12 Julho 2024
"O Jubileu e as indulgências, portanto, se sustentam mutuamente, ligados pela misericórdia. O Papa Francisco escreveu isso por ocasião do Jubileu Extraordinário de 2016, precisamente dedicado à misericórdia, e também na Spes non confundit, a bula de proclamação do próximo Jubileu: as indulgências adquirem com o Jubileu 'um significado especial' ", escreve Marco Ventura, professor de Direito canônico e eclesiástico da Universidade de Siena, em artigo publicado por La Lettura, 07-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em vista do Jubileu de 2025, a Penitenciaria Apostólica publicou as iniciativas para obter a indulgência: entre elas, a renúncia a "distrações fúteis" não só reais, mas também virtuais. Uma novidade que se concentra na tríplice relação entre o pecador, Deus e a Igreja. É a experiência do mundo que encontra o transcendente, que também se manifesta nos edifícios de culto projetados mais recentemente.
A abstinência digital entrou na vida dos católicos. As normas da Penitenciaria Apostólica em vista do Jubileu de 2025, publicadas em 13 de maio passado, a incluem entre as iniciativas por meio das quais o penitente poderá se beneficiar da indulgência do Jubileu. Para tal fim, será necessário, entre outras coisas, abster-se, por pelo menos por um dia, "de distrações fúteis" que não são mais apenas "reais", mas também "virtuais", como as induzidas "pelas mídias e pelas redes sociais". A última novidade tecnológica destinada a perturbar o ser humano se liga, assim, à verdade última da Igreja de Roma sobre o pecado e a misericórdia, no aquém e principalmente no além.
Esse é o poder das indulgências: seu escândalo, seu prodígio. Em 1967, Paulo VI eliminou todas as dúvidas sobre sua resistência à onda de modernidade cristã e à atualização conciliar. Na Constituição ApostólicaIndulgentiarum doctrina, o Pontífice afirmava o "sólido fundamento na revelação divina" da "doutrina" e do "uso" das indulgências. O texto também era dedicado a relembrar as "verdades" necessárias, por um lado, para a "compreensão exata" dessa doutrina e, por outro, para seu "uso benéfico". Dois anos após a conclusão do Vaticano II, a linguagem da tradição encontrava a linguagem teológica renovada do Concílio, justamente como hoje as indulgências encontram o mundo digital. No centro do sistema, na revolucionária década de 1960, não se temia reiterar a antiga figura de Pedro, o "guardião das chaves do céu", escolhido por Jesus como chefe da Igreja e detentor das chaves que abrem ou fecham as portas do paraíso. Por duas vezes, ele retornou àquela expressão tão distante de seu tempo, em um texto promulgado poucas semanas antes da gravação de Penny Lane ser concluída. Aos "blue suburban skies" dos Beatles, aos seus "céus celestiais suburbanos", respondia o "guardião das chaves do céu": Pedro, dois mil anos antes, depois seus sucessores ao longo dos séculos, agora Paulo VI. Foi assim que as indulgências sobreviveram à década de 1960, com seu poder, escândalo e prodígio: ao usá-las, o chefe da Igreja pode girar as chaves na fechadura do céu; pode colocar em comunicação Deus e o homem, os vivos e os mortos, a terra e o outro mundo.
É assim que as indulgências funcionam. Há, em primeiro lugar, o pecador: sua culpa pode ter sido cancelada pelo confessor, mas ele continua em dívida pelo mal que cometeu e, portanto, tem a carga das penas que merece cumprir; há Deus, infinitamente misericordioso e, ainda assim, vinculado à liberdade do homem, até mesmo a de pecar e incorrer nas penas consequentes do pecado; e há a Igreja mediadora que administra as punições padecidas por aqueles que ainda estão na Terra e por aqueles que já estão no Purgatório. As indulgências tomam forma no triângulo composto pelo pecador, a Igreja e Deus. Na linguagem das normas, poderão obter "pleníssima indulgência", aplicáveis também "às almas do Purgatório na forma de sufrágio", os fiéis que estão "verdadeiramente arrependidos", que excluem "qualquer afeição pelo pecado", que são "movidos por um espírito de caridade", que celebrem os sacramentos da penitência e da Eucaristia durante o Ano Santo e que rezem "de acordo com as intenções do Sumo Pontífice". Assim, são canceladas as penas que ainda não haviam sido cumpridas no tempo, por isso chamadas de "temporais"; em parte ou, como no caso da indulgência plenária do Jubileu, na íntegra.
O Jubileu e as indulgências, portanto, se sustentam mutuamente, ligados pela misericórdia. O Papa Francisco escreveu isso por ocasião do Jubileu Extraordinário de 2016, precisamente dedicado à misericórdia, e também na Spes non confundit, a bula de proclamação do próximo Jubileu: as indulgências adquirem com o Jubileu "um significado especial", porque por meio delas se descobre "o quanto é ilimitada a misericórdia de Deus"; na antiguidade, de fato, "o termo 'misericórdia' era intercambiável com o de 'indulgência'".
Como com a abstinência digital, como com o guardião das chaves do céu, a linguagem das autoridades católicas permanece entre a tradição e a renovação, entre a precisão da definição e a licença comunicativa.
O exercício é ainda mais árduo porque o triângulo pecador-Igreja-Deus e, com ele, os termos constitutivos da indulgência — pena e misericórdia — estão desafiando tanto as sociedades ocidentais secularizadas quanto aquelas do Sul global. As primeiras, são agora profundamente hostis ao pecado, especialmente individual, à mediação, especialmente institucional, e ao transcendente, especialmente divinizado; as segundas, quando não perseguem o catolicismo como instrumento colonial, mudam-no substancialmente, justamente por meio da tradução — e traição — nas suas culturas, do pecado, da mediação e do transcendente. João Paulo II advertia em 1980, nas palavras da encíclica Dives in misericordia, sobre o quanto a "mentalidade contemporânea" tendia a "afastar do coração humano a própria ideia da misericórdia", graças ao "enorme desenvolvimento da ciência e da tecnologia, nunca antes conhecido na história".
As novas indulgências de 2025 se esforçam para comunicar conceitos tão distantes da "mentalidade contemporânea". Na bula de proclamação do Jubileu de 2016, as "penas temporais" se tornam "o peso do pecado", "a força do pecado que nos condiciona", "a marca negativa que os pecados deixaram nos nossos comportamentos e pensamentos", o "resíduo da consequência do pecado".
Por mais notável que seja, o esforço é insuficiente para quem pretende uma compreensão moderna do que é essa "pena temporal" e o que ela, a indulgência, faz mais do que o sacramento da reconciliação já faz, ou seja, do que resta depois que os pecados foram absolvidos na confissão e como essa pena residual pesa na terra ou no purgatório. Na realidade, aquela pretensão de compreensão não pode ser atendida, nem mesmo pelo redator mais eficaz ou pelo pregador mais inspirado. Pois não se trata de uma questão de definições, de lógica ou de argumentação. Em vez disso, é uma questão da alma: somente aquele que sente o pecado pode sentir seu peso; somente aquele que o sente nos termos ensinados por uma igreja pode precisar recorrer a ela, às suas categorias e aos réus ritos. Somente a alma pode, de alguma forma, conectar um pecador de hoje e aqueles que, nos jubileus medievais, arriscavam as substâncias e a vida na estrada para Roma, com a inquietação interior pela salvação de suas almas, com a urgência do perdão purificador.
Aqui se chega à encruzilhada. É possível seguir o primeiro caminho. Nele, as indulgências se tornam símbolos de sociedades opressivas, religiões violentas, psicologias disfuncionais e autoridades arbitrárias. A nossa mente não entende as "penas temporais" porque nos protege de uma manipulação repetida ao longo da história e reproposta agora. Não somos pouco inteligentes ou pouco refinados teologicamente; somos e queremos ser simplesmente saudáveis. Não nos escapam as sutilezas peculiares da doutrina católica, mas rejeitamos os particularismos confessionais e queremos uma espiritualidade maior. Há também o segundo caminho. Aqui, as indulgências são despojadas dos interesses, dos abusos e das contingências. E também da doutrina, das definições, das categorias, das normas. Compreendemos das "penas temporais" e do purgatório apenas o que realmente há para entender, o mal-estar da ruptura para as primeiras, o destino final para o segundo; assim como das indulgências nos interessa, no fim das contas, aquele algo fundamental que nos coloca em relação com as exigências psíquicas, o exercício de cada pedaço de mim, o ritmo comunitário, a respiração da humanidade. As indulgências, nesse segundo caminho, não nos distanciam das ciências e das fés, não nos encerram em um exclusivismo umbilical, mas nos abrem para o mundo. Elas nos fazem dialogar com psiquiatras e antropólogos, linguistas e técnicos da informática; com ateus e agnósticos, budistas e jainistas.
Entre 14 e 19 de junho, 1.300 morreram no hajj, a peregrinação anual à Meca. Os dois caminhos alternativos que podemos percorrer em busca do sentido das indulgências são os mesmos que vemos diante daquela tragédia. Não é preciso estar cego diante da gravidade do que aconteceu, absolver acriticamente as autoridades responsáveis, desprezar a vida, para captar naquele sacrifício — mesmo que não necessário — um significado profundo apenas aparentemente distante daquele que os peregrinos do Jubileu buscarão em 2025.
"A misericórdia possui um significado que vai além dos limites da Igreja", escreveu Bergoglio em previsão do Jubileu de 2016: "Ela nos relaciona com o judaísmo e o islamismo, que a consideram um dos atributos mais qualificados de Deus. Tinham em seus lábios esse nome, o Misericordioso, um dos noventa e nove de Alá, os peregrinos que morreram no calor e na aglomeração da Meca. Contra o risco de más indulgências — nos fatos e nas percepções — o convite à abstinência digital indica como a autoridade eclesiástica não se limite apenas a afinar e a expressar a doutrina, mas a concretize nas práticas. As normas da Penitenciaria Apostólica visam acima de tudo isso: renovar as práticas nos passos da tradição das orações e dos ritos a serem observados de acordo com as fórmulas e as sequências prescritas. Desse ponto de vista, a renovação é dupla.
Em primeiro lugar, há os novos peregrinos. Seu mapa é em grande parte o mesmo de sempre, convergindo para Roma e as suas basílicas, para Jerusalém, Belém e Nazaré, para Assis, Loreto, Pádua, Pompéia, mas a ele se juntam muitos outros lugares no mundo que serão designados pelos bispos e aprovados pela Santa Sé. Acima de tudo, é nova para os peregrinos a orientação que o Pontífice quis lhes dar, seja qual for o destino geográfico da viagem que farão. Eles deverão ser capazes de transformar os "sinais dos tempos" em "sinais de esperança". O resultante slogan do Jubileu, "peregrinos da esperança", acompanha o logo: homens ,velas de um barco com o mastro em forma de cruz.
Depois, há as novas "iniciativas" que as normas sobre as indulgências de 13 de maio indicam como uma alternativa à peregrinação. Eis então a abstinência das "distrações fúteis", reais e virtuais, mas também dos "consumos supérfluos", a doação de uma "soma proporcional de dinheiro aos pobres", o apoio a "obras de caráter religioso ou social", especialmente em defesa da vida e de sua qualidade, e também de crianças, jovens, idosos e migrantes; e, finalmente, a alocação de uma "parte congruente" do tempo livre para atividades de voluntariado. As indulgências são "inestimáveis", insiste o comunicado sobre o Jubileu divulgada pelo Dicastério para a Evangelização. É preciso manter presente, e ao mesmo tempo, distante, muito distante, a tese número 66 das 95 de Lutero, estopim da Reforma Protestante de 1517, onde as indulgências são condenadas como "redes com as quais se pescam as riquezas dos homens".
Está demasiadamente enraizado na história ocidental e na autoconsciência dos próprios católicos, o estigma da romanidade simoníaca para que as cúpulas eclesiásticas estejam dispostas a correr riscos. Vai contra a corrente quem, como fez Lucetta Scaraffia em 2015, em seu livro Le porte del Cielo. I giubilei e la misericordia (Il Mulino), lembra que sem as riquezas fruto das indulgências "não teríamos a Capela Niccolina, nem a Capela Sistina, nem mesmo a nova Basílica de São Pedro ou outros monumentos que se tornaram símbolos de Roma". Do lado oposto, e por enquanto sem repercussão, o apelo para abandonar o próprio termo indulgências, para que se possa completar o repensamento materializado na constituição apostólica de 1967.
Por ocasião do 500º aniversário das teses de Lutero, em 2017, Bernard Sesboüé fez essa observação em seu livro La questione delle indulgenze. Una proposta alla Chiesa cattolica (editado por Francesco Strazzari, Edb). O autor lembra "o quanto a proclamação periódica das indulgências do lado católico irrita as consciências luteranas e protestantes" e propõe "outro nome, bíblico e tradicional", como "bênção, misericórdia ou benevolência divina gratuita".
O termo indulgências, no entanto, resiste. Na verdade, as ações formativas e comunicativas estão se multiplicando.
A Pontifícia Universidade Lateranense, em particular, realizará o Curso de Formação Avançada "Jubileu 2025" entre 15 de outubro e 13 de novembro. O site do Jubileu, iubilaeum2025.va, está fervilhando de atividade. A tela hipnotiza com cores, imagens e janelas. O grande "perdão" de Áquila, para a qual o papa eremita Celestino V convidou os fiéis em 1294, e o primeiro Ano Santo de Roma, seis anos depois, convocado pelo papa soberano Bonifácio VIII; o testemunho do mercador Giovanni Villani sobre o papa que "juntou sete milhões de florins naquele ano", a ira de Lutero, os massacres das guerras religiosas; e depois os significados teológicos, as prescrições, as evoluções lentas e imperceptíveis, os saltos, as persistências.
O Jubileu online engole os contrastes, talvez os componha, talvez os exaspere. É preciso ir até o final da página, na caixa da direita, para acessar a lista de "apoiadores e licenciados oficiais" do logo do Jubileu. Os licenciados oferecem gadgets, artigos religiosos, medalhas, lembranças e joias.
Nada melhor do que aquela lista pode fazer você tocar o escândalo e o prodígio das indulgências, no triângulo pecador-Igreja-Deus, na perdição irremediável à qual elas conduzem ou à sua capacidade, apesar de tudo, de propor questionamentos fundamentais para as pessoas e as comunidades. Depois, você retorna ao topo do site, para a primeira coisa que se quer que você leia. "Baixe o aplicativo iubilaeum25". Aceite o convite e vá para o Google Play, como você já fez muitas vezes. Siga o procedimento até inserir a chave de acesso. Então você vai ficar maravilhado, porque estará pensando em Pedro, o guardião das chaves do céu e ao mesmo temos nos Beatles, nos céus celestiais de periferia.
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Abstenham-se das mídias sociais. Artigo de Marco Ventura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU