24 Julho 2024
"Muitos dos cientistas estadunidenses que foram os maiores defensores da necessidade de ter a bomba eram cientistas europeus que haviam escapado do nazismo, como Szilard, Wigner, Fermi, Teller... Einstein entre eles. Como hoje, os belicistas mais fervorosos são aqueles que estão mais próximos de quem é percebido como inimigo", escreve o físico italiano Carlo Rovelli, professor no Centro de Física Teórica da Universidade de Marseille, na França, e diretor do grupo de pesquisa em gravidade quântica do Centro de Física Teórica de Luminy, em artigo publicado por Corriere della Sera, 17-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O perigo nuclear está se aproximando. Crescem as ameaças. Nos últimos dias, o secretário da Aliança Atlântica declarou que "a OTAN está discutindo o aumento de seu arsenal nuclear" e "deve exibir seu arsenal nuclear para enviar uma mensagem direta a seus inimigos".
O Boletim dos Cientistas Atômicos, que há décadas avalia periodicamente o risco de catástrofes nucleares, anunciou um nível de alerta máximo, que não era visto desde os dias mais dramáticos da Guerra Fria.
Nesse clima quente, a editora Fuoriscena está publicando um importante livro de história que nos permite refletir sobre o presente. O livro narra o nascimento da era atômica, mas do outro lado da narrativa comum: o que os cientistas atômicos alemães estavam fazendo na década de 1940, enquanto nos Estados Unidos o Projeto Manhattan, sob a direção de Oppenheimer, estava construindo as primeiras bombas atômicas, aquelas usadas contra Hiroshima e Nagasaki.
O livro é intitulado La Guerra de Heisenberg e gira em torno da figura de Werner Heisenberg, o descobridor da mecânica quântica. Heisenberg foi o líder incontestável da física atômica alemã e o homem em quem o governo alemão tentava contar para desenvolver um programa militar atômico alemão. O livro, denso e detalhado, reconstrói com um trabalho histórico meticuloso, com base em documentos e entrevistas, os eventos quase diários que cercaram os programas de pesquisa atômica na fatídica década de 1940: as ansiedades e confusões de seus protagonistas, dos cientistas aos homens dos serviços de inteligência, em ambos os lados do conflito.
O quadro resultante é desconcertante em vários aspectos e nos confronta com perguntas difíceis. A questão subjacente às quase 800 páginas do livro é entender como a Alemanha não construiu a bomba atômica antes dos Estados Unidos. A ciência alemã era a mais avançada. O sistema industrial alemão era poderosíssimo, a liderança política alemã havia percebido a possibilidade de uma arma atômica mortal mais de um ano antes da liderança política estadunidense e pressionava o mundo científico, enquanto nos Estados Unidos foram os cientistas que alertaram os políticos. A Alemanha dispunha de minas de urânio na Tchecoslováquia e de água pesada. O Projeto Manhattan foi narrado como um feito colossal, mas os russos o repetiram imediatamente após Hiroshima e Nagasaki, em muito menos tempo. Não era, afinal, tão complicado assim. Como puderam os alemães, que tinham a melhor ciência do mundo, nem chegar perto?
A resposta que emerge do trabalho histórico de Thomas Powers é simples e inquietante. A liderança científica alemã, principalmente Heisenberg e seu colega e amigo Carl Friedrich von Weizsäcker, dissuadiram o governo alemão de investir em um projeto de arma atômica, enfatizando as suas dificuldades. Em uma das páginas mais surpreendentes do livro, por exemplo, há uma reunião chave na qual o Ministério da Guerra está pronto para qualquer investimento, e os cientistas respondem solicitando minúcias para pesquisas exploratórias.
É difícil hoje, após a derrota catastrófica da Alemanha e a titânica operação de propaganda ideológica de décadas que se seguiu, reconstruir e entender a posição moral de Heisenberg e seus amigos. Da melhor forma que se pode reconstruir, Werner Heisenberg amava o seu país e se considerava leal a ele. Ele não gostava do nazismo, considerava-o um mal, do qual imaginava que seu país se recuperaria, quer perdesse ou ganhasse a guerra. Ele tinha defendido a física "judaica" de Einstein dos ataques delirantes de colegas fanáticos nazistas e atuou repetidamente para defender físicos judeus. Mas tinha resistido a fortes pedidos de amigos físicos de outros países para que deixasse a Alemanha antes do início da guerra. Ele achava que, de qualquer forma, após a guerra, seria importante para a Alemanha ter alguém para dar continuidade à ciência. De fato, não traiu a sua pátria, nem ajudou os nazistas a ter uma arma de poder absoluto. No clima de guerra total, tanto militar quanto ideológica, em que o mundo cai periodicamente, escolher um caminho como esse é aceitar ser considerado traidor e mentiroso por ambos os lados. E, de fato, foi assim que Heisenberg foi retratado muitas vezes no pós-guerra.
Mas o aspecto inquietante do nascimento da era atômica, a era em que estamos, não é dado pelas dificuldades políticas e morais dos cientistas alemães. É a relação entre ele e o que aconteceu no meio tempo do outro lado do Atlântico. Como mencionei, enquanto os políticos alemães tinham intuído a possibilidade de uma arma atômica, os políticos estadunidenses, britânicos e russos não se deram conta. Foram os cientistas que insistiram repetidamente com os políticos, pressionando para o desenvolvimento de um programa militar nuclear. O episódio mais famoso dessa pressão, embora não seja o único, é uma carta que o próprio Einstein, que havia emigrado para os Estados Unidos, escreveu para o presidente do país. Qual foi o argumento usado pelos cientistas nos Estados Unidos para convencer os políticos a se comprometerem com a construção da arma do pesadelo?
O argumento, e esse é o ponto principal dessa história, era que a bomba tinha de ser construída, caso contrário os alemães a teriam feito. Mas que, de fato, não a estavam construindo. Em outras palavras, entramos na era nuclear, onde o risco de autodestruição da humanidade é tragicamente concreto e próximo, e os eventos recentes o reavivam, entramos nesse pesadelo por causa de um equívoco. Por causa da crença errada de alguns cientistas nos Estados Unidos de que a Alemanha nazista estava perto de ter uma bomba mortal, da qual, ao contrário, estava distante. Muitos dos cientistas estadunidenses que foram os maiores defensores da necessidade de ter a bomba eram cientistas europeus que haviam escapado do nazismo, como Szilard, Wigner, Fermi, Teller... Einstein entre eles.
Como hoje, os belicistas mais fervorosos são aqueles que estão mais próximos de quem é percebido como inimigo. O que nos torna mais agressivos é o medo agigantado, irracional e infundado do inimigo. A continuação da história é triste. O nazismo não foi detido pelo Projeto Manhattan, mas basicamente pelo sacrifício de milhões de soldados russos. A bomba atômica, no entanto, foi construída mesmo assim, embora não servisse mais ao propósito declarado de impedir que os alemães a usassem primeiro, e não caiu nem sobre Londres, como temiam alguns, nem sobre Berlim, como temiam outros, mas em duas cidades asiáticas, o que, para os ocidentais, é muito menos grave. A liderança política dos Estados Unidos decidiu usá-la para deixar claro que, daquele momento em diante, eram eles que mandavam, certos de que os russos não chegariam lá, mas os russos construíram a mesma bomba em um tempo muito curto, lançando o mundo na loucura da dissuasão pela destruição mútua garantida: um equilíbrio tremendamente instável, que até hoje, graças ao céu, se manteve, mas que agora está oscilando. Perdê-lo significa devastar a raça humana. A pequena Itália participa dessa loucura com cerca de sessenta armas atômicas, em Pordenone e em Brescia, que nem mesmo comanda. Estarão entre os primeiros alvos se algo der errado.
No Projeto Manhattan, havia um jovem alemão que tinha passado informações secretas para a Rússia, Klaus Fuchs. Ele iria morar na Alemanha Oriental e ajudaria os russos a desenvolver a bomba. Muitos anos depois, um jornalista o visitaria e lhe perguntaria se sentia-se culpado por ter dado a bomba a Stalin. A resposta do cientista, já idoso, foi que o dia em que ele e seus amigos finalmente puderam dar a bomba a Stalin foi o primeiro dia em que ele dormiu em paz: até aquele dia, tinha pesadelos todas as noites, nos quais via Moscou e Leningrado (atual São Petersburgo) com seus habitantes queimando vivos sob a bomba estadunidense. Como Hiroshima e Nagasaki.
Depois da guerra, Heisenberg e seus velhos amigos físicos de antes da guerra não conseguiam mais realmente conversar entre si. Uma das observações mais tristes do livro de Powers é que nenhum dos antigos amigos de Heisenberg teve a força para restabelecer um verdadeiro diálogo aberto com ele. Temos fotos de Heisenberg e Enrico Fermi, praticamente jovens, em um barco em um lago italiano. Estão serenos, riem. Juntos, estão desvendando os segredos mais íntimos dos átomos. Alguns anos depois, Fermi e Oppenheimer sugerem um projeto para envenenar os produtos alimentares alemães com uma substância tóxica radioativa a fim de matar pelo menos "meio milhão de pessoas". Os aliados bombardeiam os laboratórios alemães para matar os cientistas. Os serviços secretos estadunidenses aprovam um plano para eliminar Heisenberg. Um agente da inteligência dos EUA intercepta Heisenberg durante uma de suas visitas à Suíça, mas não chega a agir. Niels Bohr, o pai intelectual de Heisenberg, reitor e pai espiritual da ciência atômica, e o próprio Oppenheimer tentaram, após a guerra, convencer os políticos estadunidenses para usar a arma atômica como uma oportunidade de construir um controle internacional compartilhado da violência.
Renunciar à violência extrema, à guerra, em nível internacional, assim como nós renunciamos à violência para regular as disputas dentro das nossas nações. Eles fracassaram. Acredito que o mundo, mais cedo ou mais tarde, acabará colocando a razão acima do constante medo e demonização do inimigo e da sede desenfreada de dominação dos mais poderosos. Por enquanto, não está fazendo isso. A questão é se o mundo chegará nesse ponto antes ou depois da catástrofe nuclear que se aproxima. Heisenberg tinha rocambolescamente e arriscadamente visitado Bohr na Dinamarca durante a guerra, sem de fato conseguir falar com ele. Porque a estupidez da guerra, naquela época como agora, transforma amigos em inimigos.
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O boicote à bomba. Artigo de Carlo Rovelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU