Mineral é considerado fundamental para a transição energética, mas “o desenvolvimento de políticas precisa caminhar junto com a sociedade”, diz a socióloga
Um dos pontos significativos da COP30, realizada na Amazônia brasileira, foi a cobrança por mais participação social nas decisões políticas, destaca Elaine dos Santos, na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. A demanda evidencia que os empreendimentos relacionados à transição energética geram impactos socioambientais locais. “Tanto a mineração quanto os empreendimentos relacionados às energias renováveis são impactantes e, em geral, não têm trazido grandes benefícios econômicos duradouros para as comunidades locais ou para o desenvolvimento regional”, afirma.
Elaine dos Santos pesquisou os efeitos da exploração das matérias-primas críticas em pequenos municípios no Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais, e atualmente estuda a exploração petrolífera na Amazônia e de lítio no Brasil e em Portugal. As pesquisas realizadas numa perspectiva interdisciplinar, afirma a entrevistada, constatam que “a dimensão social da utilização do lítio na transição energética tem sido sistematicamente negligenciada”. O mineral é considerado estratégico para assegurar a transição energética.
Embora não haja exploração de lítio na Amazônia, os pedidos de pesquisa na região aumentaram. “Isso já é surpreendente, até para quem acompanha de perto, como eu faço, as publicações do Serviço Geológico do Brasil, isto porque eles nunca haviam divulgado a possibilidade de ocorrências significativas de lítio nessa região”, comenta.
No contexto europeu, menciona, o interesse pela exploração do lítio decorre de uma disputa interna. “A Europa quer se reindustrializar e reduzir sua dependência da China, mas ainda não consegue lidar com sua própria burocratização. Com isso, para suprir a demanda de matérias-primas, acaba recorrendo a parceiros como Chile e Brasil, o que reforça uma continuidade da periferização da mineração, inclusive daquelas que surgem agora sob a bandeira da transição energética e da digitalização”, informa. Segundo a pesquisadora, “estima-se a abertura de cerca de 330 novas minas de minerais críticos até 2030”.
Na entrevista a seguir, Elaine explica a diferença entre minerais críticos e estratégicos, segundo os interesses nacionais, os possíveis impactos da extração de lítio na Amazônia, o interesse internacional em minerais críticos e terras raras brasileiras. A pesquisadora também retoma as reflexões de Cristovam Buarque sobre o fetichismo da energia nos anos 1980 e enfatiza que a transição energética não pode ser reduzida a debates técnicos. “Para Buarque, a raiz da crise está na racionalidade econômica global, que distorce as relações entre sociedade, natureza e poder. Ou seja, o problema não é apenas técnico ou de infraestrutura: é social e político”.
Elaine dos Santos em trabalho de campo sobre o lítio no Vale do Jequitinhonha (Foto: Arquivo pessoal)
Elaine Cristina Silva dos Santos é socióloga, mestra em Energia, Sociedade e Meio Ambiente, pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e doutora em Sociologia no Centro de Estudos Sociais (CES), pela Universidade de Coimbra. É pesquisadora júnior no Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), Portugal.
IHU – Sua pesquisa analisa a cadeia de valor do lítio com foco nas dinâmicas da transição energética no Brasil e em Portugal. O que tem evidenciado a partir desse estudo?
Elaine dos Santos – Eu pesquiso energia a partir da exploração petrolífera na Amazônia desde 2007 e o lítio desde 2017, inicialmente muito focada no Brasil e na América Latina. Então, quando começou o debate sobre a possibilidade de exploração de lítio em Portugal, puxado pelas políticas europeias, isso naturalmente chamou a minha atenção. Desde 2019, acompanho de perto o debate público sobre a abertura de minas de lítio em Portugal, observando tanto os posicionamentos institucionais quanto as mobilizações sociais.
Em 2020, a Comissão Europeia apresentou um plano de ação para matérias-primas críticas, essenciais para as chamadas “tecnologias do futuro”. Um dos objetivos do plano é reforçar a aquisição dessas matérias-primas dentro da Europa, estabelecendo como ideal uma dependência que não supere 33% em relação a nenhum país. Esse pressuposto obrigou a revisão da estratégia industrial europeia, detalhando áreas de risco e conflito por meio do rastreamento da cadeia de suprimentos. Essa estratégia foi consolidada no Ato para as Matérias-Primas Críticas, aprovado em 2024.
A partir daí, passei a analisar comparativamente Brasil e Portugal, considerando que o Brasil já tinha uma empresa de lítio que explora há décadas, a Companhia Brasileira de Lítio, e o Vale do Jequitinhonha pretendia ampliar seus processos. Em 2023, por exemplo, foi lançado o slogan “Vale do Lítio” no Brasil como forma de atrair investimentos. Nesse contexto, tive aprovado o projeto SOLiTEC, que busca aproximar sociologia e geologia. Ele está sendo desenvolvido no Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), em Portugal, um laboratório estatal, o que no Brasil seria um misto do Serviço Geológico do Brasil com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Essa abordagem interdisciplinar mostrou-se fundamental, pois constatei ao longo dos últimos anos que a dimensão social da utilização do lítio na transição energética tem sido sistematicamente negligenciada. Essa lacuna é particularmente paradoxal no contexto português, já que o Regulamento Europeu sobre Matérias-Primas Críticas, aprovado em março de 2024, prevê garantir um fornecimento seguro dessas matérias-primas para a indústria europeia, estabelecendo explicitamente requisitos sociais como pilares estratégicos.
Inclusive, no âmbito da Unidade de Economia de Recursos do LNEG, elaboramos o primeiro relatório do LNEG dedicado à aceitação social da mineração, intitulado Revisão sistemática sobre a aceitação social da mineração no contexto da transição energética. Esse estudo analisou 118 publicações científicas internacionais e identificou diferenças regionais na forma como a aceitação social é tratada na Europa e em outras regiões. Constatamos que a aceitação social de projetos de mineração é muito mais do que um requisito técnico, ela envolve dimensões sociais, culturais e políticas que precisam ser consideradas para evitar conflitos e garantir legitimidade.
Embora meu projeto ainda esteja no primeiro ano, algumas tendências já são claras. A Europa tenta internalizar cadeias produtivas e enfrenta um debate intenso sobre os entraves relacionados a sua legislação ambiental. Ao mesmo tempo e no mesmo período, o Brasil passou a exportar lítio em 2023, com a Sigma. O que observo é que os projetos europeus, tanto de lítio quanto de outras matérias-primas críticas, esbarram numa rede complexa de obstáculos que vão muito além da geologia. Há uma disputa interna: a Europa quer se reindustrializar e reduzir sua dependência da China, mas ainda não consegue lidar com sua própria burocratização. Com isso, para suprir a demanda de matérias-primas, acaba recorrendo a parceiros como Chile e Brasil, o que reforça uma continuidade da periferização da mineração, inclusive daquelas que surgem agora sob a bandeira da transição energética e da digitalização.
E o ritmo é acelerado: estima-se a abertura de cerca de 330 novas minas de minerais críticos até 2030. É um número que diz muito não só sobre a transição energética, mas também sobre a digitalização e, principalmente, sobre o quanto seguimos aumentando o uso de recursos. Acho que esse é um debate que ainda precisa ganhar espaço.
Neste sentido, no LNEG temos procurado discutir a importância da literacia sobre o uso de minerais no nosso cotidiano, entender o que usamos, por que usamos e quais impactos isso tem. Como parte desse esforço, desenvolvi o jogo “Corrida pelos Minerais”, que é uma forma lúdica de aproximar esse debate de públicos diversos e estimular uma reflexão crítica sobre os materiais que sustentam as tecnologias do dia a dia.
IHU – Você investigou os impactos da exploração das matérias-primas críticas em pequenos municípios, sob perspectivas sociais, políticas e geoestratégicas. Quais as principais conclusões?
Elaine dos Santos – Sim, essa parte da pesquisa foi desenvolvida durante meu pós-doutoramento no IEA-USP. Realizei um trabalho de campo no Vale do Jequitinhonha e também elaborei um questionário para tentar captar as percepções de pequenos municípios que passaram a ser mineradores, ou, mais precisamente, que passaram a receber royalties da mineração. O que encontrei foi uma adesão muito baixa. Mesmo enviando o questionário várias vezes e tentando complementar com entrevistas individuais com os municípios que integram o chamado Vale do Lítio, consegui poucas entrevistas.
O que ficou claro para mim é que, nesses municípios, não há uma visão estruturada sobre como pretendem transformar suas realidades ou se têm um plano de atuação. Quando você visita os sites institucionais, não há praticamente nenhuma informação sobre estratégias de mitigação, nem sobre diálogo com as comunidades que estão a relatar impactos. No debate público, existe uma cobrança constante sobre as empresas mineradoras, o que é legítimo, mas os municípios praticamente não se posicionam. E isso é muito problemático, porque eles também são atores centrais no que é entendido como a “governança” desses territórios.
Eu enfrentei, portanto, muita dificuldade na coleta de dados locais: pouca transparência, pouca abertura e uma colaboração muito limitada das prefeituras e dos políticos de forma geral com a pesquisa científica. Isso acabou transformando o pós-doc, e o tema do lítio em si, numa lente para pensar uma série de questões que organizei em quatro eixos interligados.
No eixo geopolítico, mostrei como o Decreto 11.120, hoje revogado, protegeu a indústria brasileira de lítio das pressões dos EUA. Isso é particularmente revelador para o debate atual sobre soberania mineral, que é um tema bem presente, principalmente por conta das terras-raras. Também analisei as políticas europeias e norte-americanas, mostrando como elas podem, por vezes, mascarar a externalização dos impactos.
No eixo científico-produtivo, reconstruí a trajetória da Companhia Brasileira de Lítio (CBL), destacando seu papel na cadeia de baterias. Isso é pouco debatido e, no entanto, é fundamental para entender o lugar do Brasil nessa cadeia.
No eixo socioambiental, consegui documentar de forma inicial como as comunidades locais têm interpretado essa ampliação da mineração no Vale do Jequitinhonha suas expectativas, seus receios, suas incertezas relacionadas aos postos de trabalhos, sua queixas, por exemplo da poeira, de rachaduras em casas mais próximas onde ocorrem as explosões e os conflitos emergentes no território.
IHU – Você propõe uma discussão conceitual em torno das noções “crítico” ou “estratégico” quando se trata de analisar as matérias-primas e os interesses dos países. Pode explicar como esse esclarecimento pode auxiliar no debate sobre a exploração de terras raras e minerais críticos?
Elaine dos Santos – Sim, eu proponho essa discussão porque há uma diferença importante entre aquilo que é considerado “crítico” e aquilo que é considerado “estratégico”, e isso varia de país para país. No caso brasileiro, por exemplo, a definição de minerais estratégicos está no Plano Nacional de Mineração 2030 e na Resolução CTAPME 2/2021. Esses documentos dividem os minerais estratégicos em três categorias:
Já no caso europeu, a lógica é outra. Lá, os “minerais críticos” são definidos principalmente pela sua importância para as transições energética, tecnológica e de defesa, como lítio, cobre, níquel, cobalto, grafite e terras raras. E essa definição está diretamente ligada à dependência europeia de importações, sobretudo da China. Ao longo da história, muitos desses minerais já foram considerados estratégicos ou críticos em momentos distintos, o que mostra que essa classificação é profundamente geopolítica e econômica, mudando conforme a posição de cada país nas cadeias globais de valor.
Entender isso ajuda muito no debate sobre a exploração de terras raras e de outros minerais críticos. No caso das terras raras, por exemplo, essa clareza conceitual ajuda a desfazer a ideia de que se pode negociar esses recursos de qualquer forma. Pelo contrário: entender o que é crítico, o que é estratégico e para quem é estratégico abre espaço para pensar políticas mais sólidas, inclusive de industrialização e de fortalecimento das capacidades internas do Brasil.
E há um ponto que considero fundamental: o uso desses conceitos não pode ser aleatório ou esvaziado. Eles precisam estar ancorados em análises geopolíticas, econômicas e tecnológicas concretas, porque são essas definições que orientam decisões de Estado, atração de investimentos, estratégias de soberania mineral e, no limite, o próprio lugar que cada país ocupa na transição energética e digital.
IHU – O que se pode inferir de uma futura extração de lítio na Amazônia a partir da experiência no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais?
Elaine dos Santos – Neste momento podemos dizer que não há exploração de lítio na Amazônia. O que existe, por enquanto, são pedidos de pesquisa, e isso já é surpreendente, até para quem acompanha de perto, como eu faço, as publicações do Serviço Geológico do Brasil, isto porque eles nunca haviam divulgado a possibilidade de ocorrências significativas de lítio nessa região.
É importante destacar que o Brasil ainda não está totalmente prospectado. Na verdade, apenas cerca de 27% do território nacional foi mapeado geologicamente, o que limita bastante o conhecimento sobre onde os minerais podem estar.
Neste sentido, a reportagem do Repórter Brasil foi bastante assertiva em chamar atenção para este tema da mineração de lítio na Amazônia, porém, por enquanto, ainda não há exploração. E isso dá uma ideia do que pode ocorrer, se compararmos com o Vale do Jequitinhonha. Claro que em escalas diferentes, como a própria reportagem mostrou, essas pesquisas podem se sobrepor a unidades de conservação, terras indígenas e assentamentos. No entanto, a área solicitada para prospecção geralmente é maior e não coincide exatamente com a área que seria explorada futuramente.
A partir da experiência no Vale do Jequitinhonha, algumas lições podem servir de alerta para futuras áreas de mineração. Por exemplo, os impactos sociais, econômicos e ambientais da mineração tendem a se tornar mais visíveis apenas quando o processo realmente começa. E, normalmente, principalmente para nós das ciências humanas, as pesquisas começam justamente a partir desse ponto, o que eu particularmente considero um equívoco, porque nos tornamos “catalogadores de danos”. Por isso, defendo uma maior participação das ciências sociais em áreas de predominância técnica, justamente pela importância de compreender os processos e os empreendimentos energéticos como um todo, no caso específico da mineração, desde a pesquisa mineral, passando pela exploração, até o processamento posterior.
IHU – O Brasil tem o décimo maior depósito de lítio do mundo. Há risco de uma extração desenfreada na Amazônia, dado o interesse da indústria de tecnologia por este mineral?
Elaine dos Santos – O Brasil ocupa a décima posição mundial em recursos totais de lítio e está em oitavo lugar em relação às reservas, com cerca de 0,39 milhão de toneladas, segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos (2025). Mas não é só o lítio: outros minerais críticos também despertam interesse da indústria de tecnologia, como cobre, níquel, cobalto e terras raras.
Podemos sim, ter risco de uma extração desenfreada, mas é importante lembrar que a abertura de uma mina é um processo que leva anos. Então, ainda estamos em tempo de planejar melhor e evitar repetir os mesmos erros já observados em outras áreas de mineração.
IHU – Quais são os interesses dos Estados Unidos nas terras raras brasileiras?
Elaine dos Santos – Historicamente, o interesse dos Estados Unidos pelos minerais críticos no Brasil não é novo. No caso do lítio, por exemplo, já houve um embate direto, incluindo pressão do próprio governo dos EUA, mostrando que a disputa pelo controle desses minerais estratégicos tem raízes antigas, como descrevi no artigo O lítio no Brasil: história, políticas e desafios industriais.
No caso das terras raras, esse interesse se intensifica hoje por causa da dependência global da China, que concentra cerca de 80% da produção mundial, isso torna o acesso a fontes alternativas, como os recursos de terras raras no Brasil, ainda mais relevante para os Estados Unidos, tanto do ponto de vista estratégico quanto econômico.
IHU – Que outros países têm interesse na extração mineral no país?
Elaine dos Santos – Além dos Estados Unidos, outros países também demonstram interesse na extração mineral no Brasil. A China é um dos principais atores, principalmente por sua liderança na produção de terras raras. A União Europeia também busca alternativas para reduzir sua dependência de importações, como mencionei na questão anterior. Mais recentemente, empresas australianas têm se interessado pelo Brasil, enxergando o país como uma alternativa estratégica à China no fornecimento de terras raras e outros minerais críticos.
IHU – Fala-se que o lítio é essencial para a transição energética, mas, ao mesmo tempo, a extração pode gerar inúmeros conflitos socioambientais na Amazônia. Ele é, de fato, essencial? Se sim, como sair desse impasse?
Elaine dos Santos – O lítio é, de fato, um mineral estratégico para a transição energética, principalmente por seu papel nas baterias de alta performance, que alimentam carros elétricos e armazenam energia renovável. Além disso, estamos cada vez mais digitais, e isso também implica na extração de minerais, seja para fios de cobre, para armazenamento de dados em data centers ou para fabricação de baterias.
Eu não tenho uma resposta pronta sobre como sair desse impasse, porque este não é um dilema que se resolva com um simples “sim” ou “não” à mineração, porque estamos falando de um modo de produção e, consequentemente, de um modo de consumir e existir. E a mineração está em tudo o que consumimos. E não estou defendendo voltar às cavernas, isso é apenas uma fantasia, mas sim olhar para a realidade, que é altamente consumista e perceber como poderíamos conseguir existir de outra forma, até porque isto torna a vida – a do planeta e a nossa – insuportável e extremamente desigual.
IHU – Que questões precisam ser sopesadas em relação à extração desse mineral e à exploração de terras raras?
Elaine dos Santos – Ao falar da extração de lítio e da exploração de terras raras, é importante diferenciar mineração, processamento e metalurgia, porque cada etapa gera impactos distintos. Trabalhando com geólogos, aprendi que cada mina é única, cada comunidade tem suas próprias dinâmicas, e os impactos precisam ser analisados considerando a formação geológica, os processos de extração e processamento, e as legislações aplicáveis.
A mineração, diferentemente de outros empreendimentos extrativos ou energéticos, tem uma rigidez locacional: não se pode mover a mina. Por isso, cada tipo de mineral exige uma análise específica. A extração de lítio, por exemplo, varia se for em salmouras ou em rochas, com impactos diferentes sobre água e comunidades. Já as terras raras geralmente demandam processos metalúrgicos mais complexos, intensivos em energia e produtos químicos, com riscos maiores de contaminação do solo e da água.
IHU – Num artigo recente, você menciona o texto “O fetichismo da energia. Reflexões sobre o chamado problema energético brasileiro e o papel dos economistas na sua solução”, de Cristovam Buarque, publicado em 1982. Que luzes o texto traz para o atual debate sobre transição energética e exploração mineral?
Elaine dos Santos – Eu acho o texto de Cristovam Buarque muito interessante justamente porque traz um debate mais amplo sobre energia, algo que me parece ausente nos dias atuais. É um texto pensado para discussão, numa época em que, mesmo entre engenheiros e economistas, refletir sobre sociedade era considerado importante.
O ponto de partida dele é tratar o problema energético como um problema social. Logo nas primeiras páginas, afirma que o “fetichismo da energia” revela que o problema energético brasileiro não é nem energético, nem brasileiro. Para Buarque, a raiz da crise está na racionalidade econômica global, que distorce as relações entre sociedade, natureza e poder. Ou seja, o problema não é apenas técnico ou de infraestrutura: é social e político.
Ele também destaca que o desequilíbrio energético se encontra principalmente na demanda. No curto prazo, o foco recai sobre a oferta, devido à inércia do parque produtivo, mas é na demanda, nos modos de consumo e nas políticas energéticas, que estão algumas das medidas mais eficazes. Eu concordo plenamente, e por isso acredito que a literacia em energia e mineração é fundamental. O desenvolvimento de políticas energéticas e de mineração precisa caminhar junto com a sociedade. A energia, sendo um tema tão estratégico que envolve modelos de desenvolvimento, não pode ser dominada apenas pelo tecnicismo.
IHU – Quais os prós e contras do projeto de lei que institui a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE)?
Elaine dos Santos – O ponto positivo é que o Brasil finalmente passa a ter uma política estruturada para minerais críticos e estratégicos, o que ajuda a orientar investimentos e a organizar a cadeia de suprimentos. Por outro lado, ainda é cedo para avaliar os contras, porque muito vai depender de como a lei será implementada. O possível desafio que percebo neste momento é o atraso histórico: enquanto alguns projetos já estão em fase de pesquisa ou até exploração, a política chega apenas agora, o que pode gerar sobreposição e falta de coordenação.
IHU – O contraste entre o discurso do presidente Lula e as decisões políticas brasileiras na área socioambiental chamou atenção na COP30. Que balanço faz da conferência?
Elaine dos Santos – Eu acompanhei principalmente o debate sobre minerais. Foi anunciada uma nova política para impulsionar investimentos em minerais estratégicos da transição energética, incluindo a criação de debêntures com benefícios fiscais para financiar projetos de transformação mineral e fortalecer a indústria nacional. Que na prática significa dizer que a empresa apresenta o projeto aprovado pelo governo, emite as debêntures e um investidor comprar, recebendo juros e benefícios fiscais, e com este capital a empresa pode investir sem depender de bancos.
Esse mecanismo pode ser interessante, mas também pode gerar uma renúncia fiscal relevante e tende a favorecer grandes players, porque as empresas maiores têm mais facilidade em acessar estruturas de projetos complexos e emitir as debêntures. Além disso, essa política por si só não garante agregação de valor suficiente e precisa de salvaguardas socioambientais para evitar que a transição energética seja apenas um discurso, como tem sido.
Ao mesmo tempo, na COP30 vi que muitos movimentos cobraram mais participação social, algo que considero essencial, porque tanto a mineração quanto os empreendimentos relacionados às energias renováveis são impactantes e, em geral, não têm trazido grandes benefícios econômicos duradouros para as comunidades locais ou para o desenvolvimento regional.