27 Julho 2019
“Para Gandhi, na luta por uma sociedade livre, tão importante quanto a ação política contra o inimigo externo era a ação interna de educar os cidadãos nos valores da não-violência e da cooperação”, escreve Mario López Areu, professor de Relações Internacionais, da Pontifícia Universidade Comillas, em artigo publicado por El Diario, 25-07-2019.A tradução é do Cepat.
A Índia se encontra este ano mergulhada na celebração do 150º aniversário do nascimento daquele que é considerado o pai da nação, Mahatma Gandhi (1869-1948). O governo indiano desenvolveu um programa oficial de atividades nacionais e internacionais, ciente do valor da figura de Gandhi para a imagem dessa potência emergente. Na Espanha, a Casa da Índia, em colaboração com a embaixada do país, também organizou um programa comemorativo.
A efeméride oferece uma boa oportunidade para examinar o valor da visão dessa importante figura histórica. Gandhi é um personagem muito reconhecido, mas pouco conhecido no Ocidente e particularmente na Espanha. Aqui, a imagem que temos dele é fundamentalmente orientalista, usando o conceito de Edward Said, exemplificada em suas distintas sandálias e dhoti, a túnica drapeada comumente usada na Índia, e seu discurso espiritual e moralista. No entanto, como personagem histórico, Gandhi é muito mais do que a imagem simplificada e romântica que temos dele: trata-se de um pensador e ativista com uma teoria sociopolítica moderna e radical.
A teoria sociopolítica de Gandhi tem como pilares fundamentais quatro conceitos: swaraj (autogoverno), satyagraha (ação não violenta), swadeshi (autoconfiança) e ramrajya (sociedade moral).
Swaraj era o termo usado pelo movimento anticolonialista indiano para se referir à demanda pela independência da Índia do Império Britânico. Como membro destacado desse movimento, Gandhi fez uso do mesmo, mas em sua visão política, o significado de swaraj é mais rico e complexo. Para ele, uma Índia verdadeiramente livre não apenas significava acabar com a ocupação colonial, o autogoverno político, mas também exigia a construção de uma sociedade formada por cidadãos comprometidos civicamente com o bem-estar coletivo por meio da retidão moral.
Gandhi estabeleceu, portanto, uma interdependência entre o autogoverno político, a conquista da soberania nacional e o autogoverno individual do cidadão comprometido com a coexistência e o bem-estar geral.
Essa concepção da sociedade livre de Gandhi emana de sua crítica ao ideal ocidental da sociedade livre. Para Gandhi, as sociedades ocidentais modernas são construídas sobre os valores do materialismo e da competição, que acabam engendrando a violência, seja contra outras nações - na forma de guerras ou colonialismo - ou contra seus próprios cidadãos - na forma de exploração do trabalho -, ou contra o meio ambiente - por meio de crescimento insustentável.
Diante desse modelo de sociedade ocidental, cujos valores fomentam a violência e que, portanto, acabam por negar a liberdade, Gandhi articula um modelo alternativo, ramrajya ou sociedade moral, baseado nos valores da não-violência e da cooperação.
Satyagraha, ou a força da alma, é a antítese da força bruta ou da violência, se a segunda é a força do modelo da sociedade ocidental, a primeira é sua alternativa.
Para Gandhi, satyagraha é a capacidade do ser humano de sentir compaixão e afeição pelo adversário em um conflito, o que significa que diante da força bruta, que busca derrotá-lo, satyagraha exercita o autocontrole, reprime qualquer desejo de exercer violência e busca uma solução pacífica para o conflito através da compreensão.
Satyagraha é, portanto, a disposição humana que permite a sociabilidade pacífica através da imposição moral de limites às nossas ambições pessoais.
Swadeshi, ou autossuficiência, é um princípio que defende a cooperação como a base do sistema econômico e político. O princípio exalta a aldeia como uma forma de associação social ideal. Um grupo limitado de pessoas que cooperam de maneira íntima e construtiva para melhorar sua vida coletiva através do uso sustentável de seu entorno mais imediato. Swadeshi, o local, é a única maneira de garantir uma convivência baseada no princípio da não-violência, sem exploração humana, nem ambiental.
O legado de Gandhi não é somente importante porque articulou uma visão alternativa à concepção dominante da sociedade. Seu ativismo político também esteve sempre orientado a cumprir na prática os valores sociais que pregava, sintetizado em sua famosa máxima "minha vida é minha mensagem".
Sua vestimenta não era uma questão de estilo. Ele mesmo tecia e encorajava outros a tecerem suas próprias roupas para pregar como exemplo de swadeshi. Suas campanhas de desobediência civil contra os britânicos foram sempre pacíficas e não hesitou em cancelar ações quando elas se tornaram violentas.
Para Gandhi, na luta por uma sociedade livre, tão importante quanto a ação política contra o inimigo externo era a ação interna de educar os cidadãos nos valores da não-violência e da cooperação.
Até hoje, Gandhi continua sendo uma referência moral na Índia, mas também seu projeto ético-político a nível internacional tem servido de inspiração para um grande número de causas, como o movimento pelos direitos civis de Martin Luther King, a luta de Nelson Mandela contra o Apartheid e as campanhas de grupos ambientalistas como o Greenpeace e, mais recentemente, Extinction Rebellion.
As sociedades contemporâneas enfrentam um número significativo de desafios, como a degradação ambiental, as desigualdades econômicas e a extrema individualização que corroem a coesão social e dão origem a diferentes formas de violência. Diante desses desafios, as ideias de Gandhi, 150 anos depois seu nascimento, continuam oferecendo um guia teórico-prático para reexaminar criticamente o significado de uma sociedade verdadeiramente livre.
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Gandhi, 150 anos depois. "Minha vida é minha mensagem" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU