03 Abril 2024
O tempo toca tudo. É um mistério que condiciona a vida e o ser humano que cada vez mais se sente prisioneiro dele. É um bem muito apreciado, mas “de vez em quando, se não fôssemos capazes de esquecer do tempo, não conseguiríamos manter amizades, nem relações satisfatórias. Não teríamos novos pensamentos, nem ideias”, alerta Stefan Klein. O filósofo e biofísico alemão publica El tempo: Los secretos de nuestro bien más escaso (Península), um ensaio que vai além da ciência e dos ponteiros do relógio para relatar suas repercussões nas pessoas e no transcorrer do cotidiano.
O tempo relativo sobre o qual Albert Einstein falava e o tempo que marca a nossa vida real e condiciona os nossos cérebros se unem neste livro escrito com rigor e agilidade, quase como um relato de realismo científico e mágico. O biofísico entrelaça física, filosofia, sociologia, literatura e até psicologia para contar sobre a nossa relação com o tempo. E busca resolver algumas das questões que a maioria das pessoas se coloca de forma consciente ou não. Aborda o que ele chama de “dimensão oculta do tempo”.
Stefan Klein nasceu em 1965, estudou Física e Filosofia em Munique e Grenoble e obteve uma licenciatura em Biofísica. Entre 1996 e 1999, trabalhou na revista alemã Der Spiegel. Desde o ano 2000, dedica-se a escrever, sendo autor de livros como A fórmula da felicidade, La belleza del universo e El tempo: Los secretos de nuestro bien más escaso.
Nesta entrevista por e-mail, Klein fala sobre o tempo, do porquê é importante, mas também sobre como podemos evitar a sua tirania e influência em aspectos essenciais de todo ser humano, cruciais para o que Arthur Schopenhauer chamou de “vontade de viver”: felicidade, amor e beleza.
A entrevista é de Winston Manrique Sabogal, publicada por WMagazín, 02-04-2024. A tradução é do Cepat.
Assim como alguns artistas, você considera que o tempo, como evolução, não existe na arte porque suporia, por exemplo, que uma obra de hoje seria melhor do que um clássico e que um livro atual seria melhor do que as obras de Shakespeare, mas, ao contrário, tudo acontece ao mesmo tempo?
Você se refere a Picasso, que supostamente disse, após visitar a Caverna de Altamira: “desde então não aprendemos nada”. É uma bela anedota, mas duvido que seja fato. O próprio Picasso mudou repetidamente de estilo ao longo de sua carreira artística e aprendeu muito. Isso não significa que as obras tardias de Picasso sejam melhores que as primeiras. São diferentes.
A essência da evolução também não é melhorar. A evolução na natureza produz diversidade, não perfeição. O mesmo acontece com a evolução cultural. Picasso expandiu suas possibilidades ao longo das oito décadas de sua criação. E da mesma forma, a literatura de hoje tem muito mais possibilidades do que na época de Shakespeare.
O que é o Tempo, a eternidade e o infinito?
O tempo é uma relação que utilizamos para ordenar eventos em uma sequência de possíveis causas e efeitos. Onde não há eventos, não há tempo. A eternidade seria, então, a continuação desta relação ao infinito. Se tal continuação é possível e sensata é uma questão em aberto na cosmologia.
Que relação existiu ou existe entre a percepção do tempo e da felicidade? Essa percepção do tempo modifica o conceito de felicidade, conforme a época, e vice-versa?
Ambos, inicialmente, não têm muito a ver um com o outro. A felicidade é uma emoção, a experiência do tempo é um construto cognitivo. A experiência da felicidade é muito mais fundamental do que a experiência do tempo.
Em que medida a percepção do tempo e da felicidade mudou, a partir dos anos 1990, quando o mundo passa a parecer mais acelerado e irrompe o mundo digital?
A questão da experiência do tempo é fácil de responder: tudo ficou mais rápido. Assista a um filme dos anos 1990. Você mal conseguirá suportar a lentidão com que algumas cenas são editadas!
Já a percepção subjetiva da felicidade depende, em grande medida, das condições sociais, especialmente da desigualdade socioeconômica e da satisfação de necessidades básicas. Em muitas partes do mundo, especialmente nos países desenvolvidos e, sobretudo, nos países em desenvolvimento (como a China), a desigualdade aumentou a partir dos anos 1990. Isso tem um impacto negativo no bem-estar subjetivo.
Por outro lado, em muitos países, mais pessoas do que nos anos 1990 sentiram que as necessidades básicas (econômicas, mas também o desejo de segurança jurídica e participação, ou a igualdade de gênero, cor da pele e orientação sexual) estão provavelmente mais bem satisfeitas hoje do que então. Isto beneficia seu bem-estar subjetivo.
O que acontece com a geração atual, nascida com tantos estímulos? Por outro lado, avalia que existe algo melhor em relação ao tempo e a valorização da felicidade?
Não diria que os jovens de hoje sejam, em geral, mais infelizes ou se sintam mais apressados do que as pessoas da época em que eu era jovem. No entanto, é verdade que a geração jovem de hoje é mais vulnerável. A probabilidade de sofrer de depressão hoje é muito maior do que antes.
Uma das razões é, sem dúvida, a sobrecarga de estímulos e a influência das redes sociais, que levam uma pessoa a comparar constantemente a sua própria situação com a apresentada pelos outros. Outra razão são os anos de pandemia, que tiveram um impacto muito negativo na saúde mental dos jovens, em particular.
Em seu livro, você escreve que “o ritmo da sociedade deve mudar” e precisa de uma transformação, de uma mudança radical. Por favor, amplie esta análise.
O sociólogo Max Weber disse: “O desperdício de tempo parece ser o pior de todos os pecados”. Crescemos com a ideia de que devemos utilizar cada momento do tempo. É difícil gastar tempo para simplesmente perceber o que está acontecendo ao nosso redor. Nós nos tornamos muito unidimensionais em nossa gestão do tempo. Acreditamos que cada atividade deve ser realizada com a máxima pontualidade e eficiência, com a máxima densidade.
Para muitos processos em nossa sociedade isto pode ser certo e importante. Nosso tráfego aéreo seria um desastre contínuo sem esta diretriz. Mas, em outras áreas da vida, isto é simplesmente incorreto. De vez em quando, se não fôssemos capazes de esquecer do tempo, não conseguiríamos manter amizades, nem relações satisfatórias. Não teríamos novos pensamentos, nem ideias. Devemos finalmente tratar o nosso tempo de forma diferente. Precisamos de uma nova cultura do tempo.
Uma nova cultura do tempo se baseia no novo conhecimento sobre como percebemos o tempo, como o nosso cérebro o gere e quão mutável é a nossa experiência dele. Uma nova cultura do tempo respeita que pessoas diferentes tenham ritmos diferentes e que existam ritmos diferentes para atividades diferentes. Que nem toda interação com o tempo deve ser medida com o calendário ou com o relógio.
Uma nova cultura do tempo significa uma sociedade que confere a cada indivíduo maior soberania na gestão do seu tempo. Muito mais liberdade para estruturar seu próprio horário de trabalho, mas também mais disposição de cada indivíduo para usar esta liberdade. Adaptar a rotina diária às características pessoais. Sabemos que ser um “madrugador” ou “noctâmbulo” está em grande parte determinado geneticamente e seria benéfico para as pessoas se isto fosse mais respeitado.
Uma nova cultura do tempo significa apreciar muito mais o momento do que antes. Em nossa cultura, a durabilidade é um valor em si. Um edifício é mais venerável quanto mais velho for. No Japão, por outro lado, em uma cultura que está muito mais centrada no momento, os santuários mais importantes são demolidos e reconstruídos a cada dez anos. Estamos muito ocupados com o nosso passado e os nossos planos para o futuro, o que não é fundamentalmente ruim, mas, muitas vezes, nós nos esquecemos do presente, do momento.
Uma nova cultura do tempo também significa não se deixar cativar por cada novo estímulo que encontramos, mas, sim, gerir a nossa percepção de forma mais consciente. E, sobretudo: o que nos é apresentado como estresse temporário, na maioria dos casos não é uma falta de tempo, mas resultado do medo de não corresponder às expectativas. O crucial é o grau de controle que tenhamos sobre as nossas decisões e, portanto, sobre o nosso tempo. Então, nós não nos veremos mais impotentes diante do tempo, pelo contrário, nós mesmos determinaremos o nosso tempo.
Por que sentimos que a eternidade está nos momentos de amor, sexo, beleza e felicidade?
Primeiro, porque a experiência do tempo depende da percepção. Estimamos a passagem dos segundos, minutos e horas a partir de informações como o ritmo da nossa própria respiração e mudanças no ambiente. No entanto, quando experimentamos um evento particular como muito intenso, ficamos completamente cativados por ele e, então, inversamente, mal notamos a informação mais fortuita com a qual podemos construir uma sensação de tempo. Como resultado, parece que o tempo não passou.
Segundo, porque temos fortes necessidades metafísicas. A eternidade é um valor elevado em nossa cultura, que ainda está moldada pelo cristianismo. Consequentemente, tendemos a associar momentos que nos parecem particularmente significativos ou valiosos com uma noção de eternidade.
Por favor, amplie um pouco a ideia que desenvolve sobre o livro de Arthur C. Clarke, de que as coisas perderiam valor, se tivéssemos todo o tempo do mundo.
Todas as sensações estão sujeitas ao tempo. Lamentamos algo que passou ou uma esperança que tivemos de abandonar. E o que torna uma pessoa tão única que a sua presença nos parece particularmente preciosa? São as experiências compartilhadas que só dividimos com ela: o desejo de permanecer juntos por muito tempo, o medo de perdê-la.
Em um mundo onde as pessoas podem se separar e se reunir a qualquer momento, tudo isto seria irrelevante. O amor precisa crescer, mas na cidade imortal da Diáspora, que Arthur Clarke descreve em seu livro Los siete soles, não há crescimento.
Assim como ter tempo pode desvalorizar tudo o que temos, a felicidade plena não poderia levar a um estado de tédio?
A felicidade é uma emoção. As emoções são sinais que a natureza inventou para nos seduzir com determinados comportamentos. O propósito dos sinais é indicar mudança. Portanto, a felicidade constante não pode existir.
O ser humano precisa das emoções e da sua montanha-russa, do assombro, para ter motivações? Se sim, tal como interpreto em seu livro, significa que o tempo, mais do que um conceito de passagem ou de mudança, é o grande motor do ser humano?
Sim, pode-se dizer assim. A motivação surge da esperança de uma mudança que nos parece vantajosa. Onde não há tempo, não há esperança, nem motivação.
Você acredita, seguindo alguns pensadores, como Schopenhauer, que o amor é uma espécie de estratégia do universo ou da natureza para garantir a vida, não só tendo filhos, mas porque o amor ou sua ilusão servem de estímulo para querer continuar vivendo?
Estou completamente de acordo.
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“Precisamos de uma nova cultura do tempo”. Entrevista com Stefan Klein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU