22 Abril 2024
A certo ponto do seu último livro, Dio non ci lascia soli (Deus não nos deixa sozinhos, em tradução livre, 256 páginas, Piemme), o cardeal Matteo Zuppi detém-se sobre magos e cartomantes, astrólogos e videntes. “Impressiona-me –observa o arcebispo de Bolonha - que numa sociedade como a nossa, ocidental, resultado pós-moderno e em evolução contínua do judaísmo, do cristianismo, das trocas com o Islã, do Iluminismo, do materialismo histórico, da revolução científica de Copérnico e Galileu e das tantas revoluções científicas que aceleraram uma pesquisa razoável baseada na evidência da verdade, tenha retornado de forma maciça o tempo da astrologia e dos horóscopos." O cardeal está surpreso, talvez alarmado pela concorrência desleal, mas também curioso para entender: os vários administradores da magia seriam 150 mil na Itália, “4 vezes mais que os geriatras, 10 vezes mais que as obstetras, 7 vezes mais que os pediatras, uma vez e meia mais que os psicólogos", enumera, os italianos que recorrem a eles passaram, depois da pandemia, para 13 milhões, o volume de negócios é vertiginoso.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Repubblica, 16-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O livro de Zuppi não é um ensaio de sociologia, mas sim, nas palavras de Andrea Riccardi, fundador da comunidade de Santo Egídio, da qual também provém o cardeal, uma “meditação sapiencial sobre a humanidade", típica de um homem habituado a consultar tanto a Bíblia como o jornal. E ao qual os magos e cartomantes revelam um movimento profundo em curso na sociedade: a geração atual é uma “geração de céticos e crédulos, de céticos-crédulos”. Médiuns, operadores do oculto e intérpretes dos astros dão a que pode ser a resposta ruim para a boa pergunta, que Zuppi aborda. É a pergunta do sentido própria de uma humanidade marcada pela “solidão”, conceito recorrente no livro desde o título. Uma solidão exacerbada pela pandemia de Covid, evidente em Roma e nas grandes cidades, virulenta para os jovens, terrível para os idosos. Para Zuppi não é verdade que “tudo vai ficar bem”, como se dizia durante o lockdown, os problemas não devem ser adoçados nem dissimulados, "não há Páscoa, não há ressurreição, sem passar pelas trevas da cruz."
Dio non ci lascia soli (Deus não nos deixa sozinhos, em tradução livre, 256 páginas, Piemme). Foto: Divulgação.
O presidente da CEI escreve um livro sobre a crise e as suas oportunidades: “Reflexões de um cristão num mundo em crise”, é o subtítulo. A crise da sociedade, a crise das igrejas que se esvaziam, a crise da secularização. Uma crise – e é o cerne do volume de Zuppi – que impõe escolhas ao catolicismo. Porque em situações semelhantes são tantos os possíveis caminhos errados que o sagrado pode tomar: as “guerras étnico-religiosas”, a nostalgia de um passado glorioso que não existe mais, a tentação de “contentar-se em ser poucos, mas puros”.
Nos passos de Francisco, mas também dos outros Papas, em particular de Paulo VI, Zuppi quer demonstrar a atualidade da fé hoje. Ele contesta a “descrição caricatural do cristianismo" daqueles que "gostariam de reduzi-lo a uma fábrica de sensos de culpa para poder conceder (ou vender) o perdão", ou daqueles que afirmam que a Igreja "não gosta da dor". Afasta uma concepção preconceituosa e sombria do cristianismo, propõe “um modo simples de anunciar e viver o Evangelho, familiar para todos, em saída, na escuta, em diálogo”. Então sim, é a convicção do cardeal, as pessoas sentirão Deus, não estarão mais sozinhas, “e sim, então, realmente tudo vai ficar bem”.