenas dos jovens.
É por isso que os responsáveis eclesiásticos propõem as fórmulas tradicionais, mas sua proposta "não é mais percebida como recurso espiritual". O arcebispo percebe isso muito bem. E prossegue propondo os dados de uma pesquisa realizada na Grã-Bretanha, segundo a qual "menos de 50% das pessoas se declaram cristãs, porém está surgindo uma forte busca pela espiritualidade". Menos cristianismo, mais espiritualidade. O que vale para a Grã-Bretanha vale para todo o Ocidente: a separação entre religião cristã e espiritualidade é a novidade realmente clamorosa. O que, para a Igreja, é simplesmente chocante, pois significa que ela não sabe mais interceptar o principal motivo que sempre levou os seres humanos a acreditar em Deus e a ter uma religião. Hoje, no Ocidente, há cada vez menos pessoas que, querendo seriamente cultivar a dimensão espiritual na sua existência, se voltam para a Igreja Católica e, em geral, para as Igrejas cristãs. Essa separação entre proposta religiosa cristã e busca espiritual contemporânea é o dado, o ponto, eu diria o sinal, que marca a situação inédita dos nossos dias, tão difíceis quanto inquietos e surpreendentes. Há uma demanda crescente de sentido e de espiritualidade, mas a oferta cristã no Ocidente (não é o mesmo em outras partes do mundo) é cada vez mais irrelevante e cada vez menos capaz de falar à inquietude dos corações.
Agora, no entanto, é necessário voltar à frase de Repole da qual parti, porque o que resulta muito problemático aos meus olhos é que, após a lucidez da análise, a terapia sugerida mais uma vez consiste na costumeira orientação do cristianismo tradicional (que é o verdadeiro motivo da crise cristã): a ideia de que "não há salvação em mais ninguém". A um mundo que busca unidade, diálogo e pluralismo, mais uma vez é oferecido aquele exclusivismo teológico que, ao longo dos séculos, produziu divisões, perseguições e, não raro, violências e guerras religiosas. Em ninguém mais existe salvação? Realmente? Então Gandhi, Martin Buber e o Dalai Lama estão excluídos da salvação? Santo Agostinho e os concílios ecumênicos pensavam assim, mas a consciência sente que se trata de uma injustiça, aliás já percebida por Orígenes no século III e por muitos outros místicos e teólogos depois dele. Até agora, os homens da Igreja sempre escolheram o dogma e não a consciência, e a situação a que essa escolha levou é aquela descrita por Repole. Querem continuar assim? Que continuem: o problema, que fique claro, não é com o mundo, que segue no seu caminho, mas com o cristianismo, cujas igrejas permanecem vazias.
A frase do livro de Atos dos Apóstolos que Repole cita é proferida pelo apóstolo Pedro às autoridades judaicas, às quais ele diz que fala "em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, a quem vós crucificastes". Essas palavras representam uma flagrante falsidade histórica, pois é bem sabido que não foram as autoridades judaicas que crucificaram Jesus, mas os romanos, como demonstra, em primeiro lugar, a própria cruz que era sua punição mais infame. Ao falso histórico soma-se o falso teológico sobre a exclusividade da salvação, que seria reservada apenas para aqueles que se dirigem a Deus em nome de Jesus. Trata-se de um falso "teológico" porque tal versículo do Novo Testamento contrasta abertamente com o pensamento de Jesus, que sempre vinculou a salvação à prática do bem e da justiça, não a ritos ou invocações particulares. Entre as muitas passagens do Evangelho, cito a famosa cena do Juízo Final: "Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me" (Mateus 25,34-35).
Aqui, a participação na salvação não é para aqueles que invocaram o nome de Jesus, mas para aqueles que praticaram o bem: ou seja, ela deriva da ética, não da religião, e é, portanto, universal. Há palavras semelhantes em um livro do antigo Egito escrito mil e quinhentos anos antes de Jesus, palavras que a alma pronuncia antes de ser pesada na balança de Osíris para passar para a vida eterna ou para o nada definitivo: "Dei pão ao faminto, água ao sedento, roupas ao nu, um barco ao que não tinha nenhum" (Livro dos Mortos, capítulo 125). Poder-se-ia citar textos gregos, romanos, hindus, budistas, muçulmanos, taoístas e de outras religiões, bem como textos filosóficos e literários da busca espiritual laica, voltada para o cultivo do bem e da justiça pelo simples amor do bem e da justiça, o que nada mais é do que uma maneira diferente de honrar aquela emoção inefável que os seres humanos às vezes sentem quando se deparam com o mistério da vida e seus grandes valores.
Essa é a espiritualidade nova e, ao mesmo tempo, antiquíssima, arquetípica e primitiva, universal e, como tal, unitária, que está surgindo no mundo, em relação à qual o cristianismo, como todas as outras religiões, deveria humildemente colocar-se a serviço, abandonando toda pretensão de primazia e de exclusividade. Acredito que o arcebispo de Turim sinta tudo isso em seu íntimo. E talvez essa tenha sido justamente a razão pela qual, ao encerrar seu artigo com a reproposta do tradicional exclusivismo cristão, tenha sentido a necessidade de dizer: "Peço perdão".
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Caro Repole, você está errado, nossa salvação não se encontra somente em Jesus Cristo. Menos cristianismo, mais espiritualidade. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU