17 Mai 2024
A vida religiosa como a conhecemos hoje, tanto contemplativa quanto ativa, evoluiu ao longo de dois milênios. Neste artigo, Christine Schenk analisa a contribuição de eminentes mulheres cristãs no século IV, que, ao fundarem mosteiros, lançaram as bases para a vida das religiosas de hoje.
O artigo foi publicado por 7 Margens em 11-05-2024.
O século IV começou com uma dura perseguição contra os cristãos, sobretudo no Oriente. Depois de ter abraçado o Deus cristão e após uma longa luta pelo poder, Constantino tornou-se imperador em 324 d.C. Nessa época a Igreja ascendeu a níveis de poder e influência terrena sem precedentes, graças ao favor imperial de Constantino, dos seus filhos e da sua mãe, Helena. Os homens da Igreja recebem generosos benefícios de mulheres cristãs aristocráticas, como Olímpia, Melânia a Velha, Melânia a Jovem e Paula. As comunidades cristãs que até então se reuniam em grandes casas passam a encontrar-se em luxuosos locais públicos. Estas mudanças exacerbam as tensões sobre o ministério público das mulheres cristãs.
Christine Schenk (Foto: Catholic Woman)
O século IV viu também surgir uma perigosa tendência para assimilar, ainda que simbolicamente, o gênero feminino à heresia, apesar de tanto os homens como as mulheres cristãos estarem envolvidos nas mais diversas interpretações do cristianismo, chegando até a ser definidas como hereges. Mas sobretudo as mulheres correm o risco de serem qualificadas de hereges e suspeitas de impudência quando assumem o papel de mestras. É neste contexto eclesial que as “Mãe da Igreja” do século IV vivem e dão testemunho da sua fé. Segue-se uma breve mas significativa cronologia das suas vidas e do modo como elas – e as suas comunidades – exerceram a autoridade eclesial na Igreja primitiva.
A informação literária sobre mulheres do século IV, como Marcela, Paula, Macrina, Melânia a Velha e Olímpia, chega-nos sobretudo através de homens de Igreja eruditos como Jerônimo, Gregório de Nissa, Paládio e João Crisóstomo. Temos dois textos escritos por mulheres: Proba e Egéria. Proba adapta em prosa um centão de Virgílio, muito apreciado em Roma, para contar a história do cristianismo com o objetivo de evangelizar jovens aristocráticas, criando um instrumento culturalmente transversal que influenciará homens e mulheres cristãos durante gerações. Egéria, por seu lado, escreve um diário de viagem para as suas irmãs, ilustrando o seu itinerário pelos lugares santos do Oriente. Durante esta viagem, escreve Egéria, numa certa altura encontra a sua “querida amiga, a santa diácona Marthana”, que governa um mosteiro duplo perto do santuário de Santa Tecla (na Turquia). Marthana é um exemplo raro de mulher diácona que exerce autoridade sobre homens e mulheres cristãos.
Embora o nascimento do monaquismo seja frequentemente atribuído a Basílio no Oriente, e a Jerônimo no Ocidente, duas mulheres – Macrina e Marcela – começaram a praticar este estilo de vida cristão muito antes dos homens.
Fundou um mosteiro em Anisa, na Ásia Menor, que se tornou o protótipo da regra monástica escrita pelo seu irmão Basílio. Se Basílio é mais tarde chamado o “pai do monaquismo”, Macrina é certamente a sua mãe. A sua autoridade como guia espiritual influenciou profundamente os seus irmãos Basílio e Gregório, ambos teólogos, que viriam a elaborar a doutrina da Trindade.
Reúne mulheres que estudam as Escrituras e rezam na sua vivenda aristocrática do monte Aventino, 40 anos antes da chegada de Jerônimo a Roma. Quando Jerônimo regressa a Jerusalém, os sacerdotes de Roma consultam Marcela para esclarecer certas passagens dos textos bíblicos. Marcela intervém também nos debates públicos sobre a controvérsia origenista.
Funda dois mosteiros em Belém: um feminino e outro masculino. Confiou o mosteiro masculino aos monges e foi aí que, graças ao seu apoio, Jerônimo completou a tradução da Bíblia do grego para o latim. Jerônimo diz-nos que os conhecimentos de Paula sobre a língua hebraica excediam os seus.
Melânia a Velha (350-410), consegue que um importante homem da Igreja (Evágrio) retome o seu voto de celibato; ensina e converte muitos homens. É fundamental na resolução de um cisma que envolve 400 monges em Antioquia, “conquistando todos os hereges que negam o Espírito Santo”. Financia e cofunda um mosteiro duplo no Monte das Oliveiras, onde as suas comunidades se dedicam ao estudo das Escrituras, à oração e a obras de caridade.
Ordenada diácona em Constantinopla pelo bispo Nectário, Olímpia utilizou a imensa fortuna da sua família para apoiar a Igreja e servir os pobres. Fundou um grande mosteiro perto da Basílica de Santa Sofia, onde três das suas familiares foram também ordenadas diáconas. Em breve, as mulheres das famílias do Senado romano também se uniram a ela, e o número de monjas aumentou para 250.
Estes são apenas alguns exemplos de mulheres do século IV cujas comunidades são precursoras da vida religiosa atual. O seu testemunho e a sua autoridade eclesial influenciaram fortemente as comunidades cristãs do seu tempo, mas também dos tempos que se seguiram. Numa época em que alguns homens da Igreja proibiam as mulheres de falar ou ensinar publicamente e preferiam que elas ficassem em casa, há provas de que, no século IV, algumas mulheres cristãs exerciam autoridade, falavam sobre questões eclesiais importantes, ensinavam mulheres e homens e davam livremente testemunho do Cristo ao qual tinham escolhido unir-se.
Praising © Mary Southard www.ministryofthearts.org/ Used with permission | Arte: IHU
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As “Mães da Igreja” do século IV - Instituto Humanitas Unisinos - IHU