05 Fevereiro 2024
"Se um pai dá a bênção a um filho homossexual, ele não a dá à sua homossexualidade, mas porque seu filho é maior do que esse aspecto de sua pessoa. E assim a Igreja quando abençoa as pessoas, a sua vida: a bênção é sempre um apelo à conversão, à mudança de vida, ao seguimento fiel do Senhor", escreve o monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vita Pastorale, fevereiro de 2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Alguns frutos começam a ser vistos no itinerário sinodal iniciado em outubro de 2021. É verdade, por enquanto não foram tomadas decisões importantes, adiadas para o final da segunda sessão, que será realizada no outono de 2024 — ou ainda mais tarde, tendo que ser promulgadas pelo bispo de Roma, a quem cabe o discernimento final -, mas já podemos ver algumas respostas da Santa Sé aos desejos expressos pelas Conferências Episcopais e que emergiram durante a discussão sinodal. A Igreja pôs-se em movimento com determinação, segundo o desejo do Papa Francisco, em vista de uma renovação que seja também uma reforma da própria Igreja.
Por exemplo, a mudança trazida pelo Papa ao Dicastério para a Doutrina da Fé, como se pode ver numa carta rica de parrésia sobre a função da entidade e dos eclesiásticos nela envolvidos, prevê que tal Dicastério não tem mais apenas a preciosa tarefa de “proteger o ensinamento que brota da fé a fim de dar razão à nossa esperança", tarefa a realizar "mas não como inimigos que apontam e condenam" O Papa adverte que se o Dicastério tinha chegado ao ponto de usar métodos imorais e se perseguiam erros doutrinais, agora deve ajudar a Igreja a crescer na interpretação da Palavra, permitindo a afirmação de diferentes correntes de pensamento filosófico, teológico e pastoral, humanizadas pelo Espírito Santo na lógica do respeito e do amor.
Portanto, o pequeno rebanho do Senhor não será, de agora em diante, como aconteceu até agora, intimidado e às vezes perseguidos pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, e os teólogos poderão desempenhar as suas pesquisas com liberdade, sem medo. Não é insignificante essa mudança claramente evangélica que exclui o fácil recurso ao ministério da condenação e espera que se procure antes corrigir quando houver necessidade, propondo caminhos de escuta mútua, de discussão séria, de caridade fraterna.
Ocorreu outra mudança, mais solicitada por vários episcopados do Norte da Europa do que em parte já experimentam essa prática, trata-se das bênçãos dadas a pessoas e casais que vivem concretamente uma situação contrária à doutrina católica: divorciados, coabitantes, homossexuais, etc.
Aqui é necessária clareza, aquela clareza sincera e leal que, infelizmente, faltou na reação ao documento Fiducia supplicans do Dicastério da Fé. Sim, talvez o documento pudesse ter sido redigido com maior adequação à linguagem teológica e jurídica da Igreja, mas não carece de clareza. Ele afirma que existe uma possibilidade de bênção para os casais em situação irregular e do mesmo sexo, sem com isso validar o seu status ou modificar o ensinamento tradicional da Igreja.
Nós cristãos, na verdade, sabemos que toda criatura já é abençoada e não precisa de uma bênção porque a verdadeira bênção, segundo a Bíblia, é abençoar a Deus por aquela criatura. Essa doutrina remonta aos rabinos, que diante do pedido de abençoar algo respondiam que sim, mas sempre no sentido de abençoar a Deus por tal coisa! Pessoalmente, antes da bênção a qualquer casal, hetero ou homossexual, pediria que os dois parceiros abençoassem ao Senhor pelo amor que vivem, porque é um dom que eles recebem. Na bênção, certamente não podemos louvar a Deus por aquilo que não pode ser um bem, bom, de acordo com a vontade de Deus, em suas vidas. Mas tendo sido atestada a prática de abençoar as coisas do mundo, os estábulos, os porcos e até as armas! —, deve-se ter em mente que quando se implora a bênção de Deus sobre algum casal em situação irregular não se abençoa o pecado, a contradição com a doutrina católica e com a vontade de Deus expressa nas Sagradas Escrituras, mas simplesmente se abençoam aquelas pessoas, que são bens maiores do que o seu pecado.
Aqui é questão de olho: muitos veem nos outros apenas a sexualidade desordenada, a sexualidade proibida e não sabem discernir que cada pessoa é capax bonum e que muitas vezes há quem viva o amor ao próximo e a fé em Deus apesar de não conseguir satisfazer as exigências da castidade. E, além disso, atenção: é pecado quando duas pessoas se unem de forma fusional, conjugadas psiquicamente, mesmo sem que haja qualquer exercício da função genital. Não queremos nos dar conta disso, mas a castidade é o contrário do incesto (incastus) e pede distinção, liberdade, não fusionalidade ou conjugação, haja ou não o exercício da função genital.
Se um pai dá a bênção a um filho homossexual, ele não a dá à sua homossexualidade, mas porque seu filho é maior do que esse aspecto de sua pessoa. E assim a Igreja quando abençoa as pessoas, a sua vida: a bênção é sempre um apelo à conversão, à mudança de vida, ao seguimento fiel do Senhor. Por isso a bênção a pessoas em situação irregular não deveria ser dada no contexto de uma liturgia, mas, como sugere a vida boa e hospitaleira, ser dada quando se apresenta a oportunidade: nem de forma ostensiva, nem escondida... Deveria ser celebrada na vida, olhando para a vida e que o Senhor seja Senhor de bênção.
Também esse é um passo de misericórdia que o Papa Francisco faz a Igreja realizar para que todos possam sentir-se atraídos por Cristo, que prometeu atrair todos a si (cf. Jo 12,32). Mas sabemos de uma reação a esse documento por parte de conferências episcopais inteiras da Europa do Leste e, acima de tudo, da África. Assim surge o problema de que venho falando há anos, sugerindo a necessidade de nos prepararmos para o confronto com as diferentes culturas que hoje entram em conflito com a fé. É uma novidade dos últimos vinte anos, da qual principalmente a Igreja Anglicana pagou alto preço num confronto que ocorreu entre as duas Igrejas Anglicanas do Norte e do Sul (especialmente da África) sobre o tema da ordenação de mulheres e de bispos homossexuais. E os anglicanos tentaram, não sem trauma, resolver a questão evitando os cismas, com a aceitação de diferenças reconciliadas.
Para a Igreja Católica não poderá ser assim: mas cabe a cada bispo discernir a possibilidade de conceder a bênção aos casais irregulares da sua diocese, avaliando se a fé do povo de Deus está madura para tal recepção. E, em qualquer caso, com o compromisso de estudar, de continuar aprendendo sobre o problema, sem se opor radicalmente às indicações do Dicastério da Fé. Além disso, esse não será o único problema de recepção: as culturas já têm agora um grande peso e no seu confronto com a fé não podem ser postas de lado como no passado, quando sempre e só a fé, testemunhada por Roma era para todos e por todos aceita. Nas próximas décadas assistiremos ao surgimento de áreas culturais diferentes, com atitudes diferentes em relação à fé. E isso na medida em que ocorrerá a invocada inculturação da fé, da moral e da liturgia!
Em todo o caso, estamos assistindo a uma evolução que está em conformidade com o Evangelho e na qual o Papa Francisco nos encoraja com parrésia e espírito profético: quer uma Igreja fiel ao Evangelho, com a primazia de amor, de misericórdia que não exclui, não condena, não marginaliza, não humilha, mas reconhece e ama os filhos de Deus: uma Igreja mãe, não mais madrasta!
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Uma evolução que está de acordo com o evangelho. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU