18 Fevereiro 2017
“Diante de outro sujeito, quando não sabemos estar com respeito, como que diante de um mistério, de uma transcendência; quando não somos capazes de nos inclinar diante do outro e de fazer isso por amor; quando não percebemos o segredo do outro, que foge ao nosso alcance, então não somos capazes de castidade.”
A opinião é do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal L’Osservatore Romano, 09-02-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo ele, "o celibato cristão exige que se busque a castidade, mas não se identifica com ela. Do celibato, pode-se dizer que é “grandeza”, mas se deve dizer que é também “miséria”, aquela miséria que cada um conhece nas suas contradições à castidade: contradições em nível de pensamentos, palavras, ações e até mesmo omissões, porque, às vezes, a castidade verdadeira exige omitir, especialmente na relação com o Senhor, um investimento daquilo que deve ser investido somente na relação sexual entre humanos".
Castidade é uma palavra quase sempre incompreendida ou, melhor, desconhecida e escarnecida, especialmente porque é confundida com a abstinência sexual, com o celibato. A etimologia nos sugere que é casto (castus) aquele que rejeita o incesto (in-castus). O incesto ocorre todas as vezes em que não se vive a distância e não se respeita a alteridade, que não é só diferença. Não é casto aquele que busca a fusão, o apego, a posse: sinal de tal busca é a agressividade que, nestes casos, facilmente se acende e se manifesta.
A sexualidade – estou mais do que nunca convencido disso depois de uma vida vivida observando-a, contemplando-a, vivendo-a na paz e na fragilidade – está no espaço do dom, porque requer dar e receber, e sempre se coloca na relação entre dois sujeitos. A sexualidade não se reduz à genitalidade, e, portanto, a capacidade de dom e de acolhida é mais ampla do que aquela exercida na genitalidade: de fato, investe a pessoa inteira e as suas relações.
Por isso, a sexualidade é algo bom e bonito, mas o seu uso pode ser inteligente ou estúpido, amante ou violento, ligado ao amor ou simplesmente à pulsão. A sexualidade nos leva à relação com o outro, mas depende de nós buscar, nessa relação, o encontro ou a posse, a sinfonia ou a prepotência, o intercâmbio e a partilha ou o narcisístico possuir o outro.
Poderíamos dizer que a castidade é a arte de nunca tratar o outro como um objeto, porque, neste caso, ele é “consumido” e é destruído. Arte difícil e fatigante, que requer tempo: não nascemos castas, mas, ao contrário – é preciso dizer claramente –, nascemos incestuosos, e o exercício de separação e de distinção nos leva a uma subjetividade verdadeira e autônoma. A castidade confere às relações humanas uma transparência que permite que as pessoas se reconheçam no respeito do seu ser mais íntimo.
Pense-se no encontro sexual dos corpos na sua nudez e na intimidade que daí deriva. Quando os corpos em nudez se encontram e se entrelaçam, acende-se um conhecimento recíproco que não é comparável àquele que até mesmo os amigos mais íntimos podem ter um do outro. Compartilhar o corpo, compartilhar a respiração, compartilhar o leito cria uma união que é “conhecimento único”, é – ousaria dizer, citando João Paulo II – “liturgia dos corpos”, é conhecimento de uma profundidade única.
Quando se toca um corpo, não se toca qualquer coisa, mas uma pessoa, que não é um objeto de prazer, que não pode ser consumida, mas que é possibilidade de comunhão autêntica. Sem essa comunhão, não é possível a castidade, mas apenas a obediência à pulsão, ao ardor, à posse. Escrevia Rainer Maria Rilke: “Não há nada de mais árduo do que amar: é um trabalho, um trabalho diário... O amor é difícil e não está ao alcance de todos”.
O ato sexual, realizado nos tempos e nos modos que os amantes sabem discernir como belos, bons e “justos”, é conhecimento, e não se deve ter medo de afirmar que precisamente o sumo prazer do ato sexual incendeia tal conhecimento.
Mas não é fácil distinguir esse sumo prazer do encontro dos corpos, dos corações, das inteligências, da pulsão. Sim, a pulsão sozinha, com a sua prepotência, pode criar o inferno, mas ela nos habita e, se não fosse assim, não seríamos naturalmente capazes de nos dar e de nos acolher. A pulsão sozinha pode até levar a uma união dos corpos que só conhece o instante fugaz e a uma excitação dos sentidos que conhece o envelhecimento precoce dos próprios sentidos. Não é também por isso que, muitas vezes, as histórias de amor, mesmo que seladas publicamente, conhecem o fim e, portanto, o fracasso do amor?
O amor entre duas pessoas é um longo caminho que só a misericórdia de Deus pode fazer com que seja lido como um caminho possível sem interrupções: por parte dos amantes, sempre há um abrir mão, um não ser adequado ao outro, uma incapacidade de ser sinfônico. O amor deve vencer sempre, a cada dia, sobre todas as forças que são contrárias a ele por obedecerem apenas à pulsão, a qual não quer o bem do outro, mesmo que autorize a dizer que se quer bem ao outro.
Diante de outro sujeito, quando não sabemos estar com respeito, como que diante de um mistério, de uma transcendência; quando não somos capazes de nos inclinar diante do outro e de fazer isso por amor; quando não percebemos o segredo do outro, que foge ao nosso alcance, então não somos capazes de castidade.
Eis a dificuldade da castidade, quase impossível, não vivível, se poderia dizer; Jesus, aliás, nos advertiu: “Todo aquele que olha para uma mulher e deseja possuí-la, já cometeu adultério com ela no coração” (Mateus 5, 28). Olhar para uma mulher para desejá-la não é vê-la como mulher, mas é reduzi-la a um objeto, portanto, não perceber nela a pessoa “outra”; significa passar ao lado de uma possível relação autêntica, para percorrer outras vias que não levam à comunhão.
Mas, justamente colocando-nos diante dessa exigência, compreendemos as nossas fragilidades, as nossas incapacidades, e medimos o animal dominante que está em nós e que nem sempre somos capazes de submeter e de ordenar. Precisamente por isso – eu acredito – Jesus anunciou o mistério da sexualidade e a ligou de modo escatológico ao reino de Deus vindouro. A castidade é um longo trajeto, e só seremos verdadeiramente castos se aceitarmos morrer, se formos capazes de fazer da morte um ato, um ato de dissolução de vínculos.
Nós cantamos com muita facilidade o celibato que faz profissão de castidade, esquecendo que o celibato é uma situação que se vive, enquanto a castidade está em outro nível: não é uma situação, mas uma dinâmica que nunca atinge plenamente o seu objetivo. Nós, humanos, somos tão fracos, conhecemos tão pouco as nossas profundidades, não temos domínio sobre as profundidades das nossas profundidades e somos habitados por pulsões e desejos nem sempre distinguíveis. Precisamente por isso, ouso dizer que aqueles que fazem profissão de celibato podem prometer diante de Deus e expressar essa situação com os votos, enquanto a castidade não deveria ser uma promessa, porque o sujeito pode tender a ela, mas nunca vivê-la sem rachaduras nem contradições.
O celibato cristão exige que se busque a castidade, mas não se identifica com ela. Do celibato, pode-se dizer que é “grandeza”, mas se deve dizer que é também “miséria”, aquela miséria que cada um conhece nas suas contradições à castidade: contradições em nível de pensamentos, palavras, ações e até mesmo omissões, porque, às vezes, a castidade verdadeira exige omitir, especialmente na relação com o Senhor, um investimento daquilo que deve ser investido somente na relação sexual entre humanos. A magia também é querer com Deus relações que o Senhor quis apenas entre os humanos: relações boas e bonitas, mas humanas! Eis porque eu acho que não se pode viver o celibato sem crer, acolher e viver a misericórdia do Senhor. Maior est Deus corde nostro (1João 3, 30).
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A castidade nas relações humanas. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU