"Quem leu (O Mito da Caverna), interessante fazer a releitura, quem não o conhece ou 'só ouviu falar', é um convite. Leia. Compreender o senso comum e o senso crítico, o mundo sensível e o mundo inteligível, nos ajuda na coleta de informações fundamentais sobre o quadro sócio-político-econômico brasileiro e enfrenta-lo com temperos de amorosidade e racionalidade", escreve Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Comunicação, articulista no jornal A Crítica de Manaus, cofundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).
Eis o artigo.
O Mito da Caverna ou a Caverna de Platão (livro VII de A República) é uma das leituras importantes nesse momento. Quem leu, interessante fazer a releitura, quem não o conhece ou “só ouviu falar”, é um convite. Leia. Compreender o senso comum e o senso crítico, o mundo sensível e o mundo inteligível, nos ajuda na coleta de informações fundamentais sobre o quadro sociopolítico-econômico brasileiro e enfrentá-lo com temperos de amorosidade e racionalidade.
Isso se quisermos compreender. Talvez, alguns se sintam saciados e até felizes em permanecer na caverna com os movimentos controlados por correntes hoje disponibilizadas também por outras plataformas, como o WhatsApp. O ato de libertar-se das correntes dói. Lidar com a dor exige coragem para tecer continuamente a liberdade.
Reproduzo três trechos do diálogo de Sócrates com Glauco. Neste trata entre outros aspectos dos efeitos do aprisionamento humano:
“imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentadas, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construída um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas” (p. 296).
Noutro, Sócrates questiona o ingresso “em nova competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que os seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se a alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?” (p. 299)
“Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a ideia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; na mundo visível, ela engendrou a luz e o soberana da luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública” (p. 300).
A luz da fogueira na nossa caverna permanece tênue e forte e se replica nas mensagens comandadas por grupos de poder interessados em manter acorrentado o país Brasil para que dominado por sistema que só tem êxito no uso de correntes acorrentando o povo, os direitos, culturas e a liberdade. O mito é a ignorância, a brutalidade, a barbárie.
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