15 Novembro 2023
"Assim como outros líderes populistas e autoritários do início do século XXI, Narendra Modi está desconstruindo as instituições democráticas na Índia. Parece ter assumido firmemente as rédeas de um poder cada vez mais desmedido para implementar seu projeto hinduísta radical".
O comentário é de Christophe Jaffrelot, francês, doutor em Ciência Política e pesquisador do Instituto de Estudos Políticos (IEP) de Paris, em artigo publicado por Nueva Sociedad, setembro e outubro de 2023.
Desde que foi eleito primeiro-ministro da Índia em 2014, Narendra Modi conseguiu colocar em destaque a ideologia nacionalista hindu do país, com a qual ele se impregnou desde tenra idade. Além disso, impôs um modo de governo autoritário, figurando entre os líderes que direcionaram seus países para o nacional-populismo e o autoritarismo eleitoral. Num acontecimento sem precedentes na história da Índia, esse dispositivo político-ideológico transferiu-se do âmbito regional para o nacional, um mecanismo de extrapolamento sem precedentes em sua natureza e dimensão.
Mas quem é realmente Narendra Modi? Pergunta difícil de responder, não apenas porque o homem cultiva o segredo sobre grande parte de sua vida, mas também porque sua personalidade combina facetas muito contrastantes. Para revelar sua natureza profunda, seria necessário voltar aos seus anos de formação e prestar atenção aos fatos mais do que às palavras, mesmo quando muitas vezes vale a pena citar o discurso daquele que, para seus seguidores, ainda é um grande orador.
Modi é um animal político moldado pela ideologia, como só são aqueles para quem esta é uma segunda natureza, um estilo de vida, diria Max Weber. No entanto, para entender os meandros de seu carisma, é necessário explorar o que o torna uma figura excepcional na história política indiana, aproximando-o de alguns de seus alter egos contemporâneos, como Recep Tayyip Erdoğan, Viktor Orbán, Benjamin Netanyahu e outros que conseguem ser eleitos e reeleitos, apesar – ou por causa – de seu autoritarismo.
Narendra Damodardas Modi nasceu em 17 de setembro de 1950 em uma pequena cidade de Gujarat, no seio de uma família de classe média baixa e até mesmo de baixa casta, a dos Ghanchi, dedicada à fabricação e venda de óleo de cozinha. Seu pai tinha uma barraca de chá na plataforma da estação local, onde Narendra trabalhava desde criança.
No entanto, a outra família de Modi é nada menos que a Associação de Voluntários Nacionais (Rashtriya Swayamsevak Sangh, RSS), que encarna o nacionalismo hindu desde a sua fundação em 1925. Essa ideologia apresenta o hinduísmo como uma síntese da identidade indiana, e os hindus como filhos da terra descendentes do povo originário da Índia, seu território sagrado. A partir dessa perspectiva, os membros das minorias (muçulmanos, cristãos, etc.) só podem ser reconhecidos como cidadãos plenos se jurarem lealdade à hindutva e adotarem um estilo de vida hindu; caso contrário, são considerados antinacionais e denunciados, e até mesmo discriminados e reprimidos.
A RSS se destaca por sua rigorosa organização, o que explica em grande parte sua extraordinária longevidade, pois o movimento não parou de crescer e prosperar há um século, apesar de uma interrupção em 1948, quando foi proibido depois que um de seus membros assassinou Mahatma Gandhi, a quem culpava por ser muito fraco em relação ao Paquistão. A RSS tem como objetivo percorrer o espaço social das cidades e das áreas rurais para transformar a Índia de acordo com sua visão de mundo. Assim, desde 1925, a organização cria filiais locais (shakhas) onde os jovens hindus são treinados tanto fisicamente quanto intelectualmente por meio de exercícios marciais e cursos de história ou outros temas ministrados pelos líderes do movimento. Estes últimos, chamados pracharaks (pregadores), dedicam-se de corpo e alma à "Sangh", renunciando não apenas a qualquer carreira profissional, mas também a formar uma família.
Modi ingressou na filial local da RSS aos oito anos. Tornou-se membro permanente no fim dos anos 1960 e instalou-se no quartel-general regional da RSS em Ahmedabad. Foi primeiro assistente do prant pracharak (responsável pela RSS em uma província – prant – do movimento), antes de se tornar pracharak em 1972. Em seguida, a RSS o encarregou de cuidar da filial local de seu conselho estudantil, o ABVP. Nessa época, Modi havia se matriculado em um mestrado na Universidade de Gujarat, depois de supostamente ter concluído sua graduação por correspondência na Universidade de Deli.
Mas, a partir de 1975, passou à clandestinidade, escapando do estado de emergência imposto por Indira Gandhi, que levou à prisão muitos líderes da RSS. Em 1978, foi nomeado vibhag pracharak (responsável por uma filial da RSS em uma divisão – vibhag – composta por vários distritos) e tornou-se depois sambhag pracharak (responsável por uma filial da RSS em um território que agrupa mais de uma divisão), encarregado da RSS das divisões de Surat e Baroda, hoje Vadodara. Em 1981, foi nomeado prant pracharak com a missão de coordenar os componentes da Sangh Parivar presentes em Gujarat, desde o sindicato de agricultores (Bharatiya Kisan Sangh) até o ABVP, passando pela Visha Hindu Parishad, o Conselho Mundial Hindu que tinha como objetivo agrupar as seitas do hinduísmo (dos shivaítas aos vishnuítas, passando pelos shaktas, devotos da Deusa). No meio da década de 1980, Modi já era reconhecido por seu talento como organizador, e quando L.K. Advani tornou-se presidente do Partido Popular Indiano (Bharatiya Janata Party, BJP) em 1986, decidiu recorrer aos seus serviços dentro do partido. Por isso, em 1987, foi transferido para a organização política criada pela RSS em 1980, o BJP, para ocupar o cargo-chave de sangathan mantri (secretário de organização) na cúpula da filial gujarati do partido. Como chefe organizador do BJP em Gujarat, Modi foi o arquiteto de uma série de eventos na forma de yatra, palavra que em sânscrito significa "peregrinação", mas que o BJP aplica às suas mobilizações de militantes quando percorrem longas distâncias.
Assim, foi responsável pelo segmento gujarati da famosa Rath Yatra de Advani em 1990, que partiu de Somnath, na costa oeste do estado. A próxima yatra, o Ekta Yatra (Peregrinação da Unidade) do novo presidente do BJP, Murli Manohar Joshi, significou em 1991 sua ascensão ao cargo de organizador nacional de uma mobilização desse tipo, que partiu de Kanyakumari (no extremo sul da Índia) e chegou a Srinagar, no norte, para manifestar a unidade da nação indiana.
Em 1995, pela primeira vez em sua história, o BJP ganhou a maioria das cadeiras na Assembleia de Gujarat. Essa vitória foi atribuída em grande parte a Modi, que desempenhou um papel-chave ao lado do veterano do partido que se tornou chefe de governo, Keshubhai Patel. No final dos anos 1990, Modi foi promovido ao cargo de secretário-geral do partido em Nova Delhi, onde assumiu a responsabilidade pela ala jovem do BJP, a Bharatiya Janata Yuva Morcha. No entanto, Modi queria voltar a Gujarat e, de Delhi, propôs-se a tirar Keshubhai Patel do poder. Apoiado pelo primeiro-ministro A.B. Vajpayee, e ainda mais por seu padrinho de sempre, o vice-primeiro-ministro L.K. Advani, Modi substituiu Patel à frente do governo de Gujarat no outono de 2001.
Em Gujarat, Modi construiu um sistema político baseado em quatro pilares complementares. Ele se tornou inicialmente o hindu hriday samrat (imperador dos corações hindus), após um pogrom antimuçulmano que ocorreu menos de seis meses após assumir o cargo. Essa violência, que resultou na morte de cerca de 2.000 pessoas, teve como desencadeador o ataque a nacionalistas hindus – atribuído a muçulmanos locais – em um trem na estação de Godhra. Modi não apenas permitiu que o braço armado da RSS – começando pelos capangas do Bajrang Dal – realizasse operações sangrentas de retaliação, mas também aproveitou para testar um novo repertório político, após dissolver prematuramente a Assembleia Estadual para organizar eleições regionais em um contexto altamente extraordinário. Durante a campanha eleitoral do outono de 2002, Modi impôs, de fato, um estilo nacional-populista que apenas Bal Thackeray, líder do vizinho Maharashtra, também havia promovido, com uma lógica xenófoba, refletida em seus ataques repetidos contra islamitas, e até mesmo contra os muçulmanos em geral e o vizinho Paquistão, acusado de estar por trás dos chamados "ataques jihadistas" dos quais Gujarat teria sido vítima. Modi se erigiu como tribuno defensor dos hindus de Gujarat, um tema predileto que se tornou uma de suas marcas registradas e o transformou no "imperador dos corações hindus".
Mas a partir de 2003, Modi desempenhou outro papel, o da modernização econômica, ao se tornar o vikas purush (homem do desenvolvimento). De fato, inaugurou um novo encontro, Vibrant Gujarat [Gujarat Vibrante], uma reunião bienal para a qual os setores de negócios são convidados – muito bem representados em Gujarat, o estado de onde vêm algumas das famílias industriais mais importantes da Índia (como os Tata ou os Ambani). Assim, Modi adquiriu recursos adicionais transformando a economia política de Gujarat: enquanto este estado era conhecido por sua rede de pequenas e médias empresas, ele apostou em vez disso em megaprojetos oferecendo condições mais atraentes para os investidores, especialmente através de cerca de 60 zonas econômicas especiais (áreas livres de impostos para atrair investimentos); em troca, esses industriais estariam dispostos a financiar suas campanhas eleitorais. A parceria que Modi formou com Gautam Adani, um pequeno empresário cuja ascensão foi meteórica, é o símbolo desse capitalismo clientelista.
Por que Modi precisa de tanto dinheiro? Para saturar o espaço público, como exige seu estilo populista. Nos anos 2000, esse estilo era fruto tanto de suas inclinações pessoais quanto de uma necessidade. De fato, Modi se afastou de setores inteiros da família da Sangh. Por um lado, Keshubhai Patel não o perdoava por tê-lo traído; por outro, seu modus operandi muito solitário quebrava com a cultura muito colegiada da RSS. Modi prescindiu assim do aparato do partido e da família da Sangh em geral para se relacionar diretamente com os eleitores. Nas eleições de 2007 e 2012, isso se traduziu na contratação de assessores de comunicação (indianos e americanos), na criação de um canal de televisão, no uso sistemático das redes sociais e nos hologramas... Embora essa logística seja própria do populismo, as mensagens transmitidas por esses canais não o são menos: Modi se apresenta como uma vítima do establishment e, em particular, do governo liderado por Manmohan Singh em Nova Delhi, cuja direção é influenciada por Sonia Gandhi, herdeira de uma família – os Nehru-Gandhi – que Modi descreve como elitista (enquanto ele vem da plebe) e cosmopolita, e até mesmo pró-islâmica (enquanto ele é um "filho da terra", defensor dos hindus).
A quarta e última dimensão do "sistema Modi" implementado em Gujarat nos anos de 2001 a 2014 diz respeito às instituições. No comando do governo estadual, Modi politizou o aparato estatal de várias maneiras. Primeiramente, atacou a polícia. Em 2002, promoveu os representantes das forças de ordem que teriam permitido o pogrom para "dar uma lição" aos muçulmanos e, em vez disso, relegou os outros. Paralelamente, recorreu aos serviços de funcionários de que precisava para transmitir sua autoridade, ainda mais quando não confiava muito nos líderes de seu próprio partido. Alguns servidores do Estado também se mostraram muito úteis para estreitar laços com os grupos que jogavam a carta de um capitalismo clientelista, graças a práticas de migração do setor público para o privado de uma dimensão sem precedentes. Além da administração, outras instituições perderam sua autonomia, começando pelo sistema judicial, vítima de intimidação e infiltração e enfraquecido pela proliferação de cargos vagos.
Em 2014, Modi construiu um "sistema" de uma eficácia temível, baseado em uma ideologia etnonacionalista capaz de seduzir a maioria hindu, uma nova economia política feita de inúmeras cumplicidades, um repertório nacional-populista do qual ele é peça-chave e que cultiva por meio de eventos excepcionais como o pogrom de 2002, e a colocação sob controle (e a seu serviço) do aparato estatal que, somado à sua relação direta com "o povo", o emancipa em parte da "família da Sangh" da qual geralmente dependem os líderes do BJP. Incapazes de detê-lo e conscientes de sua popularidade, os chefes da RSS aderiram à sua candidatura ao cargo de primeiro-ministro em 2013.
A proeza realizada por Modi desde 2014 não foi suficientemente destacada pelos observadores da vida política indiana: em poucos anos, este homem que nunca ocupara cargos nacionais transplantou para toda a Índia um sistema político que desenvolvera em sua região, que não é nem a região mais populosa do país (longe disso), nem integra o caldeirão formado por muito tempo pelo norte de língua hindi. De fato, as quatro dimensões analisadas anteriormente continuam operando e minando as bases da democracia e do secularismo indianos.
O nacionalismo hindu do qual Modi ainda é um arauto – mesmo que em público evite provocações contra as minorias – se traduz em um deslocamento dos muçulmanos (e até dos cristãos) para o estatuto de cidadãos de segunda classe. Esse processo é resultado, em primeiro lugar, das manobras das organizações de vigilância, que atuam como uma verdadeira polícia cultural nas ruas e nos campi universitários para impedir, manu militari, que os jovens muçulmanos se relacionem com as jovens hindus (em nome da luta contra o que chamam de "jihad do amor", uma operação de sedução que visaria converter as hindus ao Islã). Eles também combatem a "jihad da terra", para dissuadir os muçulmanos de adquirir ou ocupar moradias em bairros de maioria hindu – o que constitui um verdadeiro processo de guetização. Ainda pior, em nome da proteção da vaca, animal sagrado por excelência no hinduísmo, os vigilantes perseguem – e até lincham – os criadores muçulmanos de gado que transportam bovinos. O secularismo indiano não apenas é enfraquecido por essas práticas, mas também por uma reforma legal, como reflete a Lei de Emenda à Cidadania de 2019, que reserva aos refugiados não muçulmanos de Bangladesh, Afeganistão e Paquistão o acesso à cidadania indiana. Além disso, muitos estados governados pelo BJP aprovaram leis que dificultam bastante os casamentos inter-religiosos e as conversões.
O capitalismo clientelista implementado por Modi em Gujarat na década de 2010 adquiriu uma nova dimensão desde que assumiu o cargo de primeiro-ministro. O fato de apenas um punhado de empresários ter se beneficiado dessa economia política em escala estadual já era algo notável, mas transpor esse "modelo" para escala nacional é verdadeiramente extraordinário, especialmente quando os vencedores são praticamente os mesmos. Destaca-se, em particular, a figura central de Gautam Adani, que se tornou proprietário de vários portos e aeroportos privatizados pelo governo de Modi. Esses oligarcas continuam financiando as campanhas eleitorais do BJP, especialmente através de um novo sistema de bônus eleitorais que permite aos doadores manter o anonimato.
Valendo-se desses recursos, Modi – cujo partido gastou mais de 3,5 bilhões de dólares na campanha eleitoral de 2019 – continua dominando a cena pública. No entanto, suas técnicas de comunicação tornaram-se mais sofisticadas. Em primeiro lugar, o poder empenhou-se em reduzir a diversidade de opiniões que constituía a riqueza dos meios de comunicação indianos, permitindo especialmente que grandes oligarcas se apropriem dos canais de televisão mais populares – e às vezes críticos, como a NDTV, que passou para a órbita do grupo Adani. Em segundo lugar, Modi diversificou seu repertório. O registro do homem forte que protege a sociedade contra o Paquistão e as elites cosmopolitas e corruptas é acompanhado por outro tipo de discurso, mais social, até psicossocial. De fato, Modi lançou numerosos programas de ajuda aos pobres, como o que consiste em oferecer um botijão de gás (com sua foto) a todas as donas de casa necessitadas. Paralelamente, desde 2014, ele participa de uma entrevista mensal no rádio, Maan ki baat [A palavra que sai do coração], na qual tenta falar com seus concidadãos como um pai, e até mesmo como um guru.
Mas o impacto mais forte da projeção de Modi em escala nacional diz respeito naturalmente às instituições. Sua chegada ao poder resultou na personalização do modo de governar inerente ao populismo. Não apenas o partido foi encarnado e até mesmo sintetizado em sua figura nas eleições de 2014, mas os deputados – que assumiram todos com sua bênção – lhe deviam sua eleição. A Lok Sabha (Assembleia do Povo, câmara baixa do Parlamento), onde o BJP obteve a maioria absoluta pela primeira vez em sua história, tornou-se um escriba das decisões do governo. O próprio governo se transformou em um conjunto de personalidades de segundo escalão, onde os ministros – selecionados de tal forma que não fizessem sombra ao primeiro-ministro e, portanto, geralmente pouco competentes – prestaram juramento de fidelidade a ele.
Além disso, Modi se esforçou para subjugar as instituições capazes de oferecer resistência. A Suprema Corte, reconhecida por sua independência, foi seu primeiro alvo. No verão de 2014, ele apresentou ao Parlamento um projeto de lei para mudar o modo de nomeação dos juízes. Enquanto até então eram selecionados por seus pares reunidos em um conselho judicial - uma forma de cooptação que desagradava toda a classe política - agora essa seleção seria feita por um comitê de cinco pessoas (onde os juízes seriam minoria). A Suprema Corte invalidou esta emenda à Constituição indiana assim que foi promulgada, mas Modi conseguiu fazer com que os juízes a acatassem de outras maneiras.
Em primeiro lugar, os juízes que ele não gostava não foram nomeados, o que significou deixar vagos um número crescente de cargos e afetar o funcionamento da Corte. Por mais que o presidente da Corte implorasse ao governo que aprovasse as decisões do conselho judicial, nada foi feito a respeito, e a partir de 2017, o Poder Judiciário resignou-se a escolher apenas candidatos suscetíveis de serem aprovados pelo poder.
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Narendra Modi ou o fim da democracia indiana. Artigo de Christophe Jaffrelot - Instituto Humanitas Unisinos - IHU