26 Abril 2023
Segundo o general estadunidense Mark Milley, a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, que dura mais de um ano, já custou a vida de cerca de 40.000 civis ucranianos, 100.000 soldados russos e outros tantos soldados ucranianos no início de novembro de 2022. [1]
É provável uma guerra de posição de anos de duração, com inúmeras vítimas, como durante a Primeira Guerra Mundial. O perigo de uma catástrofe nas usinas nucleares ucranianas como resultado das operações militares também não foi eliminado. No entanto, quase não há nenhum esforço para um cessar-fogo ou uma negociação. Em vez de realizar um trabalho diplomático para uma desescalada, a chanceler alemã, Annalena Baerbock, anuncia ao Conselho da Europa no fim de janeiro de 2023: “Estamos em guerra com a Rússia”. [2] Fabricantes de armas como a Rheinmetall and Co. são os grandes beneficiários da guerra e da remilitarização daí decorrente em toda a Europa.
A problemática do fornecimento de armas para as zonas em guerra é analisada por Jürgen Wagner, cientista político e diretor-executivo do Centro de Informação sobre Militarização (IMI, na sigla em alemão), em Tübingen, Alemanha. O artigo foi publicado por Graswurzelrevolution e republicado pela agência Pressenza, 17-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sobre a questão do fornecimento de armas alemãs à Ucrânia, está caindo um tabu após o outro. Enquanto isso, os defensores da linha-dura também se mostram preocupados quando, por exemplo, o ex-conselheiro-chefe militar da Chancelaria, o brigadeiro-general Erich Vad, já alertou insistentemente contra uma “dinâmica intrínseca” e um “deslize” que poderia levar a uma guerra direta da Otan contra a Rússia.
“Quais são os objetivos da guerra?”, perguntou-se Vad com razão. “Quer-se chegar a uma disponibilidade para a negociação com o fornecimento de tanques? Ou conseguir reconquistar o Donbass ou a Crimeia? Ou se quer derrotar a Rússia? Não existe uma definição realista de estado final. E, sem um conceito político estratégico global, o fornecimento de armas é puro militarismo”. [3]
Armas! Armas! Armas! No que diz respeito aos suprimentos de guerra, os Estados Unidos continuam sendo o principal ator, tendo fornecido à Ucrânia cerca de 30 bilhões de dólares em equipamentos até o início de fevereiro de 2023.
A Alemanha é líder na União Europeia e, após as últimas promessas na reunião de Ramstein no fim de janeiro de 2023, suas contribuições chegam a 3,4 bilhões de euros. O fornecimento de armas alemães não é pago com o orçamento da Defesa, mas com o orçamento geral. Além disso, existe um orçamento da União Europeia para o fornecimento de armas, no qual a Alemanha paga 25%. O nome desse orçamento é cínico: “Fundo Europeu para a Paz”. Até fevereiro de 2023, 3,6 bilhões de euros em armas foram pagos à Ucrânia por meio do “Fundo para a Paz”.
Não apenas as quantidades, mas também o poder de fogo das armas fornecidas está aumentando constantemente. Pode-se observar como a escala da escalada continua subindo: primeiro eram capacetes, depois obuses blindados, depois tanques antiaéreos (Gepard), depois tanques (Marder) e, no fim de janeiro de 2023, foi dado sinal verde para o fornecimento de 14 tanques Leopard 2. Em 7 de fevereiro de 2023, o governo federal também aprovou a exportação de até 178 tanques Leopard 1.
Assim que uma linha vermelha é cruzada, a próxima é posta na mira, quando, por exemplo, Christoph Heusgen , chefe da Conferência de Segurança de Munique, também pediu, enquanto isso, o fornecimento de aeronaves de combate. [4]
Markus Kaim, da Fundação Ciência e Política, adverte que a “política” corre o risco de perder toda “medida e centro”, corre o risco de se tornar o “guia” daqueles que clamam cada vez mais por mais armas: “A Ucrânia deveria receber aquilo que é importante para o direito de autodefesa. Diante dessa justificativa pobre para o fornecimento de armas alemãs, ficamos quase incrédulos: tal licença também poderia justificar o fornecimento de armas nucleares táticas para as forças armadas ucranianas”. [5] Torpedos contra soluções negociadas.
Existem diversas razões contra o fornecimento de armas. O mais importante é o perigo de uma escalada para uma guerra russo-ocidental a partir de ambientes alheios aos movimentos pela paz. Desde maio de 2022, os soldados ucranianos foram treinados na Alemanha para os obuses blindados Panzerhaubitze 2000, desde o fim de janeiro de 2023, foram treinados na Alemanha para os tanques Marder, e em breve se seguirá o treinamento para os Leopard 2.
Mas, se as armas são fornecidas com a plena consciência de que levarão apenas a uma guerra de desgaste e a mais vítimas, então talvez esse seja exatamente o objetivo cínico do empreendimento. Isso significa brincar com fogo: recordamos aqui o relatório do serviço científico do Bundestag publicado em maio de 2022 “Questões jurídicas do apoio militar à Ucrânia pelos Estados da Otan entre a neutralidade e a participação no conflito”. A perícia concluiu que o fornecimento de equipamentos de guerra ainda não era considerado uma participação na guerra, enquanto o treinamento de soldados ucranianos em tais equipamentos já o era. [6]
Mas esse é apenas um dos motivos para se opor a essas entregas de armas. Igualmente importante é a pergunta sobre o seu propósito: lembramos mais uma vez que representantes russos e ucranianos haviam negociado um documento que estava pronto para a assinatura no fim de março de 2022. Os pontos-chave dessas negociações em Istambul foram um cessar-fogo imediato, a neutralidade da Ucrânia (com Estados fiadores) e a exclusão das questões em suspenso relativas a partes do Donbass e da Crimeia, junto com o acordo para buscar uma solução não militar nos próximos 15 anos. [7]
Portanto, havia uma saída para essa guerra. O que ocorreu em detalhes não está claro até hoje. Mas é possível dizer com certeza que o Ocidente sugeriu claramente ao governo ucraniano que rejeitasse essa solução negociada, acompanhada de compromissos para o fornecimento de armas, a fim de continuar a luta contra a Rússia “com sucesso”.
Ainda em 5 de abril de 2022, o Washington Post noticiava que vários países da Otan eram a favor de uma continuação dos combates: “Isso leva a uma realidade desagradável: alguns membros da Otan acreditam que é melhor que os ucranianos continuem combatendo e morrendo do que uma paz que surja cedo demais e com custos muito altos para Kiev e para o restante da Europa”. [8]
Essas informações também são confirmadas pelas declarações do então primeiro-ministro israelense Naftali Bennett: “Um cessar-fogo estava, então, segundo Bennett, ao alcance das mãos. Ambos os lados estavam prontos para concessões significativas. Mas sobretudo a Grã-Bretanha e os Estados Unidos puseram fim ao processo e apostaram na continuação da guerra. [...] Quando questionado se, no fim, os aliados ocidentais haviam impedido a iniciativa, Bennett respondeu: “Basicamente, sim. Eles a impediram, e eu pensei que eles estavam errados”. Sua conclusão: “Eu defendo que havia uma boa possibilidade de um cessar-fogo se eles não o tivessem impedido” [9].
Desejava-se sair da lógica da escalada justamente no momento em que a Ucrânia e a Rússia estavam prestes a chegar a uma solução negociada no fim de março de 2022, mas depois o alcance e o poder de fogo dos suprimentos de armas ocidentais aumentaram enormemente. Isso não era nada mais do que a clara mensagem para a Ucrânia continuar a guerra. Para quê? Muitas vezes ouvimos que a Ucrânia deve vencer a guerra, mas o que isso significa e, acima de tudo, é realista?
Não parece realista, pelo menos se acreditarmos em alguém que deveria saber disso: o chefe do Estado-maior estadunidense, Mark Milley. Ainda em novembro de 2022 ele interveio no debate, defendendo que, com a retirada russa de Kherson, a Ucrânia havia alcançado o máximo possível, que uma vitória sobre a Rússia no campo de batalha era impossível e que, por isso, era importante iniciar negociações imediatas. [10]
Em vez disso, agora estão sendo entregues (não só) tanques de guerra alemães, cujo único objetivo é apoiar uma ofensiva ucraniana que, segundo um número crescente de especialistas, será incapaz de levar a uma decisão no campo de batalha.
Ao mesmo tempo, as negociações continuam sendo categoricamente rejeitadas. Mas, se as armas são fornecidas com a plena consciência de que apenas levarão a uma guerra de desgaste e a mais vítimas, então talvez seja exatamente esse o objetivo cínico do empreendimento. John Mearsheimer, um dos mais famosos cientistas políticos dos Estados Unidos, descreve esse cálculo assim: “Decidimos que derrotaremos a Rússia na Ucrânia. [...] Pode-se argumentar que o Ocidente, particularmente os Estados Unidos, está pronto para travar essa guerra até o último ucraniano. E o resultado final é que a Ucrânia será efetivamente destruída como país. [...] O fato é que os Estados Unidos não permitirão que os ucranianos concluam um acordo que os Estados Unidos consideram inaceitável”.
Nos Estados Unidos, multiplicam-se as vozes que pedem negociações e também questionam o infindável fornecimento de armas ocidentais. É de se esperar que, também na Alemanha, cada vez mais pessoas reconheçam o beco sem saída rumo ao qual estamos indo em velocidade máxima. O ex-brigadeiro-general Erich Vad conclui: “É possível continuar desgastando os russos, o que significa centenas de milhares de mortos, mas em ambos os lados. E isso significa mais destruição da Ucrânia. [...] É preciso construir uma frente mais ampla pela paz em Washington. E esse ativismo sem sentido na política alemã deve acabar. Caso contrário, acordaremos uma manhã e nos encontraremos no meio da Terceira Guerra Mundial”. [12]
1. MÜLLER, Fabian: “Verluste im Ukraine-Krieg: US-General nennt 200.000 getötete oder verwundete Soldaten”, Merkur.
2. DIEKMANN, Patrick: “Streit zwischen Scholz und Baerbock. Ein Sturm zieht auf”, T-online, 01-02-2023.
3. ROSS, Annika: “Erich Vad: Was sind die Kriegsziele?”, Emma, 12-01-2023.
4. “Heusgen befürwortet Lieferung von Kampfjets an die Ukraine”, Deutschlandfink, 29-01-2023.
5. KAIM, Marco: “Warum nicht gleich Nuklearwaffen?”, Spiegel On-line, 19-01-2023.
6. Serviço Científico do Bundestag: “Rechtsfragen der militärischen Unterstützung der Ukraine durch NATO-Staaten zwischen Neutralität und Konfliktteilnahme, Sachstand”, 16-03-2022.
7. “Waffenstillstand und Frieden für die Ukraine”, IPPNW, 15-11-2022.
8. BIRNBAUM, Michael; RYAN, Miss: “NATO says Ukraine to decide on peace deal with Russia — within limits”, Washington Post, 04-05-2022.
9. SCHEIDLER, Fabian: “Naftali Bennett wollte den Frieden zwischen Ukraine und Russland: Wer hat blockiert?”, Berliner Zeitung, 06-02-2023.
10. BAKER, Peter: “Top U.S. General Urges Diplomacy in Ukraine While Biden Advisers Resist”, New York Times, 11-10-2022.
11. KOLENDA, Klaus-Dieter: “... im Grunde ein Krieg zwischen den USA und Russland”, Telepolis, 26-04-2022. Cf. também as declarações do ex-inspetor geral da Bundeswehr, Harald Kujat: “A Ucrânia está lutando por sua liberdade, por sua soberania e pela integridade territorial do país. Mas os dois principais atores dessa guerra são a Rússia e os Estados Unidos. A Ucrânia também luta pelos interesses geopolíticos dos Estados Unidos. Porque seu objetivo declarado é enfraquecer a Rússia política, econômica e militarmente, a ponto de poder recorrer a seu rival geopolítico, o único capaz de ameaçar sua supremacia como potência mundial: a China” (Entrevista com o general Harald Kujat, Zeitgeschehen-im-fokus.ch, 18-01-2023).
12. Ross, 2023.
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O crescente perigo da corrida armamentista. Artigo de Jürgen Wagner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU