09 Março 2012
Os tempos da vida monástica cadenciam as horas de trabalho, de oração e de repouso. E os hóspedes da comunidade encontram nessa estada o prazer dos tempos longos.
A opinião é de Carlo Petrini, chef italiano fundador do movimento Slow Food, em artigo para o jornal La Repubblica, 29-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No espírito desta editoria [Turismo], a sugestão desta semana pode parecer um pouco particular, mas lhes garanto que poucos lugares têm o fascínio e a capacidade de nos conduzir para ritmos de vida mais tranquilos e mais slow [lentos] como o Mosteiro de Bose, na Serra d'Ivrea [Itália].
Os tempos da vida monástica cadenciam as horas de trabalho, de oração e de repouso, e os hóspedes da comunidade encontram nessa estada o prazer dos tempos longos, o sentido de uma acolhida respeitosa, que não lhe interroga sobre a fé e sobre as ideias, mas deixa espaço ao repouso e à meditação.
Com Enzo Bianchi, prior de Bose, compartilho uma amizade mais do que decenal, consolidada pelas nossas origens comuns naquele Piemonte de colinas, onde uma antiga civilização agrícola soube codificar no tempo e com o dialeto pequenos fragmentos de sabedoria. Em Il pane di ieri [O pão de ontem], publicado em 2008 pela Einaudi, Bianchi restitui a memória de um mundo desaparecido que muitos imaginam como bucólico e gozoso, sem pensar em quanta violência e sofrimento o atravessaram. No entanto, naquele tempo e naquele canto do velho Piemonte, as boas práticas dos agricultores, dos pescadores e dos pastores nos entregaram não só o "pão de cada dia", mas também a amizade, a hospitalidade, o respeito pela diversidade, o amor pela terra. A comida está no centro desses valores e, como diz Enzo Bianchi, é preciso "saber entrever na comida preparada sobre a mesa o ápice de uma série de atos de amor".
Por isso, a comunidade de Bose cultiva a terra no jardim e no pomar, produz o pão, as geleias, os licores seguindo metodologias e astúcias que são a expressão de saberes tradicionais.
A propósito de astúcias, é preciso dizer que a cozinha percorre desde sempre práticas transmitidas de mãe para filha durante anos e muitas vezes essas práticas são mais exatas do que receitas feitas com termômetros e cronômetros muito precisos. A esse propósito, o prior me deu um guia para o justo cozimento do ovo, praticado nos campos entre Langhe e Monferrato. O tempo de cozimento de um ovo escalfado corresponde à recitação de duas Ave-Marias; com três Ave-Marias se obtém o ovo à la coque; cinco Ave-Marias são ideais para a solidez da clara e a maciez da gema; com 10 Ave-Marias o ovo fica duro.
Parece que o exercício é ótimo para os fiéis, com bons resultados também para os não crentes. O que é certo é que, nesse mosteiro, a qualidade dos alimentos é buscada com moderação, sem desperdício, mas com a máxima atenção aos detalhes. À mesa do prior encontram-se pessoas simples ou príncipes da Igreja, artistas ou ministros da República, agricultores ou grandes empresários. Alimentos de qualidade para todos, aos mais afortunados os melhores raviólis de todo o Piemonte, especialidades e conservas para levar, fruto do trabalho nos campos e do laboratório de cozinha.
Além disso, praticar a justa medida da comida e da bebida não significa mortificar a sua qualidade. Sobre a acolhida dos hóspedes, a regra de Bento fala claramente: "Que a mesa do abade esteja sempre aberta aos hóspedes e aos peregrinos", "que todos os hóspedes que chegarem sejam acolhidos como Cristo... e a todos se renda a devida honra", "que se tenha o máximo cuidado e solicitude pela acolhida dos pobres... o medo que os ricos incutem, de fato, induz, por si só, a honrá-los".
Apesar dos quase 1.500 anos de idade, a regra é mais do que nunca atual e sugestiva, e merece um aprofundamento.
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Na paz do Mosteiro de Bose. Artigo de Carlo Petrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU