O conflito Vaticano-Israel faz reaflorar séculos de hostilidade sobre a questão fundamental: a fé no único Deus. Artigo de Giovanni Maria Vian

Papa Francisco no Muro das Lamentações (Foto: Vatican Media)

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20 Fevereiro 2024

"Hostilidade e desconfiança, mas sobretudo ignorância mútua, continuam presentes tanto nos judeus como nos cristãos, como demonstrou a história das últimas décadas", escreve Giovanni Maria Vian, historiador e ex-diretor do L'Osservatore Romano, em artigo publicado por Domani, 16-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Hostilidade e desconfiança, mas sobretudo ignorância mútua, continuam presentes tanto nos judeus como nos cristãos, como demonstrou a história das últimas décadas. No entanto, passos em frente reais e consistentes foram dados. As consequências do último conflito, longamente preparado pelo Hamas, voltaram a dar vazão a um antijudaísmo pernicioso, com reações do Vaticano consideradas por Israel não injustamente desequilibradas.

Entre as consequências do terrível incêndio que assola o Oriente Próximo - em Israel e na Palestina, especialmente em Gaza, mas não só, com muitas milhares de vítimas, na sua maioria civis – está o congelamento das relações entre judeus e cristãos, que sempre foram difíceis.

Juntamente com a intolerável perda de vidas, o dano é enorme porque as relações entre esses dois mundos religiosos parecem ter retrocedido de décadas.

Apenas algumas vozes, infelizmente minoritárias, se levantaram para denunciá-lo. Desta vez a preocupação talvez seja mais do lado judaico - como pareceu pela intervenção lúcida e dolorosa do rabino-chefe de Roma que falou um mês atrás na Universidade Gregoriana – que do lado cristão. E isso é, paradoxalmente, um resultado positivo da reaproximação, ainda que cheia de arestas, dos últimos anos.

O nó é notoriamente muito complexo. No plano político, sem dúvida, mas talvez ainda mais naquele religioso. Os dois planos interferiram entre si desde as suas origens, há quase vinte séculos, com a pregação do mestre de Nazaré, por um lado, e do outro, quarenta anos depois, após a destruição do templo em Jerusalém pelos romanos. Que depois, na época do imperador Adriano, derrotam a última revolta judaica.

Com efeitos duradouros nas relações entre judeus e cristãos, em constante competição entre si, e na transformação desses dois mundos.

Basta lembrar que a partir de 135 o próprio nome de Jerusalém, que passou a ser Aelia Capitolina, desapareceu por uns dois séculos e ressurgiu, após a terrível perseguição de Diocleciano, no âmbito cristão da época de Constantino.

Quando há muito tempo a igreja havia rejeitado a heresia de Marcião que do cristianismo queria apagar todo vestígio do judaísmo: uma tendência que, no entanto, tende a repetir-se periodicamente, como lembrou Ratzinger em 2017.

A relação com o judaísmo

Para a fé cristã, apesar de séculos de antijudaísmo até mesmo persecutório, a relação com o judaísmo – a “raiz santa”, como a define São Paulo – sempre permaneceu ineliminável e essencial.

O Holocausto acelerou uma reaproximação que para a Igreja Católica foi consagrada em 1965 pelo concílio e se somou em 1993 ao reconhecimento do estado de Israel pela Santa Sé, embora num contexto geopolítico que se tornou cada vez mais conflituoso pela inércia interessada, também por parte dos países muçulmanos, em relação à questão palestina.

No entanto, passos em frente reais e consistentes foram dados. As consequências do último conflito, longamente preparado pelo Hamas, até o feroz ataque de 7 de outubro, deram mais uma vez fôlego a um antijudaísmo - também religioso - na realidade persistente e pernicioso para a própria fé cristã.

A tudo isso somaram-se agora as duras reações do lado israelense, mas mais genericamente judaico, diante da atitude do pontífice e de muitos expoentes católicos, mesmo de alta posição, considerados não injustamente desequilibrada em detrimento de Israel.

Muitos fatores políticos e geopolíticos certamente complicam uma questão candente, mas a aposta em jogo é muito elevada porque na raiz se trata da fé no único Deus.

Uma fé que está sobrecarregada por séculos de hostilidade e que por isso exige uma purificação dos três monoteísmos - judaico, cristão, muçulmano - de posições fundamentalistas e ideológicas.

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