09 Agosto 2023
O nome é Bibby Estocolmo. Parece o nome de um personagem de livros infantis, mas muitas vezes os nomes enganam. Também na entrada de Auschwitz-Birkenau estava escrito "o trabalho liberta".
A reportagem é de Caterina Soffici, publicada por La Stampa, 08-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Bibby Estocolmo é o nome da infausta barcaça onde o governo britânico decidiu “estocar”, como costumam dizer parafraseando o jargão mercantil, os migrantes que chegam à ilha em busca de asilo político.
O governo conservador britânico está tentando de todas as formas dissuadir a entrada de migrantes. Tentaram aprovar uma lei que impediria obter asilo e permanecer em solo britânico para qualquer um que entra ilegalmente (no momento trancada e objeto de uma batalha judicial). Estão discutindo a hipótese de enviar os migrantes para Ruanda (também sobre essa proposta está em curso uma batalha judicial), ou em alternativa (a notícia é de ontem), na ilhota vulcânica da Ascensão, a 4 mil milhas da costa africana, no meio do Oceano Atlântico. A ideia já havia sido proposta pela ex ministra do interior Priti Patel, inquietante figura, tão abertamente racista que em comparação Salvini é um aluno da primeira série. Alguns até propuseram criar ondas artificiais para enviar para além do canal os barcos dos migrantes (não é invenção, realmente foi proposto). A linha do governo é clara e a atual ministra do Interior, Sarah Dines, não mede palavras:
“Temos que reduzir o fator de atração dos bandos criminosos ilegais que trazem as pessoas para este país, abusando substancialmente do sistema". Pouco importa se são refugiados de guerra ou perseguidos políticos.
À luz desses precedentes, a ideia do barco quase parece uma medida liberal. Nasce da necessidade de contenção de custos - diz o governo – ou seja, ofereceria a melhor relação custo/qualidade para os contribuintes em comparação com os albergues (informa que custam 5,6 milhões de libras por dia), mas de acordo com a oposição, a economia seria insignificante. Sem contar quanto custaria enviar os migrantes para Ruanda ou para a Ilha de Ascensão.
No The Guardian no domingo havia a história de refugiado iraniano, advogado e ativista de direitos humanos, preso por suas atividades antigovernamentais e que depois conseguiu fugir das simpáticas prisões de Teerã, onde sabemos muito bem o que acontece com os dissidentes. Ele pediu asilo ao chegar ao Reino Unido vários meses atrás e foi temporariamente alojado num albergue da costa meridional, mas na semana passada recebeu a carta anunciando a transferência para o Bibby Estocolmo. Desde aquele dia, conta ele, não consegue mais dormir: “É como voltar para a prisão. No hotel posso sair, dar uma volta, ter apoio da comunidade. Lá é como voltar para uma cela".
A controversa barcaça chegou a Dorset, onde está atracada em um cais no porto de Portland, e ontem subiram a bordo também os primeiros migrantes. É uma espécie de prisão-dormitório flutuante, 93,44 metros de comprimento e 27,43 de largura, com capacidade para 222 pessoas, para a qual, no entanto, o governo tem a intenção de transferir 506 requerentes de asilo. Pertence à empresa Bibby Line Group Limited, fundada por John Bibby em 1807, ano em que o Reino Unido aboliu o tráfico de escravos. Antes da abolição, Bibby era um comerciante de metais e intermediário de navios e possuía uma participação em pelo menos três viagens de escravos.
Deve-se dizer que o uso desses dormitórios flutuantes não é novidade para a Grã-Bretanha. Durante a Segunda Guerra Mundial serviram de alojamento para marinheiros ainda não lotados para algum navio ou para acomodar marinheiros de navios afundados por torpedos alemães. A barcaça em questão circulou por meia Europa antes de atracar em Dorset. De 1994 a 1998 foi utilizada para abrigar os sem-teto, incluindo alguns requerentes de asilo, em Hamburgo, na Alemanha. Em 2005, dos Países Baixos, para segurar os requerentes de asilo em Roterdã (em 2008 um requerente de asilo residente morreu de insuficiência cardíaca por falta de assistência sanitária). Depois foi parar nas Ilhas Shetland, como acomodação para trabalhadores de uma plataforma de petróleo e, em 2017, uma empresa de gestão imobiliária discutiu a possibilidade de alugar a barcaça para fornecer acomodação universitária para 400 estudantes em Galway, na Irlanda. O plano foi barrado pela Suprema Corte da Irlanda porque não atendia aos padrões de segurança.
Agora o Bibby Estocolmo reapareceu e de nada valeram os protestos das organizações humanitárias e dos ativistas pelos direitos dos migrantes. Alguns o definiram um “Grenfell flutuante”, com uma clara referência à torre de apartamentos populares que pegou fogo em Londres em 2017. A barcaça estaria de fato também em risco de incêndio, dado o estado lamentável em que se encontra. Dado também confirmado pelo Financial Times, não propriamente um jornal revolucionário, que relatou atrasos devido a apressados trabalhos de soldadura de chapas metálicas.
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“Nós, do navio-prisão em Londres”. Londres amontoa os migrantes em uma barcaça. “Estamos numa prisão, aqui falta ar” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU